Risco de prisão tira Putin da reunião do Brics na África do Sul

Presidente sul-africano disse que cumprir ordem do TPI equivaleria a declarar guerra à Rússia

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São Paulo

A ordem de prisão emitida em março pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), de Haia, contra Vladimir Putin causou o primeiro grande constrangimento internacional ao presidente russo. A África do Sul anunciou que, em comum acordo com o Kremlin, ele não irá participar da reunião do Brics no país no mês que vem.

A Rússia será representada no evento —que terá presença prevista de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)— pelo chanceler do país, Serguei Lavrov, no cargo desde 2004. Segundo agências de notícias russas, citando o Kremlin, Putin deverá participar por videoconferência.

Putin conversa com o sul-africano Cyril Ramaphosa na Cúpula Rússia-África de 2019, em Sochi
Putin conversa com o sul-africano Cyril Ramaphosa na Cúpula Rússia-África de 2019, em Sochi - Serguei Tchirikov - 24.out.19/Reuters

É o fim de uma longa novela. O bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul já tinha sua reunião de cúpula marcada para o país africano antes da decisão do TPI, e Pretória vinha manobrando para tentar permitir a presença do chefe do Kremlin.

O problema é que a África do Sul é signatária do tratado que criou o TPI, e, assim, em tese precisa cumprir ordens da corte. O tribunal decidiu pela prisão de Putin devido à acusação de deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.

O Kremlin nega a acusação e considera a ordem fruto da pressão ocidental para constranger o líder russo devido à oposição de países liderados pelos EUA à invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

A questão é controversa. Segundo a ONU, há cerca de 1,2 milhão de refugiados ucranianos na Rússia. Boa parte deles começou a chegar antes da guerra, vindos dos territórios que desde 2014 estavam em mãos de separatistas pró-Kremlin, num conflito civil estimulado pelo governo russo para manter Kiev longe das estruturas ocidentais, como a Otan (aliança militar) e a União Europeia (bloco político).

Segundo o chefe do comitê internacional do Conselho da Federação (o Senado russo), Grigori Karazin, há cerca de 700 mil crianças ucranianas no país —mas ele não estabeleceu qual o período da chegada delas. A acusação da ONU é específica sobre o período pós-invasão, para caracterizar crime de guerra.

No final de maio, a África do Sul havia dito que concederia imunidade a todos os líderes do Brics para a reunião, garantindo a segurança de Putin. Mas a pressão sobre Pretória continuou, inclusive internamente.

Não seria, contudo, a primeira vez que os sul-africanos aliviam a situação de um alvo do TPI. Em 2015, o governo local permitiu a entrada no país de Omar al-Bashir, ditador sudanês acusado de crimes de guerra contra sua população pela corte. Com Putin e o líbio Muammar Gaddafi, morto em 2011, o sudanês forma o grupo de líderes em exercício que foram processados pelo tribunal internacional.

Houve especulações de que a reunião poderia ser transferida para a China, aliada de Putin que não reconhece o TPI —no Brics, só a África do Sul e o Brasil integram o grupo de 123 nações signatárias do Estatuto de Roma, que criou a corte. Mas Pretória insistiu em sediar o encontro.

A Aliança Democrática, maior partido de oposição no país africano, foi à Justiça para tentar forçar o governo a cumprir a ordem de prisão caso Putin fosse à reunião. O presidente Cyril Ramaphosa, que havia sido acusado de fornecer armas secretamente para a Rússia pelos EUA, enviou uma explicação para a corte, que foi tornada pública nesta terça-feira (18), gerando grande polêmica no país.

"A África do Sul tem problemas óbvios com a execução do pedido de prisão e entrega de Putin. A Rússia deixou claro que prender um presidente em exercício seria uma declaração de guerra. Seria inconsistente com nossa Constituição arriscar uma guerra com a Rússia."

Ante o barulho político, as partes parecem ter concordado que o melhor seria a ausência de Putin. Nesta terça, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou que seu país tenha feito a ameaça de guerra. Isso havia sido dito, publicamente, pelo ex-presidente Dmitri Medvedev, que sugeriu bombardear o prédio do TPI na Holanda caso Putin fosse preso.

O constrangimento endossa o simbolismo do pedido de prisão, mas também dará munição para a Rússia manter seu discurso de que há uma perseguição política estimulada pelo Ocidente, ao menos para o público interno. Isso porque o TPI não é reconhecido pelos EUA ou pela Ucrânia, para começar.

A acusação contra Putin é de difícil comprovação, ao contrário do caso mais famoso processado na corte internacional, do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, que acabou morrendo durante o julgamento pelo amplamente documentado genocídio de muçulmanos na guerra civil bósnia. A criação de um tribunal específico para a Ucrânia, nos moldes do da ex-Iugoslávia, sofre resistências.

Para o Brasil, é o proverbial bode tirado da sala. A posição brasileira é de neutralidade crítica —condenou a invasão na ONU ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), que esteve em Moscou uma semana antes da agressão, mas não aderiu a sanções.

Lula manteve e reforçou, sempre que pôde, a posição. Enviou a Moscou seu assessor internacional Celso Amorim depois que Putin foi indiciado pelo TPI. Recebeu críticas diretas da Ucrânia e de países europeus e baixou o tom de seu esforço para se apresentar como um mediador para a solução do conflito após isso.

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