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Medida contra muçulmanos ajuda a transformar Índia em nação para hindus

Lei de cidadania exclui islâmicos e favorece outras minorias

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São Paulo

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, está em vias de transformar a maior democracia laica do mundo em um país de supremacia hindu que trata muçulmanos como cidadãos de segunda classe.

A aprovação da nova lei de cidadania da Índia é apenas o mais recente item da agenda hindu fundamentalista que Modi, amparado por vitória avassaladora nas eleições de maio, está implementando.

Manifestantes jogam pedras contra a polícia durante protesto contra a nova lei de cidadania, em Déli
Manifestantes jogam pedras contra a polícia durante protesto contra a nova lei de cidadania, em Déli - Adnan Abidi/Reuters

A primeira medida da agenda de hinduização de Modi e seu partido, o BJP, foi a revogação da autonomia constitucional Caxemira, única região de maioria muçulmana na Índia. Em agosto, o decreto presidencial que rescindiu a situação especial de Jammu e Caxemira e o estado foi rebaixado para território e dividido em dois.

A autonomia do estado era garantida pela Constituição. O artigo 370 permitia à Caxemira fazer suas próprias leis, enquanto o governo central em Déli tinha poder apenas sobre as áreas de defesa, relações exteriores e comunicação.

A disputa entre Índia e Paquistão pela Caxemira e o apoio do governo paquistanês a facções extremistas que fazem seguidos ataques terroristas dentro do território indiano são questões explosivas.

O decreto presidencial gerou protestos na região que foram duramente reprimidos pelas forças indianas. Elas mantêm cerca de 500 pessoas em prisão preventiva e restringem comunicações e internet em certas áreas.

Depois, em novembro, a Suprema Corte decidiu a favor dos hindus e autorizou a construção de um templo para o deus Ram na cidade de Ayodhya, no local onde uma mesquita do século 16 foi ilegalmente destruída por extremistas hindus em 1992.

Muçulmanos queriam reconstruir a mesquita no local, o que gerou conflitos ao longo dos anos que levaram a mais de 2 mil mortos.

Agora, a lei de cidadania, aprovada na Câmara Alta e na Câmara Baixa, garante que hindus, budistas, cristãos, parsis, sikhs e jainistas que tenham entrado ilegalmente no país antes de 2014, vindos do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão, tenham um caminho facilitado para obter a cidadania indiana.

Para o governo, a lei é uma forma de ajudar minorias religiosas perseguidas nesses países. Mas, efetivamente, a legislação exclui muçulmanos e imigrantes de países onde eles são perseguidos, como Mianmar e Sri Lanka.

Ou seja, dá anistia a todos não-muçulmanos.

A medida prepara o terreno para o que podem vir a ser expurgos maciços de muçulmanos vivendo na Índia.

Em agosto, o governo concluiu no estado de Assam o processo de registro de cidadãos, que tinha como objetivo identificar os imigrantes ilegais, principalmente vindos de Bangladesh. Cerca de 32 milhões de habitantes tiveram de passar por um teste de cidadania e mostrar documentos que comprovassem que eles ou seus ancestrais viviam na Índia desde 1971.

Mais de 2 milhões de pessoas foram excluídas, a maioria muçulmanos, alguns hindus. Muitos não encontraram documentos e, além disso, um quarto da população do estado é analfabeta.

Aqueles que não conseguiram provar sua cidadania podem recorrer a tribunais de estrangeiros e outras instâncias. Mas o governo já está construindo 10 enormes centros de detenção para os que foram considerados imigrantes ilegais.

Alguns dos que foram presos vivem na Índia há gerações. Os não-muçulmanos poderão recorrer à nova lei de cidadania – os muçulmanos, não.

Amit Shah, ministro do interior de Modi e o segundo homem mais poderoso do governo, já anunciou que o registro de cidadãos será expandido para todos os estados do país, e que os imigrantes ilegais, que ele chama de “cupins”, serão todos deportados, porque representam uma ameaça à segurança nacional.

Cerca de 14% da população indiana é muçulmana. São 200 milhões —o que leva o país a ter a segunda maior população islâmica do mundo, só perdendo para a Indonésia.

Se o processo de registro de cidadãos se expandir para as outras regiões da Índia, expurgos podem gerar uma onda gigantesca de refugiados muçulmanos, maior ainda do que a expulsão de cerca de um milhão de rohingyas de Mianmar em 2017.

A agenda de hinduização de Modi não vai parar aí.

Em julho, o governo acabou com a possibilidade de muçulmanos no país se divorciarem instantaneamente por meio dos “três talaqs”.

Segundo a lei islâmica, um homem muçulmano pode se divorciar da mulher simplesmente pronunciando três vezes seguidas a palavra árabe "talaq", o que pode ser feito por telefone, mensagem de texto e até postagem em redes sociais. Agora, o ato passa a ser punido com pena de até três anos de prisão.

O BJP pretende avançar com outras reformas no código civil para acabar com a independência de certas religiões, como a muçulmana, em relação a herança e casamento.

Essa crescente hinduização trai os princípios dos fundadores da Índia moderna, Jawaharlal Nehru e Mohandas Gandhi, que previam um país secular, em que pessoas de todas as religiões seriam tratadas da mesma maneira, e estipulava proteções para minorias religiosas.

Nacionalistas hindus sempre se ressentiram com isso e, ao ascender ao poder com Modi e o BJP, finalmente estão conseguindo transformar o país em uma nação para hindus.

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