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Financial Times Guerra da Ucrânia

Motim de mercenários coloca poder e prestígio de Putin em xeque

Movimento liderado por Prigojin confirma que conflito na Ucrânia está dando errado para presidente russo

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Gideon Rachman
Financial Times

Quinze meses atrás, o Exército de Vladimir Putin estava nos arredores de Kiev. Agora o líder russo está tendo dificuldade em manter o controle em Moscou.

A rebelião do Grupo Wagner, de Ievguêni Prigojin, é a confirmação final de que o conflito na Ucrânia está dando catastroficamente errado para Putin. Mesmo que o líder russo saia vencedor na batalha imediata contra as tropas mercenárias, é difícil acreditar que o presidente consiga sobreviver a esse tipo de humilhação. Seu prestígio, seu poder e até sua vida estão em jogo agora.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante cerimônia militar em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante cerimônia militar em Moscou - Sergei Guneev - 22.jun.23/Divulgação Kremlin via Reuters

A ironia histórica é que são as ações do próprio Putin que causaram aquilo que ele mais teme: uma insurreição que ameaça tanto o Estado russo quanto seu poder pessoal.

O medo que Putin sente de uma "revolução colorida" na Rússia vem de quase 20 anos atrás. Suas origens estão justamente na Ucrânia. A Revolução Laranja de 2004 –um levante popular democrático contra uma eleição manipulada— provocou no líder russo uma paranoia que foi se intensificando com o passar dos anos.

Desde então, dois temores interligados assombram Putin. Primeiro, que a Ucrânia pudesse sair completamente do controle da Rússia. Segundo, que um levante pró-democracia bem-sucedido em Kiev pudesse servir de ensaio para a mesma coisa em Moscou.

Sua decisão de invadir a Ucrânia em 2022 foi um esforço para sufocar os dois perigos, instalando em Kiev um governo autoritário e pró-Rússia.

Sendo um ex-agente de inteligência e um teórico da conspiração, Putin estava convencido de que as origens de qualquer "revolução colorida", quer ocorresse na Ucrânia ou na Rússia, estariam em Washington.

Sua recusa em acreditar que os ucranianos pudessem ter vontade ou poder próprios o levou a subestimar fatalmente a força da resistência ucraniana a uma invasão russa.

Além de subestimar a força ucraniana, Putin –inebriado com a mitologia do Exército Vermelho dos anos 1940— sobrestimou fatalmente o poderio militar da própria Rússia. O fracasso do Exército russo abriu a porta para a entrada do Grupo Wagner na guerra. Isso conferiu a Prigojin sua própria base de poder e plataforma de propaganda e, no final, permitiu-lher voltar-se contra o Estado russo.

O argumento que Putin apresenta ao povo russo sempre foi de que ele salvou o país da anarquia dos anos 1990. Mas o que está acontecendo agora lembra o fracassado golpe militar e da linha dura contra Mikhail Gorbachov em 1991, quando Boris Ieltsin subiu sobre um tanque diante da sede do Parlamento. Naquele momento, o povo de Moscou exerceu um papel vital no desenrolar dos acontecimentos.

A reação da população ao motim de Prigojim será parte crucial desta história –uma parte que ainda é uma incógnita.

Em suas declarações sobre a insurreição de Prigojin, Putin lembrou um precedente ainda mais sombrio: a alegada "punhalada nas costas" que encerrou o esforço de guerra russo em 1917 e mergulhou o país numa revolução e conflito civil. O objetivo dessas palavras foi transmitir firmeza de propósito. Elas foram tudo, menos tranquilizadoras.

A insurreição do Grupo Wagner dará esperança aos adversários do regime de Putin dentro e fora da Rússia. Para as Forças Armadas da Ucrânia, cuja contraofensiva não conseguiu um grande avanço até agora, o motim parece uma oportunidade histórica. Se as forças russas se digladiarem mutuamente ou se forem chamadas de volta da linha de frente para defender Putin, podem se render no leste da Ucrânia.

Os prisioneiros políticos na Rússia, como Alexei Navalni ou Vladimir Kara-Murza, devem estar com novo sentimento de esperança. Também eles poderão exercer um papel nos próximos meses.

É claro que Prigojin não é nenhum liberal. Sua retórica é brutalmente nacionalista e imperialista. As forças do Grupo Wagner têm fama merecida de brutalidade. Mas, como Putin, Prigojin agora desencadeou forças que ele terá dificuldade em controlar.

Tradução de Clara Allain 

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