Dilma se reúne com Putin antes de cúpula Rússia-África

Ex-presidente dirige o banco do Brics, que líder russo quer usar para aumentar sua influência

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São Paulo

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tem reunião marcada nesta quarta-feira (26) com Vladimir Putin na cidade russa de São Petersburgo. Ela visitará o líder russo na condição de chefe do banco do Brics, o bloco diplomático que une Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

Segundo a Folha ouviu de diplomatas, a visita não chegou a ser comentada com o Itamaraty. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem pisado em ovos em relação à Rússia devido à posição de neutralidade crítica de Brasília acerca da Guerra da Ucrânia.

Putin cumprimenta Dilma em reunião do Brics de 2015 em Ufá, na Rússia
Putin cumprimenta Dilma em reunião do Brics de 2015 em Ufá, na Rússia - Serguei Karpukhin - 9.jul.15/Reuters

Nem sequer a embaixada brasileira em Moscou foi alertada da presença da ex-presidente no país, o que no Planalto foi visto como uma tentativa de manter separada a imagem de Dilma da de Lula. Ela, argumentam integrantes do governo, não representa o país, mas o banco do Brics.

Dilma era vista com simpatia em Moscou durante seus mandatos. Ela esteve no país como presidente em três ocasiões —em 2012, 2013 e 2014, na última vez em reunião do Brics. Quando sofreu impeachment, em 2016, a imprensa estatal russa usava frequentemente a palavra golpe para definir o processo.

A Folha não conseguiu contato com a ex-presidente. Na agenda de Putin, Dilma será recebida às 17h30 (11h30 em Brasília). O motivo mais ostensivo de sua presença é a provável participação na cúpula Rússia-África, uma demonstração de que Moscou não está tão isolada quanto gostariam EUA e aliados. Nesta terça, foi anunciado ainda que o russo irá à Turquia, em data a definir, e à parceira China, em outubro.

Com a invasão de 2022, a Rússia foi submetida ao mais draconiano pacote de sanções da história recente, sendo desplugada do sistema internacional. Mas o país circunavegou parte das dificuldades e aprofundou laços econômicos com países ou aliados, como a China, ou neutros e próximos, como a Índia.

No caso brasileiro, a prioridade da relação econômica sempre guiou o Planalto. Uma semana antes da guerra, Jair Bolsonaro (PL) foi recebido por Putin em Moscou. Ele e Lula negaram o fornecimento de armamentos pedidos pela Ucrânia, e o petista ainda tem feito críticas constantes ao Ocidente no conflito.

Na ONU, porém, o Brasil votou duas vezes para condenar a invasão, diferentemente da Índia, que virou uma grande compradora de petróleo barato após os russos perderem acesso a mercados na Europa.

O comércio entre Brasília e Moscou cresceu em 2022, estimulado pela manutenção do fornecimento de fertilizantes ao agronegócio brasileiro, e hoje dois terços do óleo diesel importado vêm da Rússia.

Ao mesmo tempo, Lula tem sofrido críticas por sua tentativa de mediação no conflito, vista no Ocidente como condescendente com Putin. Enviou seu assessor especial para política externa, Celso Amorim, a Moscou e recebeu o chanceler russo, Serguei Lavrov, em Brasília. O petista até baixou o tom de suas reservas à posição de Kiev e foi admoestado pelo próprio presidente Volodimir Zelenski.

Por outro lado, chamou o colega chileno Gabriel Boric de apressado por querer menções à Rússia em comunicado de países latino-americanos em reunião na Europa, na semana passada. Isso tudo leva holofotes à visita de Dilma, de forma intencional ou não.

A cúpula Rússia-África é vista como uma oportunidade para Putin, mas o contexto é adverso. Segundo seu assessor para assuntos internacionais Iuri Uchakov disse à agência RIA Novosti nesta terça-feira, 17 dos 54 chefes de Estado africanos membros da ONU estarão no evento, que ocorre na quinta (27) e na sexta (28).

Na primeira edição da cúpula, em 2019, 43 líderes foram a Sochi, na costa do mesmo mar Negro que hoje está no centro das preocupações africanas. Na última semana, Putin deixou o trato que permitia a exportação de grãos ucranianos e passou a bombardear a infraestrutura portuária e silos de Kiev.

O movimento ampliou a insegurança dos líderes africanos, que foram procurados por autoridades russas para assegurar a continuidade do fornecimento de trigo a preços competitivos, apesar do aumento devido à crise. O tema assombra a reunião em Moscou e certamente afastou boa parte dos prováveis presentes.

É incerto como o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, na sigla inglesa da instituição do Brics) poderá entrar no jogo. Em junho, Lula pressionou o órgão a ajudar a Argentina, em grave crise financeira, mas recebeu um não. Desde então, trabalha para ampliar o escopo do banco presidido por Dilma desde março.

Por ora, o NDB só opera com os membros do Brics, com uma exceção pontual africana, Lesoto, encrave na África do Sul que recebeu apoio em um projeto hídrico. Lula e possivelmente Putin e seu colega sul-africano Cyril Ramaphosa talvez trabalhem para mudar isso.

Em maio, Dilma recebeu o premiê russo, Mikhail Michustin, e lhe assegurou que o banco seguiria com seus projetos na Rússia, apesar do risco de sanções ocidentais. Este é outro tema que pode estar na agenda da ex-presidente.

Já Ramaphosa estará em uma situação inusitada quando chegar à cúpula. Na semana passada, a África do Sul anunciou que, em comum acordo com a Rússia, receberia Lavrov como representante de Putin na cúpula do Brics, que ocorre em agosto.

O motivo é o fato de Pretória ser signatária do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. Em março, a corte determinou a prisão de Putin por supostos crimes de guerra cometidos na extradição de crianças ucranianas à Rússia, o que o Kremlin nega. Após dar imunidade ao russo, Ramaphosa foi pressionado por uma ação legal e acabou convidando o chefe do Kremlin a participar da cúpula por vídeo.

A reunião trará outras situações curiosas. Belarus, ditadura aliada a Putin, anunciou nesta terça-feira que pediu a entrada no Brics formalmente em maio e afirmou que o caso será avaliado na cúpula.

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