O general Serguei Surovikin, vice-comandante das operações militares da Rússia na Ucrânia e homem de confiança do Kremlin, sabia que o chefe mercenário Ievguêni Prigojin planejava um motim contra o governo de Moscou, segundo o jornal americano The New York Times. O movimento, cujos impactos ainda são incertos, representou a maior crise militar da era Vladimir Putin, iniciada em 1999.
De acordo com a publicação, autoridades da Ucrânia agora investigam um possível envolvimento do general russo no caso. Questionado sobre a suspeita, o Kremlin se limitou a dizer que as informações não passam de fofocas e que há uma frente de apoio ao presidente Putin entre os militares de alto escalão.
Autoridades americanas ainda teriam detectado indícios de que outros generais apoiaram Prigojin na empreitada contra o governo. Sob condição de anonimato, funcionários dos EUA disseram acreditar que o líder não teria iniciado o motim sem a perspectiva de que pessoas em posições de poder o auxiliassem.
Surovikin chegou ao posto de comandante da campanha militar na Ucrânia em outubro, mas perdeu o cargo três meses depois para o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valeri Gerasimov —um dos alvos do "chef de Putin", como Prigojin é conhecido, por ter liderado o fornecimento de comida do Kremlin.
Antes de ordenar o motim, Prigojin havia se manifestado de forma enfática contra Shoigu e Gerasimov, culpando-os pelos fracassos russos no país invadido e pela falta de apoio aos combatentes do Grupo Wagner. Em uma das declarações mais notórias, o mercenário pergunta, aos berros e cercado de cadáveres, onde estão as munições prometidas. "Choigu! Gerasimov! Onde está a merda da munição?"
Já durante a marcha dos mercenários em direção a Moscou, Surovikin instou o Grupo Wagner a desistir da ação e retornar às suas bases. O motim, porém, só foi encerrado após mediação do ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko. Com efeito, o líder mercenário desembarcou na Belarus na terça (27) para o exílio.
Em evento no Kremlin, Putin agradeceu a militares, integrantes da Guarda e de forças de segurança pela ação contra o motim. "Vocês defenderam a ordem constitucional, a vida e a liberdade dos cidadãos. Vocês pararam uma guerra civil", disse o presidente russo, também na terça.
Mas se Putin encontrar evidências de que Surovikin ajudou o líder mercenário no motim, o presidente não terá escolha a não ser removê-lo de seu comando, disseram autoridades americanas ao New York Times. Ao mesmo tempo, o líder russo poderá manter o general no cargo se eventualmente concluir que ele tinha algum conhecimento do movimento, mas não ajudou as tropas de Prigojin de forma direta.
"Sempre haverá muitas especulações e fofocas ao redor desses eventos. Esse é um exemplo", disse o porta-voz Dmitri Peskov ao jornal americano. "O Exército, a população, todos estavam ao lado de Putin."
Apelidado de "general Armagedom", Surovikin é conhecido pela brutalidade e por casos de corrupção. A ONG Human Rights Watch afirmou em 2020 que ele estava entre os que poderiam ser responsabilizados por violações no conflito da Síria. No passado, o general ficou ao menos seis meses preso após soldados sob seu comando assassinarem três manifestantes em Moscou, em meio a uma tentativa fracassada de golpe de Estado, em 1991, na então União Soviética. Ele acabou solto sem julgamento.
A lista de controvérsias ainda inclui uma punição por comércio ilegal de armas em 1995, segundo a Fundação Jamestown, um think tank em Washington —condenação que teria sido posteriormente anulada. Ao New York Times um analista definiu o militar como "comandante bastante implacável, seco com os subordinados e conhecido por seu temperamento".
Na Ucrânia, a atuação dele é considerada uma das mais competentes entre os militares russos do alto escalão. Procurado pela agência de notícias Reuters, o Pentágono não se manifestou sobre o assunto. O Kremlin e o Ministério da Defesa russo também não responderam aos pedidos de comentário.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.