Índia tira teoria da evolução e tabela periódica dos livros escolares

História muçulmana e debates sobre democracia também são deixados de lado em reformulação da grade obrigatória

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São Paulo

Estudantes da Índia que retornam às salas de aula neste mês para o início do ano letivo no país não terão contato com temas básicos da disciplina de ciências, como a teoria da evolução, a tabela periódica e assuntos relacionados a sustentabilidade ambiental.

A exclusão dos conteúdos, alvo de crítica de milhares de especialistas, vem com a chancela do Conselho Nacional de Pesquisa e Treinamento Educacional, o NCERT, órgão estatal do Ministério da Educação do governo nacionalista do premiê Narendra Modi e seu partido, o BJP.

Crianças em idade escolar caminham com mochilas perto de mural em Srinagar, na Índia
Crianças em idade escolar caminham com mochilas perto de mural em Srinagar, na Índia - Tauseef Mustafa - 19.mai.23/AFP

A mudança deve afetar 134 milhões de alunos de 11 a 18 anos de idade, segundo a revista Nature. Afinal, o material do NCERT é usado hoje em mais de 24 mil escolas afiliadas no país e mais 240 centros de ensino indianos no exterior, mostram informações da rede catariana Al Jazeera.

Foi na pandemia de Covid que a exclusão dos conteúdos teve início. Alegando a necessidade de aliviar a demanda sobre os alunos que estavam estudando remotamente no ápice da crise sanitária, o órgão ligado à pasta de Educação enxugou a lista de tópicos a serem ensinados —e lá se foi a teoria da evolução.

O agravante veio depois, já no primeiro semestre deste ano, quando o material didático começou a ser impresso também sem esses assuntos, mesmo que, agora, as salas de aula tenham voltado a ser ocupadas presencialmente. Em raras manifestações, o NCERT alegou a necessidade de "racionalizar a educação" e enxugar conteúdos repetitivos.

Em um documento recém-divulgado pelo órgão de educação sobre o conteúdo didático, há um trecho que reúne "conteúdos temáticos que foram descartados e, portanto, não devem ser avaliados".

A lista revela exclusões que vão além da teoria da evolução. Consta ali tudo relacionado a fontes de energia, debates sobre democracia e diversidade, além de partidos políticos e movimentos sociais.

A resposta dos especialistas foi quase imediata. Em abril, mais de 1.800 cientistas e educadores assinaram carta aberta conjunta, organizada pela Breakthrough Science Society, com sede em Calcutá. Entre outros pontos, lembraram que só um pequeno número de estudantes elege biologia como área de formação —só os que o fizerem, afinal, terão contato com esses temas excluídos da grade básica.

"Conhecer e entender a teoria da evolução é algo fundamental para entender o mundo que nos rodeia. Embora muitos não percebam, princípios da seleção natural nos ajudam a entender como qualquer pandemia progride ou o motivo para que certas espécies sejam extintas, entre muitas outras questões fundamentais para uma visão de mundo racional", diz um trecho do documento.

"As observações de Darwin que o levaram à teoria da seleção natural educam os alunos sobre a importância do pensamento crítico. Privar os alunos que não optam particularmente por estudar biologia de qualquer exposição a esse assunto é uma farsa de educação."

Na justificativa do NCERT, os conteúdos podem ter sido excluídos por alguns motivos, entre eles "serem irrelevantes para o contexto atual", "nível de dificuldade", "ser de fácil acesso ao estudante sem que seja necessária a intervenção de professores" ou "repetir conteúdo similar".

Para muitos analistas, as mudanças no currículo estão intimamente relacionadas ao nacionalismo hindu que predomina nas políticas do premiê Modi. Isso porque, além das áreas de ciências, houve cortes no conteúdo de história ao qual estudantes terão acesso.

Os novos livros não contemplam mais seções sobre as centenas de anos do império Mughal, no poder desde o início dos anos 1500 até meados dos anos 1700, ou dos distúrbios de Gujarat, em 2002, episódio no qual tumultos entre comunidades locais deixaram mais de mil mortos —em sua maioria, muçulmanos— na região em que Modi era ministro-chefe.

Os hindus constituem cerca de 80% da população indiana, enquanto muçulmanos representam em torno de 14%, segundo dados oficiais. Sob Modi, no poder desde 2014, o estigma e a perseguição a essa minoria cresceu, e escalou a tentativa de representar a Índia como um país historicamente hindu.

A exclusão desses trechos foi celebrada pela base aliada do premiê. O líder do partido governista, Kapil Mishra, disse no Twitter que excluir a história Mughal, que chamou de falsa, foi "uma grande decisão". "São ladrões e invasores que agora não estão mais nos nossos livros de história, mas na lata de lixo", escreveu.

Sob Modi, a Índia, hoje o país mais populoso do mundo, assistiu a uma onda de autocratização. Alguns dos principais institutos de pesquisa consideram o país uma autocracia eleitoral —sistema que possui eleições multipartidárias, mas está aquém de outros pilares democráticos devido a irregularidades em garantias institucionais, como a liberdade de expressão.

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