Macron vê Brasil e Índia desconfiados do Ocidente na Guerra da Ucrânia

Presidente francês analisa papel do Sul Global no conflito; Zelenski diz que Putin não irá parar se vencer

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São Paulo

O presidente francês, Emmanuel Macron, admitiu nesta sexta (17) que os países do chamado Sul Global, jargão que define nações como Brasil e Índia, desconfia do Ocidente em relação à Guerra da Ucrânia.

"Estou muito impressionado com como estamos perdendo a confiança do Sul Global", disse Macron, sobre o contexto do conflito, no primeiro dia da Conferência de Segurança de Munique, principal fórum de discussão mundial de segurança, que ocorre na cidade alemã desde 1963.

Zelenski fala por vídeo na abertura da Conferência de Segurança de Munique, no hotel Bayerischer Hof
Zelenski fala por vídeo na Conferência de Segurança de Munique, no hotel Bayerischer Hof - Kai Pfaffenbach/Reuters

O líder francês não elaborou, mas o fato é que, embora tenham condenado a invasão russa que completará um ano na semana que vem, esses países mantêm uma posição distante da campanha ocidental contra Moscou, basicamente por terem interesses econômicos próprios. O regime draconiano de sanções contra o Kremlin também assusta, por transcender regramentos internacionais.

No caso brasileiro, a prioridade sempre foi dada ao papel russo como fornecedor de 30% dos fertilizantes do agronegócio. Assim, tanto sob Jair Bolsonaro (PL) quanto sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prevaleceu a posição tradicional do Itamaraty de defesa de negociações.

Lula tem sido pressionado a mudar de postura, em especial após ter negado vender munição de tanques para a Alemanha repassar a Kiev. Na quinta (16), a mais alta diplomata americana, Victoria Nuland, pediu que o Brasil "se colocasse no lugar da Ucrânia". A Índia, aliada formal dos EUA no grupo anti-China Quad e ao mesmo tempo membro do Brics com Pequim e Moscou, dá de ombros e está comprando quantidades oceânicas de petróleo russo com desconto devido ao fechamento do mercado europeu ao produto.

Representado em Munique pelo chanceler Mauro Vieira, o Brasil expôs sua posição em uma entrevista do ministro numa sessão paralela do fórum e em 11 reuniões bilaterais, inclusive com o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. No Itamaraty, a impressão geral foi a de que não houve cobranças duras, mas uma tentativa de compreensão —além de grande interesse na renovada agenda ambiental brasileira.

A proposta brasileira para criação de um grupo para discutir a paz, contudo, é algo que não encontra eco devido ao acirramento das tensões: a Rússia está escalando uma ofensiva no leste e no sul do país, e a Ucrânia pede mais armas ao Ocidente. Isso já havia ficado claro na visita de Lula ao americano Joe Biden.

Mas a fala de Macron chamou a atenção do Brasil, dado que fez defesa enfática da reforma do Conselho de Segurança da ONU. O tema é retomado de tempos em tempos e soa como música ao Itamaraty.

Em meio ao acirramento das ofensivas russas contra o leste da Ucrânia, líderes ocidentais pediram o aumento do apoio militar a Kiev e o rearmamento da Europa, enquanto o presidente do país invadido, Volodimir Zelenski, disse que Vladimir Putin não irá parar se derrotar Kiev.

Cerca de 40 chefes de Estado e de governo estão reunidos na cidade alemã, que recebe também 60 autoridades diplomáticas e políticas —não apenas alinhados à coalizão ocidental contrária aos russos, mas também aliados do Kremlin, como o chanceler chinês, Wang Yi.

O tom geral, contudo, é de defesa da unidade em torno de Kiev. Falando por vídeo no início do evento, Zelenski repassou sua retórica de pedir mais apoio militar, sob pena da degradação da segurança europeia como um todo. "É óbvio que a Ucrânia não será sua última parada [de Putin]. Ele continuará seu movimento, incluindo todos os outros Estados que um dia foram parte do bloco soviético", afirmou.

Desde que Putin anunciou na mesma conferência em 2007 as bases de sua crítica à hegemonia americana no pós-Guerra, ele promoveu dois conflitos para evitar a absorção de países ex-soviéticos pela Otan, a aliança militar ocidental: na Geórgia, em 2008, e na Ucrânia, em 2014, até a invasão de 2022.

Mas a fala de Zelenski se dirigia aos nervosos membros do Leste Europeu da aliança, Polônia e Estados Bálticos. "Não deve haver tabu", disse, sobre a entrega ocidental de armas, de olho no cumprimento da promessa de envio de tanques de guerra e sonhando com caças avançados —hoje ainda vistos como uma provocação excessiva aos russos, por serem armas potencialmente ofensivas.

O ucraniano comparou seu país ao Davi bíblico, enfrentando o poderoso Golias com uma funda. "Precisamos reforçar nossa funda, precisamos de rapidez de decisões para limitar o potencial russo."

A guerra irá completar um ano no dia 24, com um incremento dos ataques russos no Donbass, o leste russófono ucraniano, e a sequência de ataques à infraestrutura energética com mísseis.

Em seu discurso, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, pediu que "quem puder forneça rapidamente" os tanques de fabricação germânica Leopard-2 —ele mesmo prometeu enviar ao menos 14 unidades, e Berlim já está treinando 1.200 ucranianos para operá-los, mas os números são tímidos, e o processo, lento.

Scholz reforçou justamente o tabu citado por Zelenski, dizendo que a Alemanha seguirá sendo a maior apoiadora de Kiev, mas que quer evitar o risco de uma "escalada desnecessária" entre Otan e Rússia. Em outras palavras, uma Terceira Guerra Mundial.

Outro pedido de Macron, por mais gasto militar, algo já apontado por 20 nações europeias desde o início da guerra, é visto em Moscou como prova do envolvimento do Ocidente numa guerra por procuração anti-Rússia. A conferência vai até domingo (19), e, no sábado, falarão a vice dos EUA, Kamala Harris, o premiê britânico, Rishi Sunak, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, e o chanceler Wang, entre outros.

Obviamente não convidado ao evento, Putin se reuniu com um dos únicos aliados que tem publicamente, o ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko, que na véspera havia dito que só participaria ativamente da guerra se fosse atacado. Belarus é base para forças russas, e Zelenski afirmou no discurso que considera baixa a chance de o país entrar no conflito.

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