Ditador da Belarus diz que impediu Putin de matar líder mercenário

Em discurso algo surreal, Lukachenko descreveu como teria salvo Prigojin, que agora está em seu país

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São Paulo

Em discurso algo surreal, o ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, disse ter sido o responsável por evitar que Vladimir Putin matasse o líder mercenário Ievguêni Prigojin durante o motim na Rússia.

Mesmo para os padrões usuais de Lukachenko, adepto de um estilo bufão, seu relato das tensas horas de sábado (24), quando ficou claro que o líder do Grupo Wagner tinha tomado o controle de Rostov-do-Don, no sul da Rússia, e iria enviar suas tropas a Moscou, é de um desassombro teatral.

O ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, durante a fala a oficiais militares em Minsk
O ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, durante a fala a oficiais militares em Minsk - Governo da Belarus via Reuters

O ditador contou em Minsk, nesta terça (27), que Putin estava determinado a "eliminar" os rebeldes. "Disse a ele: sim, podemos matá-lo, não seria um problema. Se não der certo na primeira vez, então na segunda. [Mas] disse também: não faça isso". Já na conversa com Prigojin, que de acordo com a versão oficial resultou no acordo que encerrou a crise, Lukachenko afirmou: "Vão te esmagar como um inseto".

Segundo o relato do ditador, por volta das 8h de sábado ele recebeu informações de que "algo estava errado no sul da Rússia". "Sabe como é, há uma guerra, sempre há muitas informações", afirmou. Logo depois, veio um chamado do Kremlin dizendo que Putin queria conversar "de forma urgente". Ficou combinado que falariam às 10h30, mas às 10h10 o presidente russo já estava na linha.

"Ele me explicou tudo e disse: 'Sacha [diminutivo de Aleksandr], não tem jeito, ele [Prigojin] não quer ouvir ninguém, nem atende o telefone'. Eu o aconselhei a não fazer aquilo [matar o mercenário rebelde]", disse Lukachenko para uma claque de altos oficiais das Forças Armadas.

Segundo seu relato, ele conseguiu falar com Prigojin por volta das 11h, e ao meio-dia os três protagonistas da crise estavam em uma conferência telefônica. A essa altura, já havia combates entre os mercenários e a Força Aérea Russa, que perdeu ao menos cinco helicópteros e um avião de comando e controle na crise.

Enquanto a coluna com tanques montados em carretas, blindados e outros veículos do Wagner subia a rodovia M4 rumo a Moscou, houve outras seis rodadas de conversas, mas Lukachenko não disse se Putin participou de todas elas. Ao fim, na noite de sábado, o acerto foi divulgado, com Prigojin insistindo que só queria salvar seu grupo da intervenção proposta pelos rivais da pasta de Defesa, não derrubar o governo.

A candura da história contada pelo belarusso soa pouco crível e se encaixa numa narrativa de um Putin que não estava acuado pela situação, como foi percebido no exterior e por observadores mais isentos da cena russa. Há também aqueles que veem um cenário pintado para acobertar um arranjo ainda inaudito, como apontou à Folha a analista Ekaterina Zolotova. Por fim, pode ser tudo verdade.

Por ora, os fatos são os seguintes. Prigojin desembarcou para seu exílio na Belarus, onde já tem uma base sendo preparada para os mercenários que quiserem segui-lo. Lukachenko disse que quer "aprender" com a experiência do Wagner em guerras como a da Ucrânia, o que já levou a protestos de Polônia, Lituânia e Estônia, países vizinhos que fazem parte da Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA.

Putin manteve o morde-assopra da crise, em que anistiou quem derrubou helicópteros e matou aviadores, dizendo que vai investigar se Prigojin fez bom uso dos quase R$ 10 bilhões que ganhou em um ano. Prometeu, ainda, tirar tanques e outros equipamentos militares pesados, usados na Ucrânia, pelo Wagner.

Quem se sai melhor na foto até aqui é Lukachenko, que viu seu status relativo crescer. Desde 2020, quando enfrentou duros protestos contra mais uma reeleição fraudada, o ditador passou a se submeter mais ao Kremlin. Rússia e Belarus formam o vago Estado da União, que agora ganhou contornos militares.

Minsk não é parte da Guerra da Ucrânia, mas permite o uso de seu território para ações russas desde a invasão, em 2022, e os países passaram a unificar comandos militares. Neste mês, para completar, Lukachenko começou a receber armas nucleares táticas de Moscou, que seguirão operadas pelos russos, mas que causaram furor na vizinhança.

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