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Democracia na Guatemala corre risco, diz opositor em meio a guinada autoritária

Candidato à Presidência Bernardo Arévalo diz que grupos políticos tentam impedi-lo de chegar ao segundo turno

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Christine Murray
Cidade do México | Financial Times

Um candidato anticorrupção que participará do segundo turno das eleições na Guatemala disse temer que "grupos políticos criminosos" estejam tentando impedi-lo de concorrer à Presidência, depois que um tribunal suspendeu os resultados do primeiro turno.

"A democracia da Guatemala corre um risco terrível", disse Bernardo Arévalo, 64, ao jornal britânico Financial Times. "Tememos que esta [suspensão] esteja abrindo a porta para simplesmente ver o que acontece no caminho para tentar nos impedir de chegar ao segundo turno."

O candidato Bernardo Arévalo, do partido de esquerda Movimiento Semilla, durante entrevista na Cidade da Guatemala
O candidato Bernardo Arévalo, do partido de esquerda Movimiento Semilla, durante entrevista na Cidade da Guatemala - Cristina Chiquin - 4.jul.23/Reuters

Arévalo foi o segundo colocado, de surpresa, no primeiro turno das eleições presidenciais no mês passado. Isso lhe rendeu um lugar no segundo turno, em agosto, contra a ex-primeira-dama Sandra Torres.

Garantir uma vaga no segundo turno também colocou Arévalo na linha de fogo de alguns membros da elite política e empresarial do país, que, segundo analistas, estão decididos a manter o status quo na maior economia da América Central. Um grupo de dez partidos políticos apresentou contestações legais contra os resultados do primeiro turno, alegando irregularidades no processo de apuração, e, no sábado (1o), o tribunal superior da Guatemala ordenou a suspensão dos resultados oficiais até uma revisão de cinco dias. Isso levou o governo dos Estados Unidos a expressar "profunda preocupação".

Arévalo disse que as impugnações não têm base legal porque o prazo para apresentação de reclamações já passou. Ele teme que a decisão do tribunal possa sinalizar um esforço mais amplo para ajudar o candidato do partido governista, Manuel Conde, terceiro colocado, ou até mesmo atrasar o processo para que o Congresso escolha um novo líder temporário.

Arévalo afirmou que os partidos políticos da Guatemala são "a expressão de uma conspiração de grupos políticos criminosos com interesses diversos", que "se recusam a perder o controle do sistema".

O atual presidente, o conservador Alejandro Giammattei, deve deixar o cargo conforme o sistema atual de mandato único na Guatemala.

Sandra Torres (esq.) e Bernardo Arévalo (dir.) foram os mais votados no 1° turno das eleições na Guatemala
Sandra Torres (esq.) e Bernardo Arévalo (dir.) foram os mais votados no 1° turno das eleições na Guatemala - Cristina Chiquin - 25.jun.2023/REUTERS

Na eleição de junho, quase um quarto das cédulas foram deixadas em branco ou rasuradas em meio ao descontentamento público, e nenhum candidato obteve mais de 16% dos votos após uma campanha contundente, em que quatro candidatos foram excluídos por diferentes razões técnicas.

O partido de centro-esquerda UNE, cuja candidata, Torres, foi a primeira, é um dos partidos que entraram com a ação judicial. Analistas dizem que os grupos contrários a Arévalo provavelmente estão mais à vontade com Torres. Manuel Archila, secretário-geral do partido Cabal –um dos dez que contestaram os resultados do primeiro turno–, disse que ainda acredita que o segundo turno deve ser entre Torres e Arévalo e que quaisquer inconsistências devem ser resolvidas de forma transparente.

Observadores eleitorais da Organização dos Estados Americanos disseram que não havia razão para suspeitar de irregularidades suficientes para alterar o resultado, e a revisão ordenada pelo tribunal constitucional não está prevista na lei guatemalteca.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse no domingo (2) que seu governo está "profundamente preocupado" com os esforços para interferir nas eleições da Guatemala. "Atacar a eleição de 25 de junho seria uma grave ameaça à democracia, com implicações de longo alcance", disse.

A Guatemala, que encerrou uma brutal guerra civil de 36 anos em 1996, tem uma economia estável, mas altos níveis de pobreza e desnutrição, que levaram mais de 230 mil cidadãos a cruzar ilegalmente a fronteira dos Estados Unidos em 2022.

Arévalo, um "outsider" mal colocado nas pesquisas antes da votação, disse: "Nestas eleições o país pode começar a corrigir o rumo e interromper esse processo de deterioração em que estamos. [...] As pessoas continuam fugindo do país em busca de um futuro nos EUA porque este país não oferece isso a elas."

Seu partido, o Movimiento Semilla (Movimento Semente), tem origem no que alguns chamaram de "primavera guatemalteca", protestos contra a corrupção política no país, revelada por um órgão de investigação apoiado pela ONU.

Desde que esse órgão foi fechado subitamente em 2019, dezenas de jornalistas, ex-promotores e juízes envolvidos em seu trabalho foram presos ou fugiram para o exílio. Arévalo, que participou dos protestos, quer trabalhar com os ex-funcionários para criar um novo sistema anticorrupção. "Eles são os guatemaltecos que melhor entendem como está funcionando a tomada corrupta do sistema", afirmou.

A eleição também levanta questões de política externa. A Guatemala é um dos poucos países da região que mantém relações diplomáticas com Taiwan, ilha considerada uma província rebelde por Pequim. Panamá, El Salvador e Honduras transferiram suas relações para a China nos últimos anos. Arévalo quer estreitar os laços com os chineses, mas disse que baseará a decisão no que for melhor para o país.

Arévalo, que nasceu no exílio no Uruguai, disse ser um social-democrata a favor de uma economia de mercado regulada. Ele não aumentaria os impostos, mas combateria a evasão, ao mesmo tempo em que exploraria parcerias público-privadas para projetos de infraestrutura.

Arévalo disse que os últimos três governos presenciaram uma deterioração democrática e espera que o Tribunal Superior Eleitoral não permita mais ilegalidades. "Que garantias há se o sistema eleitoral, que foi quase a última garantia para gerar algum tipo de solução, se perder?", pergunta.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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