Em mais uma reverberação do motim de mercenários ocorrido na semana passada na Rússia, a Ucrânia mudou sua orientação e decidiu reforçar militarmente a fronteira norte, junto à Belarus —ditadura aliada de Moscou para onde foi exilado o comando do Grupo Wagner, pivô da revolta.
Segundo o presidente Volodimir Zelenski, que antes havia dito que a presença dos mercenários no país vizinho não implicava mudança estratégica ou tática para Kiev, a decisão foi tomada após receber um relatório do seu serviço de inteligência militar.
Ele não deu detalhes e, numa postagem no Telegram nesta sexta (30), não citou o nome do Wagner. Mas as preocupações vazadas à imprensa local e ocidental são sobre as bases para receber os combatentes do grupo que estavam a serviço do esforço de guerra russo na Ucrânia.
Na sexta (23) e no sábado (24) passados, o mercenário Ievguêni Prigojin liderou um motim contra as Forças Armadas que acabou encerrado com mediação do ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko. O caso é encoberto de mistérios, mas a resultante até aqui foi o desmantelamento do Wagner na Rússia, com a devolução de tanques e outros equipamentos usados em ações como a tomada de Bakhmut.
Lukachenko se gabou de ter salvo Prigojin, tão próximo de Vladimir Putin que era conhecido como seu "chef", referência à metade dos R$ 10 bilhões que ganhou do Kremlin no ano passado por seus serviços de alimentação. A outra metade, presumivelmente, foi para as atividades militares do Wagner.
O presidente russo disse que os soldados de Prigojin poderiam debandar, assinar contratos com o Ministério da Defesa ou ir para a Belarus, onde teoricamente o chefe mercenário está exilado. Teoricamente porque nada é claro nesse arranjo, inclusive o destino do maior aliado do "chef de Putin", general Serguei Surovikin, que foi detido para esclarecer suas relações com o amigo e não mais foi visto.
Dessas brumas emergem sinais aqui e ali, como o vazamento de registros de satélite presumivelmente usados pelo relatório ucraniano de inteligência que mostram a construção de uma nova base a sudeste de Minsk, possivelmente para abrigar o Wagner. Como a analista russa Ekaterina Zolotova havia dito à Folha, já havia uma outra base e planos para a instalação de até oito unidades no país. Isso significa que o Wagner iria operar a serviço de Lukachenko, de resto um aliado de Putin? Ninguém sabe.
Isso porque oficialmente a Belarus não está na Guerra da Ucrânia, embora seja base de tropas russas e permita o uso de seu território e espaço aéreo por Moscou. O ditador passou anos tentando fazer um jogo duplo com Putin e o Ocidente, mas desde 2020, quando sua autoridade foi desafiada por megaprotestos, está na esfera do Kremlin.
Neste mês, Moscou começou a instalar no país ogivas nucleares táticas, de emprego supostamente mais restrito em alvos militares, lançadas de mísseis Iskander, com alcance de até 500 km, e aviões de ataque Su-25 modificados. A Otan, a aliança militar do Ocidente, denunciou a escalada e avisou que irá reforçar suas fronteiras com a Belarus.
Lukachenko foi vago sobre Prigojin, mas disse que iria aproveitar as lições aprendidas pelo Wagner no envolvimento em conflitos africanos, na guerra civil da Síria e na invasão da Ucrânia. Segundo o Parlamento russo, em nome de Putin os mercenários não podem mais atuar no país atacado em 2022, e o governo sírio foi avisado que o Wagner não poderia mais operar lá.
Mas, nesta sexta, o chanceler Serguei Lavrov disse que as atividades em países aliados na África poderiam continuar. O emprego de mercenários russos é uma polêmica forma de aumentar a influência do Kremlin na região, acompanhada pelos usuais relatos de brutalidade por parte dos soldados.
Ainda nesta sexta, a agência russa Interfax disse que Putin conversou por telefone com o premiê indiano, Narendra Modi, que mantém uma relação próxima com o russo e é aliado dos EUA. Modi teria expressado apoio ao colega após o motim. Em mais uma medida posterior ao motim para dirimir insatisfações, o Kremlin anunciou que irá elevar em 10,5% os soldos das Forças Armadas a partir de outubro.
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