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Morte de Berlusconi força seu partido a encontrar formas de sobreviver

Feudo pessoal do ex-premiê, Força Itália não tem substituto para seu fundador e sofre com guerra entre facções internas

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Amy Kazmin
Roma | Financial Times

Silvio Berlusconi, morto na última segunda-feira (12), chefiou seu partido de centro-direita, o Força Itália, como se fosse um feudo pessoal, sem jamais preparar o terreno para uma sucessão.

Por isso, enquanto o país se prepara para seu funeral de Estado nesta quarta (14), em Milão, muitos estão céticos quanto às chances de sobrevivência da sigla após a perda de seu polarizador e bilionário fundador.

O ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, morto na última segunda, discursa em um comício do Força Itália, em Roma - Andreas Solaro - 30.mar.2019/AFP

"A imagem que ele fazia de si mesmo era incompatível com a ideia de que alguém pudesse tomar seu lugar", diz Giovanni Orsina, autor de um livro sobre Berlusconi. "Líderes carismáticos pensam que são a melhor pessoa, que ninguém pode substituí-los, que o mundo acabará quando eles acabarem."

Analistas estão prevendo que a morte do político pode desencadear intensas disputas internas na sigla, algo que seria uma distração inoportuna, mas também uma oportunidade política para Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana cujo governo de ultradireita é composto pelo Força Itália.

"Se o partido se desintegrar, haverá uma disputa por sua ‘parcela do mercado’", disse Roberto D’Alimonte, professor de política na Universidade Luiss, em Roma. "É um risco que Meloni não corria antes. Mas, se ela jogar suas cartas bem, poderá construir o grande partido de direita que Berlusconi nunca conseguiu"

O chanceler Antonio Tajani, encarregado da direção da sigla durante as internações hospitalares recentes de seu fundador, insiste que o partido ainda tem futuro. "Temos o dever de seguir adiante como o Força Itália, mesmo feridos", disse ele a jornalistas na segunda, após a morte de Berlusconi. "Vamos continuar a avançar sob a orientação moral e espiritual dele. O que ele criou não está destinado a desaparecer."

O ex-presidente do Parlamento Europeu, porém, é descrito como destituído do carisma e do tino necessários para manter a coesão de uma sigla formada por facções em guerra –incluindo um grupo liderado pela última companheira de Berlusconi, Marta Fascina, e outro por sua antiga enfermeira.

"Será difícil Tajani ocupar esse lugar", diz Marianna Griffini, professora do King’s College, em Londres, e autora de um livro sobre a direita radical populista italiana. "Pode haver muito mais lutas pelo poder."

A maioria das pessoas prevê que a legenda se fragmente pouco a pouco, à medida que diferentes facções se alinhem a Meloni ou a seu outro parceiro de coalizão, Matteo Salvini, líder da Liga, de ultradireita.

Mas é pouco provável que a potencial implosão do Força Itália abale o poder de Meloni, já que a maioria dos parlamentares do partido tende a apoiar o governo. "Não acredito que o governo corra perigo", disse Orsina. "Meloni é muito forte, e as pessoas do Força Itália não tem outro lugar para onde ir."

Ele argumentou que a primeira-ministra já se firmou como a herdeira política do ex-primeiro-ministro, mesmo sem a bênção dele. "Está muito claro que Meloni herdou a maioria dos eleitores de Berlusconi e é hoje a líder da coalizão de direita que ele criou em 1994", disse Orsina. "Ela é a herdeira dele e herdou não porque pediu que Berlusconi lhe desse algo, mas porque lutou e assumiu o legado por conta própria."

A mídia italiana especulou por muito tempo que a filha mais velha do político, Marina, 56, pudesse injetar novo ânimo no Força Itália e sustar seu declínio. Mas ela nega há muito tempo ter interesse na política, o que a obrigaria a abrir mão do controle da holding familiar Fininvest, que preside, e de seus interesses na mídia e nos setores bancário e editorial. A expectativa é que ela procure usar sua influência discretamente para manter os resquícios do partido unidos em apoio ao governo de Meloni, disse D’Alimonte.

O Força Itália –cujo nome é um grito com o qual torcedores italianos saudavam sua seleção de futebol— foi fundado em 1994, quando Berlusconi, o homem mais rico do país, ingressou na política. Ele chamou figuras populares da TV e executivos de suas empresas para se candidatar em eleições, alavancando a influência de suas firmas de mídia para conquistar uma vitória eleitoral espantosa em apenas dois meses.

O magnata continuou a comandar o partido como seu acionista controlador, ao mesmo tempo em que se envolvia em escândalos, era condenado por fraude fiscal e proibido de se candidatar a um cargo político novamente até 2018. Ao longo dos anos, esse controle rígido levou ao êxodo de políticos de talento.

Os subordinados políticos mais importantes de Meloni –o ministro da Defesa, Guido Crosetto, e o chefe de Assuntos da União Europeia, Raffaele Fitto— saíram do Força Itália. Outras figuras de alto perfil deixaram o partido no ano passado em protesto ao papel do líder na derrocada do ex-premiê Mario Draghi.

Os eleitores também se afastaram da sigla: não obstante a tentativa de Berlusconi de descrever uma volta por cima na política, no ano passado, a agremiação recebeu apenas 8% dos votos, muito longe dos 37% que comandou quando o empresário estava no auge de sua popularidade, em 2008. "O partido é uma força que se esgotou", disse Daniele Albertazzi, professor de política na Universidade de Surrey. "Mesmo que volte a participar de eleições mais algumas vezes, será que vai exercer qualquer influência real?"

Tradução de Clara Allain

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