Ucranianos relatam tortura e choque nas genitálias em centros de detenção da Rússia

Promotores anunciaram acusações de crimes de guerra contra quatro membros da guarda nacional de Vladimir Putin

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Kiev | The New York Times

Eles espancavam implacavelmente os prisioneiros e os torturavam com choques elétricos, ameaças de afogamento e simulações de execução. Tal era a sensação de impunidade dos russos que controlavam um centro de detenção com 200 prisioneiros na região de Kherson, no sul da Ucrânia, que alguns deles foram descuidados e não esconderam suas identidades. Três pessoas morreram sob sua custódia.

Na semana passada, promotores ucranianos anunciaram acusações de crimes de guerra contra quatro membros da guarda nacional russa —o comandante que dirigia o centro de detenção, além de três de seus subordinados. Eles foram acusados à revelia por tratamento cruel de civis e violação das leis da guerra.

O caso é um dos primeiros a surgir após meses de investigações em Kherson, região ocupada por forças russas por mais de oito meses até serem forçadas a sair em novembro por uma contraofensiva ucraniana.

Forças de segurança ucranianas inspecionam uma prisão e uma câmara de tortura no andar inferior de um prédio de escritórios em Kherson - Lynsey Addario - 16.nov.22/The New York Times

Os investigadores disseram ter descoberto centenas de crimes cometidos durante a ocupação russa, incluindo execuções e mortes sob custódia, tortura, violência sexual e espancamentos. No total, foram encontrados 11 centros de detenção com câmaras em que homens e mulheres sofreram agressões.

Os quatro acusados de crimes de guerra supervisionavam um centro de detenção de Kherson, principal cidade da região. Algumas das vítimas ajudaram a identificá-los por fotos da guarda nacional russa, que assumiu o controle da prisão no meio do ano passado. Os promotores conseguiram que quatro dessas vítimas falassem com jornalistas em Kiev na semana passada. Segundo os investigadores, dois homens e uma mulher morreram no local, sendo que os três tiveram tratamento de saúde negado. Além disso, 17 detidos alegaram terem sido submetidos a tortura sexual, com choques elétricos nos órgãos genitais.

Os quatro russos acusados são o coronel Aleksandr Naumenko, da cidade de Rostov, Aleksandr Botcharov, da região de Krasnodar, Anver Muksimov, de Stavropol, e Aleksandr Tchilengirov, da região de Orenburg.

A guarda nacional foi criada em 2016 por Vladimir Putin para consolidar as várias unidades do Ministério do Interior da Rússia. Separada das Forças Armadas, o órgão é responsável pela segurança interna e responde ao presidente. Os investigadores disseram ter identificado a unidade da guarda nacional por meio de informações do serviço de inteligência da Ucrânia, interceptações telefônicas e testemunhas.

Grande parte da violência foi gratuita e aplicada durante interrogatórios para forçar confissões, escreveu Andriy Kostin, procurador-geral ucraniano. "Foram arrancadas confissões das pessoas sobre coisas que não fizeram", escreveu ele em um post no Facebook sobre o caso de Kherson.

Oleksii Sivak, a sailor who became an activist and was tortured with electric shocks and beatings during the Russian occupation of Kherson, in Kyiv, Ukraine, May 15, 2023
Oleksii Sivak, de 38 anos, marinheiro ucraniano se tornou ativista durante a ocupação russa - Daniel Berehulak - 15.mai.23/The New York Times

Oleksii Sivak, 38, é um marinheiro ucraniano que se tornou ativista durante a ocupação russa, pintando bandeiras ucranianas, símbolos nacionais e pichações na cidade de Kherson. Detido em agosto, sofreu espancamentos e choques elétricos, inclusive nos órgãos genitais, durante os interrogatórios. Ele conseguiu identificar pelo menos um dos homens acusados.

"Cada pergunta era seguida de um choque elétrico ou um soco", disse ele em entrevista em Kiev. "Se você caísse no chão com o choque, eles o chutavam e o colocavam de volta na cadeira."

Vizinho de Sivak, Roman Chapovalenko, 38, teve consequências semelhantes. Disse que sofreu choques elétricos e espancamentos que quebraram suas costelas. Também alegou ter sido esfaqueado na perna e ter perdido a consciência várias vezes durante ameaças de afogamentos. Em outra ocasião, seus torturadores removeram o gorro que escondia seus olhos e o obrigaram a prender os fios elétricos a seus órgãos genitais. Chapovalenko viu ao menos três pessoas na sala, mas todas usavam balaclavas.

Um dos companheiros de cela de Chapovalenko morreu devido aos espancamentos. Após ser interrogado por "três ou quatro dias", Ihor, 50, foi devolvido à cela por guardas russos, que ordenaram que escrevesse uma confissão. Somente o deixaram dormir no quarto dia, mas acabou falecendo naquela noite.

"Eles nunca leram seu depoimento", disse Chapovalenko. "Todos pensamos que acabaríamos assim."

Outro homem, Serhii Ruban, 42, consultor de vendas, também morreu no centro de detenção, concluíram os promotores. Mãe da vítima, Nina Ruban, 70, disse que o viu pela última vez quando foi preso, em 12 de junho. Seis dias depois, foi informada pelo quartel-general do Exército que seu único filho perdera a vida.

Duas testemunhas viram Ruban sendo espancado no corredor e dentro da cela, disseram promotores. Os investigadores o encontraram entre despojos numa vala comum e, em fevereiro, foi identificado por sua mãe devido a uma tatuagem nos dedos. Ele tinha várias fraturas nas costelas, deixando-a sem dúvida de que foi espancado até a morte. "Ele estava todo quebrado", disse ela, chorando.

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