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Extrema direita cresce, e partidos tradicionais da Alemanha trocam acusações

Pela primeira vez, pesquisa de intenções de voto mostra AfD empatada com sigla do premiê Olaf Scholz

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Berlim

Pela primeira vez, o partido alemão de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) apareceu em uma pesquisa com o mesmo percentual de intenções de voto que o SPD, sigla do premiê Olaf Scholz.

O levantamento, realizado pelo Instituto Insa e publicado no último domingo (4) no jornal Bild am Sonntag, mostra que 19% dos eleitores alemães escolheriam a AfD nas eleições nacionais —mesmo percentual que declara voto no SPD. Há um ano, a sigla de extrema direita reunia 10% em pesquisas.

O partido mais forte do país segue sendo a CDU, da ex-primeira-ministra Angela Merkel, que tem 27% dos votos. Os Verdes aparecem com 13%, o Partido Liberal, 9%, e A Esquerda, 5%.

O político alemão Björn Höcke é um homem branco e loiro, vestido de terno azul e gravata vinho. Ele fala com um jornalista que está fora do enquadramento da foto
Björn Höcke, acusado de utilizar linguajar nazista em discursos, concede entrevista durante congresso do partido Alternativa para a Alemanha - Jens Schlueter - 5.jun.23/AFP

As próximas eleições estão marcadas para 2025, mas podem ser antecipadas se a coalizão de Scholz, formada por SPD, Verdes e Partido Liberal, se desfizer antes do fim do mandato. Metade dos alemães afirma que isso deve acontecer, segundo outra sondagem realizada no final de maio pelo Instituto Forsa.

Além do resultado publicado no domingo, uma série de levantamentos realizados nos últimos dias confirma o fortalecimento da AfD, partido considerado "não democrático" pelas outras legendas do país, uma vez que alguns de seus membros têm relações com grupos fascistas e neonazistas.

Um dos principais nomes da sigla, Björn Höcke, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público na segunda (5) por utilizar linguajar nazista. Ele já disse que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão" e usou o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha).

Criado em 2013, o partido tem um discurso abertamente contra imigrantes e cresceu após a crise dos refugiados de 2015, quando cerca de 2 milhões de imigrantes entraram no país. Em 2020, as autoridades alemãs dissolveram a ala extremista da AfD, chamada Flügel (asa), mas o Escritório Federal de Proteção à Constituição da Alemanha diz que seus membros ainda mantêm influência preocupante na agremiação.

"Esse partido é xenófobo, é antissemita", afirmou o presidente da CDU e líder da oposição, Friedrich Merz, em discurso no Parlamento alemão na segunda. "Não temos nada a ver com essa gente." Merz disse ainda que, enquanto estiver à frente da CDU, não haverá "qualquer tipo de cooperação com esse partido".

A recusa da centro-direita de se aliar à AfD, manifestada na postura de Merz, é o único ponto que ainda impede a sigla de extrema direita de chegar ao poder, diz o cientista social David Meiering, da Universidade Humboldt, em Berlim, já que, no sistema parlamentarista da Alemanha, os partidos precisam montar coalizões e atingir maioria no Legislativo para formar um governo. Assim, enquanto nenhum outro partido cooperar com a AfD, as chances de a legenda conseguir mais de 50% das cadeiras são mínimas.

Veja falas extremistas de membros da AfD

Partido é oficialmente monitorado por órgão de inteligência interno da Alemanha

  • "Burcas, meninas de véu, homens com facas financiados pelo governo e vagabundos desse tipo não vão ajudar nossa economia nem nosso Estado de bem-estar social"

    Alice Weidel, presidente, sobre benefícios sociais concedidos a imigrantes - maio de 2018

  • "O povo alemão é o único povo da terra que ergueu um monumento à vergonha bem no coração da nossa capital"

    Björn Höcke, líder do partido na Turíngia, sobre o Memorial do Holocauso em Berlim - janeiro de 2017

  • Hitler e os nazistas são apenas uma vírgula na milenar história de sucesso da Alemanha"

    Alexander Gauland, presidente honorário - junho de 2018

"A CDU tem papel central nesse cordão sanitário", diz Meiering, "mas o partido brinca com o populismo de direita". "Ao usar linguagem parecida com a da AfD para tentar reconquistar votos, os conservadores fortalecem a extrema direita." Merz, por exemplo, sofreu duras críticas no início do ano após utilizar o termo pejorativo "pequenos paxás" para se referir a filhos de imigrantes que não respeitam professores.

