Podcast discute se envio de armas nucleares à Belarus é blefe de Vladimir Putin

Anúncio feito pela Rússia deixaria bombas atômicas posicionadas na fronteira com Ucrânia e membros da Otan

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Um escândalo de grandeza bélica está acontecendo debaixo do nariz dos EUA e de seus aliados europeus. A Rússia diz que se prepara para instalar armas nucleares na sua vizinha e aliada Belarus.

A ditadura de 9,5 milhões de habitantes também faz fronteira com a Ucrânia, que está em guerra com os russos, e com a Polônia, hoje na União Europeia e membro da Otan, a aliança militar ocidental.

Mísseis são expostos na Praça Vermelha durante uma parada militar no centro de Moscou, na Rússia, no Dia da Vitória, que marca a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial - Gavriil Grigorov - 9.mai.23/via Reuters

A nuclearização da Belarus não provoca nenhuma agitação diplomática. E a mídia europeia está discreta ou quietinha. A questão foi abordada por quatro especialistas em recente podcast da britânica Chatham House, centro independente de estudos em política internacional.

Vejamos o contexto. Há três anos, eleições fraudadas reconduziram à chefia de Estado da Belarus Aleksandr Lukachenko, no poder desde 1994. Ele então prosseguiu em barbaridades contra direitos políticos e humanos, como o assassinato de jornalistas. É apoiado por Vladimir Putin, a quem cedeu seu território para que tropas russas invadissem a Ucrânia.

Keir Giles, especialista na região, disse que Putin anunciou em junho do ano passado que pretendia entregar armas nucleares à Belarus. Voltou ao assunto em março, revelando que treinava militares locais para armazenar as ogivas e pilotos de caças para transportar as bombas em mísseis.

Outro especialista, Ryhor Astapenia, disse ser curioso que Putin tenha entregue à Belarus aviões SU-25, que são ultrapassados e pouco manobráveis. Os mísseis seriam os Iskander-M, de alcance tático, mas sem tecnologia avançada.

O que levou uma terceira participante do podcast, Samantha de Bendern, a citar a impressão de governos europeus de que Putin estaria apenas fazendo teatro e blefando. Um comportamento análogo ao que o mesmo Putin demonstrou em fevereiro, quando ameaçou usar a bomba atômica contra a Ucrânia.

Depois disso, não se sabe até que ponto a espionagem ocidental por satélite detectou a construção de silos para o armazenamento de mísseis e ogivas. É por isso que o âncora do podcast e pesquisador da Chatham, Bronwen Maddox, sumariamente afirmou que as informações emitidas por Moscou têm sido bem mais políticas (para surtir efeitos públicos) que militares.

Do ponto de vista de Lukachenko, diz Keir Giles, estaria em jogo o aumento de seu prestígio pessoal, altamente comprometido pelo consenso da comunidade do Leste Europeu de que seus adversários, partidários da democracia, foram os verdadeiros vencedores das eleições de 2020.

Mas o ditador, em caso de blefe, também tem bons motivos para se manter discreto. Como detentor da bomba, pelas regras da dissuasão ele também se torna alvo das potências nucleares, um estatuto do qual ele escapou nos anos 1990, quando seu país assinou com a Rússia um protocolo pelo qual —a ironia tem dessas coisas— se comprometia a não ter armas atômicas.

Mas no caso de os dois líderes não estarem blefando e a Belarus estiver realmente às vésperas de ter a bomba, a previsão dos especialistas da Chatham House é de que inicialmente Lukachenko não terá o controle sobre esse ultrassensível arsenal. Poderá até manipulá-lo, mas sob o comando de Moscou. Só num segundo momento conquistaria a autonomia a ser outorgada pelo grande aliado, passando a ser responsável por qualquer leviandade fatal para o futuro da humanidade.

Outro personagem que curiosamente se agrega a esse enredo é a China, afirma Samantha de Bendern. Isso porque China e Rússia não compartilham da mesma linguagem quando se trata de arsenais nucleares. Moscou é capaz de dizer que usará a bomba contra a Ucrânia, mesmo que jamais tenha a intenção real de concretizar tal projeto maluco. Pequim, por sua vez, tem uma postura mais comedida. Não formula esse tipo de ameaça e censura Putin por fazê-lo.

E vejam que as pontas se encontram. O ditador da Belarus esteve recentemente com Xi Jinping. É inevitável que tenham discutido sobre armas nucleares russas estacionadas na Belarus, por mais que sejam coisas que não apareçam nos comunicados oficiais.

Há, por fim, relações que os participantes do podcast fizeram entre informações parciais sobre a bomba possivelmente em poder da Belarus e as dificuldades encontradas pela Rússia na Guerra da Ucrânia.

O recado indireto de Putin pode ser múltiplo. A fronteira ao sul da Belarus é integralmente ocupada pela Ucrânia, que pode ameaçar o país vizinho numa espécie de terceirização do perigo representado pela suposta bomba russa. Mais uma vez, no entanto, é preciso levar a sério os efeitos daquilo que pode não passar de encenação ou blefe. Esse levar a sério foi uma das chaves do comportamento dos dois campos que se equilibraram nos tempos da Guerra Fria.

Independent Thinking: Will Russia Put Nuclear Weapons in Belarus?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.