Preocupação de segurança russa deve ser levada em conta para paz, diz Amorim

Assessor de Lula para política externa retoma em entrevista ao Financial Times posição do presidente que desagrada Ocidente

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São Paulo

O governo Lula voltou a afirmar que uma solução de paz para a Guerra da Ucrânia precisa levar em conta preocupações da Rússia, em especial no que diz respeito à segurança nacional —a postura brasileira destoa do discurso empregado por aliados do Norte Global no conflito.

A declaração desta vez foi proferida pelo ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial da Presidência e principal conselheiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, em entrevista ao jornal Financial Times publicada nesta sexta-feira (2).

O assessor especial da Presidência do Brasil para política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, durante encontro sobre a crise política na Venezuela realizado em Bogotá, na Colômbia
O assessor especial da Presidência do Brasil para política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, durante encontro sobre a crise política na Venezuela realizado em Bogotá, na Colômbia - Luisa Gonzalez - 25.abr.23/Reuters

"Não queremos uma Terceira Guerra Mundial, tampouco uma nova Guerra Fria", afirmou. "As preocupações de todos os países da região devem ser levadas em conta se o objetivo é a paz. A outra alternativa seria a vitória militar total contra a Rússia. Sabemos o que vem depois disso? Eu não."

Amorim, que foi o enviado de Lula para conversar com Vladimir Putin em Moscou e com Volodimir Zelenski em Kiev, disse que a culpa do conflito não é da Ucrânia. "Kiev é vítima dos resquícios da Guerra Fria", afirmou. "Não podemos julgar essa situação pelo último um ano e meio. É uma situação de décadas."

Ainda na conversa com o jornal nipo-britânico, ele listou a segurança nacional como uma das principais preocupações de Moscou —antes de invadir o país vizinho, o Kremlin argumentou estar protegendo suas fronteiras do alargamento da Otan, a aliança militar ocidental.

As declarações do assessor da Presidência vão ao encontro de falas anteriores de Lula, que chegou a dizer que Zelenski "não pode também ter tudo o que ele pensa que vai querer", dando a entender que uma negociação de paz poderia deixar de lado a desocupação de porções do território ucraniano hoje tomadas pela Rússia.

Em entrevista à Folha em Kiev, quando questionado sobre o fato de a proposta de paz do Brasil não abarcar pré-condições, como a desocupação desses terrenos, Zelenski ironizou a posição, ao dizer que Lula quer ser "original", mas frisou que quer conversar com ele.

Ainda nesta sexta-feira, o chefe da diplomacia americana, o secretário de Estado Antony Blinken, deu mais uma amostra da oposição a planos que levem em consideração as demandas russas para a guerra.

Ele criticou iniciativas de paz que possam ajudar a legitimar a tomada do território ucraniano por Moscou. "Um cessar-fogo que congele as linhas atuais e permita a Vladimir Putin consolidar o controle do território que tomou não é uma paz justa ou duradoura."

"Isso legitimará a apropriação de terras pela Rússia, recompensaria o agressor e puniria a vítima", seguiu Blinken, que também afirmou apoiar esforços de países como Brasil e China para mediar a paz, desde que, repetiu, "ajudem a encontrar a paz justa e duradoura".

As falas de Celso Amorim ao Financial Times se dão em paralelo a um encontro de chanceleres do Brics, grupo que Brasil e Rússia integram, na África do Sul. O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, está presente, e nesta sexta-feira teve uma reunião bilateral com seu homólogo russo, Serguei Lavrov, que em abril visitou Brasília —o brasileiro se referiu ao russo como "amigo" em seu discurso na Cidade do Cabo.

Segundo o Itamaraty, os dois falaram em especial sobre estratégias para alargar o comércio bilateral. E debateram, ainda, a Guerra da Ucrânia e as propostas em debate para um possível diálogo de paz.

Segundo trechos do discurso de Lavrov divulgados pela agência estatal Tass, o russo teria repetido que o Brics, composto também por Índia, China e África do Sul, deve buscar uma resposta conjunta ao que chamou de tentativas do Ocidente para "minar a segurança coletiva e o terrorismo internacional".

Os chanceleres do Brasil, Mauro Vieira, e da Rússia, Serguei Lavrov, durante encontro do Brics na Cidade do Cabo, na África do Sul - Ministério das Relações Exteriores da Rússia - 2.jun.23/Reuters

Na declaração do encontro divulgada nesta sexta-feira, um documento de 30 pontos, os países-membros reiteram temas já conhecidos, como a condenação de sanções e embargos econômicos e a demanda pela reforma de conselhos de tomada de decisão na ONU.

Sobre a Guerra da Ucrânia, tema que sobrevoa um dos parágrafos, os membros do Brics dizem apreciar propostas relevantes pela paz que têm sido colocadas na mesa —além do Brasil, a China apresentou um plano, ainda que tenha sido ignorado pelo Ocidente— e pedem a plena implementação do acordo de grãos no Mar Negro, que permite o escoamento dos produtos ucranianos para outros continentes.

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