Uruguai desiste de transformar águia nazista de bronze em pomba da paz

Pássaro de grandes dimensões foi recuperado de navio alemão que afundou no mar da Prata no início da Segunda Guerra

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Montevidéu | AFP

O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, anunciou neste domingo (18) que abandonou o projeto de converter em pomba —um símbolo da paz— uma águia de bronze nazista que adornou um navio alemão afundado na costa do país em 1939, no alvorecer da Segunda Guerra Mundial.

"Há uma esmagadora maioria que não partilha desta decisão, e se queres gerar a paz, a primeira coisa que tens de fazer é gerar unidade. Claramente não foi isto que a gerou", afirmou o presidente na cidade de Melo, no leste do país, para onde viajou para homenagear uma figura local.

A águia nazista ao ser recuperada do mar
A águia nazista ao ser recuperada do mar - Alfredo Etchegaray - 13.fev.06/AFP

O presidente já comunicou a decisão ao escultor uruguaio Pablo Atchugarry, responsável pelo projeto.

Após ser anunciada, na sexta (16), a iniciativa foi criticada em diversas esferas, da cultural à política, passando pela base de governo. "É uma ideia que tivemos há muitos anos, de um símbolo de violência, de guerra, para transformá-lo em símbolo de paz e união", disse Lacalle Pou ao anunciar o projeto.

A águia tem quase dois metros de altura e três metros de envergadura e segura em suas garras uma suástica envolta numa coroa de flores. Ela estava fixada à popa do Almirante Graf Spee, cruzador pesado blindado de 12 mil toneladas construído pela Alemanha na década de 1930. Quando a embarcação foi danificada, em uma das primeiras grandes batalhas navais da Segunda Guerra Mundial, seu comandante a afundou intencionalmente no rio da Prata, pouco depois de fazer uma escala em Montevidéu.

Em 2006, após uma busca de anos realizada por um empreendimento privado, a águia foi recuperada na costa do Uruguai. Mas quando os responsáveis pela expedição de recuperação tentaram vendê-la, foram impedidos pelo Estado, que temia que o objeto caísse nas mãos de interessados em glorificar o nazismo.

Passadas quase oito décadas desde o fim do regime nazista, a maior parte de sua iconografia foi destruída ou está abrigada em museus. Outros objetos recuperados dos destroços do Almirante Graf Spee —incluindo um aparelho usado para medir distâncias e a âncora do navio, ambos artefatos utilitários da Marinha que não contêm iconografia nazista— estão expostos em espaços públicos em Montevidéu.

Mas a existência de uma águia nazista intacta tão grande criou um problema para o Uruguai, que conservou o artefato no depósito da Marinha. Em 2019, um tribunal decidiu que o governo devia vender a águia e dar parte do dinheiro à operação privada de resgate. O governo da Alemanha e entidades judaicas desaconselharam a comercialização, caso o objeto acabasse nas mãos erradas. Um tribunal de instância superior anulou essa decisão e acabou entregando a águia ao Estado.

Lacalle Pou disse na sexta que os planos para transformar a águia tinham sido traçados antes mesmo da decisão do tribunal. Pablo Atchugarry, artista renomado no Uruguai, havia sido escolhido para realizar o trabalho. Ele afirmou em entrevista coletiva que estava criando um pombo de mármore que serviria de modelo da nova ave de metal —o processo todo levaria meses.

O presidente havia descrito a decisão de derreter a ave nazista e criar algo novo como "um passo à frente". "Estou certo de que ninguém quer ver um símbolo que representa guerra e violência sendo exposto", afirmou, notando que não faz sentido que a águia continue no depósito da Marinha por mais décadas.

Com New York Times; tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.