Um protesto na capital sueca, Estocolmo, nesta quarta (28), pode dar combustível à falta de disposição da Turquia em aceitar que o país nórdico ingresse na Otan, a aliança militar ocidental. Na manifestação, uma cópia do Alcorão, livro sagrado do islã, foi queimada em frente à principal mesquita da cidade.
O fator-chave para a insatisfação turca reside no fato de a polícia da Suécia ter autorizado a manifestação. A decisão da corporação alega que riscos à segurança não eram tão grandes para que o ato fosse proibido, de acordo com documento ao qual a agência de notícias AFP teve acesso.
Ainda assim, após o ato, o homem que incendiou o livro sagrado foi preso e será investigado por promover agitação contra um grupo étnico e violar leis de proibição de incêndio vigentes na capital.
A polícia havia proibido protestos semelhantes no mês de fevereiro. Mas ativistas recorreram, e a Justiça local decidiu que impedir os atos violava o direito à liberdade de expressão. Assim, agentes de segurança passaram a dar o aval para que as manifestações ocorressem.
O protesto desta quarta teve início às 13h30 do horário local (8h30 em Brasília) na Grande Mesquita de Estocolmo. Este é o primeiro dos três dias da celebração muçulmana do Eid al-Adha, a festa do sacrifício, que dá sequência à peregrinação à Meca. Segundo relato da agência de notícias Reuters, cerca de 200 pessoas assistiram à manifestação. Um dos organizadores arrancou folhas de uma cópia do Alcorão, limpou a sola de seus sapatos e então queimou o livro. Apoiadores gritavam "deixe que queime", enquanto pessoas contrárias ao ato respondiam: "Deus é bom". Um homem foi detido por arremessar uma pedra.
O chanceler turco, Hakan Fidan, descreveu a cena como desprezível. "É inaceitável permitir essas ações sob o pretexto da liberdade de expressão", postou no Twitter. "Tolerar esses atos é ser cúmplice."
Por meio de seu porta-voz e vice-presidente, Ömer Çelik, o AKP, partido do presidente Recep Tayyip Erdogan, "condenou veementemente a posição da Suprema Corte sueca ao proteger crimes de ódio".
O premiê sueco, o conservador Ulf Kristersson, foi questionado durante uma entrevista coletiva sobre as possíveis implicações do episódio na negociação para que o governo de Erdogan dê o aval que falta para que Estocolmo passe a integrar a Otan. Ele respondeu que não especularia sobre o caso e que cabe à polícia decidir se atos como esse podem ocorrer. "São legais, mas não são apropriados", disse Kristersson.
Representantes da Grande Mesquita expressaram desapontamento. Durante o Eid al-Adha, o espaço costuma receber 10 mil visitantes. "Sugerimos que a polícia redirecionasse o protesto para outro local, o que seria válido perante a lei, mas eles não quiseram fazer", disse o diretor, o imã Mahmoud Khalfi.
Segundo relatos de membros da polícia ao jornal público local SVT, não houve permissão explícita para queimar o Alcorão. Os agentes alegam que o aval foi dado a uma "demonstração sobre o livro sagrado".
Junto à Finlândia, a Suécia rompeu anos de não alinhamento militar e pediu, há mais de um ano, para aderir à Otan. A decisão foi tomada após o início da Guerra da Ucrânia, que o país leu como uma expansão da ameaça russa na região. Helsinque aderiu à aliança militar em abril, dobrando a fronteira da Otan.
A despeito da disposição dos demais países-membros em aceitar Estocolmo, Ancara afirma que não irá apoiar a nação nórdica, que acusa de abrigar terroristas. O governo sueco tem feito concessões, mas que até aqui foram interpretadas como insuficientes por Erdogan.
Há cerca de duas semanas, Estocolmo anunciou que iria atender a um pedido da Turquia e extraditar um cidadão turco apoiador do grupo armado curdo PKK. Antes, em março, propôs uma nova lei mais rígida contra o terrorismo. Mas Erdogan segue minimizando a perspectiva de ingresso sueco na aliança.
Nesta quarta, ele voltou a falar sobre o assunto, sem mencionar o episódio em Estocolmo. Após uma conversa por telefone com o premiê alemão, Olaf Scholz, o gabinete do presidente turco divulgou um comunicado no qual afirma que ambos os líderes trataram da adesão sueca à aliança militar.
"Embora a Suécia esteja dando passos na direção correta, como com a alteração na lei antiterrorismo, os apoiadores do PKK continuam organizando manifestações que elogiam o terrorismo, recrutando pessoas e enviando dinheiro para organizações terroristas", diz o texto. "Essa situação é inaceitável para a Turquia."
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