Símbolos nazistas entre militares da Ucrânia alimentam discurso russo

Imagens proliferam entre grupos de ultradireita que contam com certa conivência das autoridades de Kiev

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Thomas Gibbons Neff
Kiev | The New York Times

Desde que a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia, Kiev e os aliados da Otan, a aliança militar ocidental, postaram e depois deletaram três fotos aparentemente inócuas: um soldado em pé num grupo, outro descansando numa trincheira e um socorrista na frente de um caminhão.

Em cada uma, ucranianos uniformizados usavam distintivos com símbolos que se tornaram notórios pela Alemanha nazista e desde então fazem parte da iconografia de grupos de ódio de extrema direita.

Soldados que lutam no Exército ucraniano usam emblemas de unidades militares nazistas
Soldados que lutam no Exército ucraniano usam emblemas de unidades militares nazistas - Ivor Prickett - 5.nov.22/The New York Times

As fotografias destacam a complicada relação dos militares ucranianos com as imagens nazistas, uma relação forjada sob a ocupação soviética e alemã durante a Segunda Guerra Mundial.

Essa relação tornou-se especialmente delicada porque o presidente russo, Vladimir Putin, declarou falsamente que a Ucrânia é um Estado nazista, alegação que usou para justificar sua invasão ilegal.

A Ucrânia trabalhou durante anos para conter um movimento marginal de extrema direita cujos membros usam símbolos da história nazista e defendem pontos de vista hostis à esquerda, a movimentos LGBTQIA+ e a minorias étnicas. Alguns desses grupos lutam contra a Rússia desde que o Kremlin anexou parte da região da Crimeia, em 2014, e agora fazem parte da estrutura militar mais ampla. Alguns são considerados heróis nacionais, mesmo que a extrema direita permaneça politicamente marginalizada.

A iconografia desses grupos, que inclui um emblema de caveira e ossos cruzados usado por guardas de campos de concentração e um símbolo conhecido como Sol Negro, hoje aparece com certa regularidade nos uniformes de soldados. Alguns deles justificam que a imagem simboliza a soberania e o orgulho ucranianos, não o nazismo.

Em curto prazo, isso ameaça reforçar a propaganda de Putin e alimentar suas falsas afirmações de que a Ucrânia deve ser "desnazificada" –posição que ignora o fato de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, é judeu. Mais amplamente, a ambivalência da Ucrânia sobre esses símbolos, e às vezes até mesmo sua aceitação deles, corre o risco de dar vida nova e convencional a ícones que o Ocidente passou mais de meio século tentando eliminar.

"O que me preocupa, no contexto ucraniano, é que as pessoas que estão em posições de liderança ou não o fazem ou não estão dispostas a reconhecer e entender como esses símbolos são vistos fora da Ucrânia", diz Michael Colborne, pesquisador do grupo investigativo Bellingcat que estuda a extrema direita. "Ucranianos precisam perceber que essas imagens minam o apoio ao país."

Em comunicado, o Ministério da Defesa ucraniano disse que, como país que sofreu muito sob a ocupação alemã, "enfatizamos que a Ucrânia condena categoricamente qualquer manifestação de nazismo".

Até agora, as imagens não desgastaram o apoio internacional à guerra. No entanto, deixaram diplomatas, jornalistas e grupos de defesa numa posição difícil: chamar a atenção para a iconografia corre o risco de jogar com a propaganda russa. Não dizer nada permite que ela se espalhe.

Mesmo grupos judaicos e organizações que tradicionalmente condenam símbolos odiosos permaneceram em silêncio. Alguns líderes temem ser vistos como defensores da propaganda russa.

Questões sobre como interpretar esses símbolos são tão polêmicas quanto persistentes, e não só na Ucrânia. No sul dos EUA, alguns insistem que a bandeira confederada hoje simboliza orgulho, não sua história de racismo. A suástica era um importante símbolo hindu antes de ser adotada pelos nazistas.

Em abril, a Defesa da Ucrânia postou uma foto no Twitter de um soldado usando um distintivo com uma caveira e ossos cruzados conhecido como Totenkopf, ou Cabeça da Morte. O símbolo ganhou notoriedade com uma unidade nazista que cometeu crimes de guerra e fez a guarda de campos de concentração.

O emblema na foto coloca o Totenkopf acima de uma bandeira ucraniana com um número 6 embaixo. Esse emblema é a merchandising oficial do Death in June, banda neofolk britânica que o Centro de Direito da Pobreza do Sul disse produzir "discurso de ódio" que "explora temas do fascismo e do nazismo".

A Liga Antidifamação considera o Totenkopf "um símbolo comum de ódio". Mas Jake Hyman, porta-voz do grupo, diz que é impossível "fazer uma inferência sobre o Exército ucraniano" com base no distintivo. "A imagem, embora ofensiva, é a de uma banda." O grupo musical agora usa a fotografia postada pelos militares ucranianos para comercializar o emblema do Totenkopf.

O New York Times questionou o Ministério da Defesa ucraniano em 27 de abril sobre o post no Twitter. Horas depois, a postagem foi apagada. "Depois de estudar este caso, chegamos à conclusão de que esse logotipo pode ser interpretado de forma ambígua", disse a pasta em comunicado.

O soldado na fotografia fazia parte de uma unidade de voluntários chamada Lobos Da Vinci, que começou como parte da ala paramilitar do "setor de direita", coalizão de organizações e partidos políticos que se militarizaram após a anexação da Crimeia pela Rússia. Pelo menos cinco outras fotos nas páginas dos Lobos no Instagram e no Facebook mostram seus soldados usando insígnias de estilo nazista.

Unidades como os Lobos Da Vinci, o Batalhão Azov e outras que começaram com membros de extrema direita foram incorporadas às Forças Armadas ucranianas e têm sido cruciais na defesa do país. O Azov foi festejado após resistir durante o cerco a Mariupol, no sul, no ano passado. Depois que o comandante dos Lobos Da Vinci foi morto, em março, ele recebeu um funeral de herói ao qual Zelenski compareceu.

"Algumas dessas unidades de extrema direita misturam um pouco de sua própria criação de mitos no discurso público sobre elas", diz Colborne. "O mínimo que deve ser feito em todos os lugares, não só na Ucrânia, é proibir que símbolos, retórica e ideias da extrema direita se infiltrem no discurso público."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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