Livro detalha papel da emigração na criação da identidade italiana

'Italianos no Mundo' traz informações preciosas que mostram como os que deixaram o país se tornaram extensão da Itália

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São Paulo

Não é simples calcular quantos brasileiros são descendentes de italianos. Há ao menos duas estimativas: ou seriam de 15 milhões a 20 milhões, ou então, num cálculo menos modesto, já atingiram 31 milhões. De qualquer modo, é muita gente. Caso o número correto seja o mais elevado, ele já corresponderia a pouco mais da metade da atual população da Itália, que é de 58,9 milhões.

Essas estimativas demográficas aparecem em meio a uma constatação meio óbvia. Se tantos italianos chegaram ao Brasil, é porque em algum momento ocorreu na Itália um forte movimento de emigração. Entre 1880 e 1915, cerca de 13 milhões de italianos deixaram seu país e se instalaram em países como Estados Unidos, Argentina e Brasil.

Essa é uma das informações preciosas do livro do historiador americano Mark Choate, "Italianos no Mundo: Uma Nação Emigrante", que a Editora Contexto acaba de traduzir.

Pessoas caminham perto do Coliseu, um dos monumentos mais visitados do mundo - Yara Nardi - 4.jun.21/Reuters

Em primeiro lugar, a emigração italiana se tornou um campo do conhecimento historiográfico, com uma competente rede internacional de especialistas –como o brasileiro João Fábio Bertonha, que traduziu o livro. Os historiadores estão há um bom tempo estruturando uma bibliografia que não tem nada a ver com o sentimentalismo ufanista de quem associa a cultura italiana a um bondoso ancestral já morto ou que bate no peito e alega possuir geneticamente qualidades gastronômicas de bisavós que vieram da Itália.

O que o estudo mostra é que pensadores e políticos italianos, a partir do final do século 19, construíram uma imagem da "italianidade" que incluiu os italianos da Itália e os que haviam deixado o país. Os emigrantes fizeram parte do mesmo espírito de aglutinação nacional que a Itália finalmente conquistou em 1861, com sua unidade política, sob a soberania de um rei.

De certa maneira, os políticos fizeram uma Itália antes que se construíssem os italianos como nacionalidade unitária. Os habitantes da península eram antes genoveses, romanos, lombardos, sicilianos ou calabreses, com dialetos próprios e um sentimento frágil de solidariedade interna. Ou, como diria no século 19 o pintor e patriota Massimo d’Azeglio, "fizemos a Itália; agora resta fazermos os italianos".

O que o livro de Choate demonstra é que a emigração foi parte dessa construção. Os intelectuais e os burocratas descobriram que o grande fator de unidade nacional era o idioma de Dante. Surgiu então a expressão "colônias etnográficas" para designar os núcleos demográficos que falavam essa língua.

Outra maneira de dizer a mesma coisa seria não considerar o emigrante como o cidadão que se descolou da pátria, mas como um prolongamento da pátria italiana localizado no estrangeiro.

Naquele final do século 19 era muito tênue a relação da Itália com seus emigrantes nas Américas. A emigração transportava a língua e a religião, mas não a burocracia estatal de Roma. E não é por coincidência que em 1890 o então primeiro-ministro Francesco Crispi propõe ao Parlamento a fixação de laços estruturais com emigrantes e ao mesmo tempo com cidadãos em colônias da África.

A questão não consiste em saber as razões pelas quais esse mecanismo deu ou não deu certo, mas notar a construção de vínculos que realmente passaram a existir entre a Itália e os emigrantes. O governo financiava escolas no exterior e entidades filantrópicas que acudissem italianos em dificuldades. Também se associava à Igreja Católica para a manutenção de ambulatórios e escolas religiosas.

Um mecanismo tributário funcionou a pleno vapor entre 1901 e 1925 para que a Itália tomasse conta de seus cidadãos emigrados, por mais que ela criasse atritos com os países receptores dos imigrados, interessados numa interação cultural que finalmente, com o passar das décadas, acabou acontecendo.

Choate introduz, por fim, uma questão curiosa. Segundo ele, não se pode propriamente falar de diáspora quando nos referimos à comunidade italiana em determinado país. Isso porque a palavra caberia apenas para pessoas das quais a Itália não mais reconhecesse a cidadania. Foram casos que ocorreram durante o fascismo e com os antifascistas impedidos de obter passaporte nos consulados italianos.

ITALIANOS NO MUNDO: UMA NAÇÃO EMIGRANTE

  • Preço R$ 95 (416 págs.)
  • Autoria Mark I. Choate
  • Editora Contexto
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