Manifestantes depredam embaixada da França no Níger e gritam 'viva Putin!'

Líderes da África Ocidental dão uma semana para militares restaurarem ordem constitucional no país, ex-colônia francesa

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Niamei (Níger) | AFP e Reuters

Milhares de pessoas protestaram neste domingo (30) em frente à embaixada da França em Niamei, capital do Níger, uma ex-colônia francesa, em apoio ao golpe que derrubou o presidente Mohamed Bazoum, há quatro dias detido pelos militares no palácio presidencial.

Pedras foram atiradas contra a representação diplomática durante o ato, que ainda contou com queima de bandeiras da França e gritos contra o país europeu. Um manifestante ouvido pela agência Reuters disse que o protesto é uma forma de expressar "descontentamento com a interferência francesa no Níger".

Enquanto algumas pessoas insistiam em entrar no local, outras arrancaram a placa com a inscrição "embaixada da França no Níger" e a pisotearam, antes de substituí-la por bandeiras da Rússia e do Níger. Manifestantes ainda quebraram vidraças e tentaram incendiar a representação ateando fogo em pneus.

Em frente à embaixada da França em Niamei, manifestantes exibem bandeiras do Níger e da Rússia durante ato de apoio ao golpe militar no país
Em frente à embaixada da França em Niamei, manifestantes exibem bandeiras do Níger e da Rússia durante ato de apoio ao golpe militar no país - AFP

"Viva Putin!", "viva a Rússia!", "abaixo a França!", gritavam os manifestantes, citando o líder do Kremlin, o presidente Vladimir Putin, quatro dias após o golpe de Estado perpetrado pelo general Abdourahamane Tiani, chefe da poderosa guarda presidencial. Ele se proclamou o novo chefe do país africano com a justificativa de conter a "deterioração da situação de segurança" no Níger, assolado por grupos jihadistas.

Forças de segurança afastaram os manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo —imagens transmitidas pela imprensa local mostram paredes da embaixada queimadas e algumas pessoas ensanguentadas sendo colocadas em ambulâncias. Ainda não se sabe quantas ficaram feridas.

Em reação, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que "não tolerará nenhum ataque contra a França e seus interesses". "Qualquer pessoa que ataque cidadãos, o Exército, diplomatas ou bases francesas verá como o país vai impor represálias imediatas", afirmou ele, segundo o Palácio do Eliseu.

A França, que tem um contingente de 1.500 soldados no país africano, já havia condenado na última sexta-feira o golpe militar, descrito pelo governo francês como perigoso para a região. No dia seguinte, Paris e a União Europeia (UE) anunciaram a suspensão da cooperação de segurança e da ajuda financeira para o desenvolvimento do Níger. A chancelaria da França, em nota, lembrou que as autoridades do país são obrigadas a garantir a segurança de missões diplomáticas de acordo com a lei internacional.

Um dos países mais pobres do mundo, recebendo quase US$ 2 bilhões (R$ 9,4 bilhões) por ano em auxílio, o Níger é um parceiro de segurança de França e EUA, que usam o território da nação africana como base para combater a insurgência de grupos terroristas jihadistas nas áreas oeste e central da região do Sahel.

Também neste domingo, a Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (Ecowas, na sigla em inglês) anunciou a imposição de sanções e deu aos chefes do golpe militar uma semana para recolocar Bazoum de volta à Presidência, sob ameaças do uso de força para normalizar a situação.

Reunidos em Abuja, capital da Nigéria, os líderes regionais disseram que as punições contra a nova junta militar incluem sanções financeiras e de movimento, além de restrições ao espaço aéreo do país.

Homens depredam embaixada da França em Niamei, no Níger
Homens depredam embaixada da França em Niamei, no Níger - Souleymane Ag Anara/Reuters

Com a possibilidade de uma ação militar no horizonte, os ministros de Defesa das nações que formam a Ecowas devem se reunir em breve, segundo comunicado do bloco, que também condenou o apoio dado por forças estrangeiras e empresas militares privadas ao golpe de Estado, ainda que o movimento tenha sido condenado por vizinhos e parceiros como os EUA, a ONU, a UE e a União Africana, além da França.

Ievguêni Prigojin, chefe do Grupo Wagner, força mercenária russa que liderou um fracassado motim contra Putin no mês passado, por exemplo, celebrou o golpe e ofereceu os serviços de seus combatentes.

Não se sabe, porém, se um eventual novo regime no Níger se aproximaria de Moscou. Antes, na quinta-feira (27), o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, afirmou à agência de notícias estatal Tass que a ordem constitucional do país africano precisava ser restaurada.

Relatório divulgado em junho pelo Centro Africano de Estudos Estratégicos, ligado ao Departamento da Defesa dos EUA, acusou a Rússia de tentar minar a democracia em mais de 20 países africanos para aumentar sua influência na região. Para tal, de acordo com o documento, Moscou recorre a interferências políticas, desinformação e reivindicações de poder não amparadas pelas Constituições locais.

Em reação ao encontro da Ecowas, a junta militar do Níger denunciou um suposto plano de intervenção armada com o apoio do Ocidente. "Queremos lembrar a Ecowas ou qualquer outro aventureiro da nossa firme determinação em defender nossa pátria", disse o coronel Amadou Abdramane, da Força Aérea.

Em outra frente de negociação, o líder do Chade, Mahamat Idriss Deby, que chegou ao poder em 2021 após um golpe em seu país, encontrou-se com o presidente da Nigéria, Bola Tinubu, e se ofereceu para dialogar com os militares.

O golpe ocorreu na quarta-feira, quando membros da Guarda Presidencial isolaram o palácio que funciona como sede do governo e impediram a saída de Bazoum. À noite, Abdramane fez um discurso em que decretou o fechamento das fronteiras, suspendeu atividades políticas e estabeleceu toque de recolher.

Desde que o Níger se tornou independente da França, em 1960, diversas tentativas de golpes de Estado ocorreram no país. Quatro delas foram exitosas, a última em fevereiro de 2010, quando Mamadou Tandja foi deposto. Bazoum assumiu a Presidência em abril de 2021. À época, militares tentaram tomar o palácio presidencial, mas a ordem foi restaurada, na primeira transferência de poder democrática no país.

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