Membros da CDU dizem em reserva que a fala se referia a conversas que Merz teve com educadores e que permitir que a AfD seja a única sigla a tratar desses problemas só fortalece a extrema direita. Para Meierin, "a direita democrática deve criticar o governo, mas precisa fazer oposição responsável e evitar usar palavras-chave populistas em uma tentativa de se fortalecer". "A estratégia de Merkel, de conduzir um partido moderado e aberto para qualquer tipo de coalizão democrática, parece ter funcionado."

Políticos da CDU culpam a gestão liderada por Scholz pela força da AfD nas pesquisas de intenção de voto. O governador do estado de Saxônia-Anhalt, Reiner Haseloff, disse que "o governo federal precisa voltar a fazer política que atinja as pessoas" e, também no discurso de segunda-feira, Merz afirmou que, "se tivéssemos uma administração capaz e com bom desempenho político, a AfD não estaria com 19%".

Do outro lado, um porta-voz do primeiro-ministro diz que o governo vai se contrapor à AfD "fazendo um bom trabalho e resolvendo os problemas do país", basicamente o que dizem os críticos da CDU. Segundo o porta-voz, Scholz está otimista de que não é preciso se preocupar demais com o partido extremista.

Nem todos concordam. Para a parlamentar Rasha Nasr, do SPD, as últimas pesquisas foram "um tapa na cara". "A AfD entendeu como fazer política com o humor da população e como oferecer respostas simples para problemas complexos", disse ela à Folha. "Isso explica por que eles têm a força que têm."

Nasr, eleita em 2021 pelo estado da Saxônia, onde a AfD tem 30% nas pesquisas, defende que os partidos democráticos precisam "comunicar melhor" como a política funciona e o que o governo tem feito. "Eu pergunto: o que a AfD faz para resolver os problemas da população? As baixas aposentadorias, o alto custo de vida? Geralmente não recebo resposta. E é aí que você convence as pessoas."

A parlamentar, por sua vez, responsabiliza a CDU pela força da AfD e diz que as promessas de manter o tal cordão sanitário de pé são vazias. "A CDU sob Merz experimenta fazer política para o lado de lá. O partido de Merkel não existe mais." Interlocutores de Merz, porém, afirmam que o líder da sigla tem sido muito claro sobre o tema e que qualquer membro do partido que cooperar com a AfD poderá ser expulso.

"Por outro lado, é preciso admitir que esse é um problema clássico que temos", diz Nasr. "Os partidos democráticos jogam a culpa um no outro e ninguém consegue pensar em combater a AfD juntos."

Hoje, o principal receio de especialistas e partidos é de que a AfD chegue ao poder em nível estadual —com a ajuda da CDU. Se a centro-direita se aliar à extrema direita em estados como Turíngia e Saxônia, que têm eleições marcadas para 2024, "seria o maior escândalo da história da República", diz Meiering.

Mas a AfD pode acabar derrotada não nas urnas, mas na Justiça. Os membros da sigla são monitorados pelo órgão de inteligência interno da Alemanha, o Gabinete de Proteção da Constituição, que tem o objetivo de agir contra ataques à democracia. O órgão considera o partido "suspeito de extremismo de direita", o primeiro nível numa escala que pode, em casos extremos, culminar com a proibição da legenda.

Nesta quarta (7), o Instituto Alemão para Direitos Humanos publicou um estudo dizendo que a AfD já cumpre todos os requisitos constitucionais para ser banida da vida pública. A análise afirma que o partido age para "concretizar os seus objetivos racistas e extremistas" de forma ativa e planejada.

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