Russos e americanos fazem 'batalha de projeções' em embaixada nos EUA

Cidadãos contra a Guerra da Ucrânia projetam frases e animações contra Moscou na sede diplomática russa

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Michael Crowley
Washington | The New York Times

Em uma noite de junho, Benjamin Wittes estava sentado diante de uma mesinha de baralho do outro lado da rua da embaixada da Rússia em Washington, dando início a um show de luzes. Em volta dele se espalhavam cabos e equipamentos diversos, incluindo dois projetores. Um deles projetava uma bandeira ucraniana sobre a fachada branca da embaixada. Era apenas o começo.

"Temos um pequeno texto que vamos projetar, linha por linha, em três idiomas", disse Wittes, americano especialista em leis de segurança nacional. "É sobre crianças roubadas."

Bandeira ucraniana é projetada na embaixada da Rússia em Washington durante protesto
Bandeira ucraniana é projetada na embaixada da Rússia em Washington durante protesto - Kenny Holston - 24.fev.23/The New York Times

No final da noite ele projetou sobre o prédio da embaixada um xingamento em ucraniano para o presidente russo, Vladimir Putin. Wittes e seus amigos começaram a iluminar a embaixada a cada poucas semanas desde o início da Guerra da Ucrânia, no ano passado. Isso está irritando os visitantes: naquela noite, os russos estavam tentando apagar as projeções feitas por Wittes com projeções próprias, incluindo duas letras "Z" brancas gigantescas —símbolo nacionalista na Rússia.

Uma vez, no ano passado, um holofote russo foi ao encalço de uma bandeira ucraniana pela fachada da embaixada, numa perseguição de gato e rato de brincadeira que já foi vista milhões de vezes online.

Em abril, um homem robusto usando jeans e camiseta do time de beisebol Baltimore Orioles emergiu da embaixada e, sem dizer nada, obstruiu os projetores de Wittes com um guarda-chuva aberto. "Eles travam guerras de holofotes conosco", disse o americano. "É uma coisa quase infantil."

É a nova e estranha normalidade em torno da principal representação diplomática russa nos EUA, palco de protestos constantes, manobras de espionagem e bizarrices generalizadas, à medida que as relações mais hostis em décadas entre EUA e Rússia se manifestam. A milhares de quilômetros da frente de guerra na Ucrânia, a sede da embaixada russa virou uma espécie de zona de batalha.

O embaixador russo Anatoli Antonov descreve a embaixada como "uma fortaleza sitiada". Atrás de suas cercas altas equipadas com câmeras de segurança, a sede é uma aldeia com prédio de apartamentos para os diplomatas e suas famílias, escola, playground e piscina. Nos últimos anos, quase 1.200 funcionários russos trabalharam na sede da embaixada. O Departamento de Estado se nega a informar quantos permanecem —a questão do número de funcionários que trabalham lá e na embaixada dos EUA em Moscou é um tema sensível. Em 2022, Antonov avaliou que havia 184 diplomatas e funcionários de apoio.

Embora os funcionários da embaixada possam ser alguns dos moradores menos bem-vindos de Washington, membros da administração Biden dizem que se alegram com sua presença na cidade e que é essencial conservar laços diplomáticos, mesmo nos piores momentos. Expulsar os russos por completo também levaria ao fim da presença diplomática dos EUA em Moscou, que, entre outras coisas, presta assistência a cidadãos americanos detidos na Rússia.

Antonov saiu de sua residência oficial numa moradia histórica próxima à Casa Branca e agora reside na sede da embaixada. Ele é um diplomata veterano que passou anos negociando acordos de controle de armas com contrapartes americanas em Genebra. Mas também foi vice-ministro da Defesa na época em que a Rússia anexou a Crimeia, em 2014, e foi alvo de sanções da União Europeia.

O embaixador se queixa com frequência de seus contatos limitados com funcionários da administração Biden e congressistas —o site Politico chegou a apelidá-lo de "Anatoli, o Solitário"— e reclama dos protestos diante dos portões de sua embaixada. Os protestos já viraram rotina. As palavras de ordem contra Putin e as transmissões do hino nacional ucraniano atraem buzinadas de apoio de carros que passam pelo local. Casas do outro lado da rua ostentam bandeiras da Ucrânia e slogans anti-Rússia. Vizinhos gritam "Slava Ukraini!" (glória à Ucrânia) aos russos que entram e saem.

Funcionários da embaixada russa exibem a letra 'Z' em suas janelas enquanto os manifestantes projetam as cores da bandeira da Ucrânia no prédio em Washington
Funcionários da embaixada russa exibem a letra 'Z' em suas janelas enquanto os manifestantes projetam as cores da bandeira da Ucrânia no prédio em Washington - Tom Brenner - 6.ago.22/The New York Times

Bob Stowers, um residente local, disse que em sua caminhada diária, na qual passa ao lado da embaixada, sempre faz uma parada diante de cada uma das seis câmeras de segurança e ergue um artigo noticioso sobre o líder oposicionista russo encarcerado Alexei Navalni. "Sinto-me um pouco melhor."

Antonov pode se queixar da vida em Washington, mas as coisas são muito piores para os americanos em Moscou, segundo os EUA. Protestos diante da embaixada americana são comuns. Mas autoridades acreditam que são organizados pelo governo —diferentemente do que é o caso em Washington.

Diplomatas americanos são seguidos constantemente por agentes de segurança russos quando andam pela cidade e, às vezes, intimidados. Em janeiro, no dia em que a embaixadora recém-confirmada no cargo, Lynne Tracy, chegou a seu escritório pela primeira vez, a eletricidade foi cortada misteriosamente.

Um ex-funcionário americano sênior recordou um incidente recente em que alguém fixou uma letra "Z" enorme ao teto do carro de um diplomata americano enquanto ele estava em um supermercado. Mais tarde a televisão estatal transmitiu imagens feitas por drone do carro.

Manifestantes agitam as bandeiras da Ucrânia e dos EUA e se reúnem do lado de fora da embaixada da Rússia em Washington
Manifestantes agitam as bandeiras da Ucrânia e dos EUA e se reúnem do lado de fora da embaixada da Rússia em Washington - Kyna Uwaeme - 27.mai.23/The New York Times

Há um ano a Prefeitura de Moscou mudou o nome da área em volta da embaixada americana, dando-lhe um novo endereço: praça da República Popular de Donetsk, número 1. O nome faz alusão ao governo instalado pela Rússia em uma província oriental da Ucrânia, que não é reconhecido internacionalmente.

Os russos também têm seus projetores e já transmitiram na fachada de um prédio em frente à embaixada americana imagens de mortos e feridos das guerras dos EUA no Iraque, no Vietnã e no Afeganistão.

Com a Guerra da Ucrânia em marcha, nada disso dá sinais de que vá desaparecer no futuro próximo. Wittes, pelo menos, está profundamente empenhado no esforço. Diz que aperfeiçoar seus shows de luz "levou muita energia, dinheiro e experimentação". Além disso, segundo ele, o show "alegra os ucranianos".

Tradução de Clara Allain

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