Saques na Argentina passam de 150, chegam a Buenos Aires e respingam na política

Diversos estabelecimentos na periferia da capital foram invadidos em ataques planejados via redes sociais

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São Paulo

A Argentina vive cenas de caos com a onda de saques a supermercados dos últimos dias. Na terça (22), os roubos coletivos chegaram à capital, Buenos Aires, após se espalharem por diversos territórios. O país atravessa uma crise econômica e passou por um terremoto político causado pelas eleições primárias.

O ministro da Segurança da província de Buenos Aires, Sergio Berni, disse nesta quarta (23) que, no pico de casos registrados, houve "de maneira coordenada" pelo menos 150 tentativas de saques na área metropolitana, que resultaram em 94 prisões, segundo as autoridades.

Antes disso, durante o fim de semana, quase 30 pessoas foram presas devido a saques nas províncias de Córdoba e Mendoza, de acordo com a agência de notícias AFP, que calcula um total de quase 200 detidos desde sexta-feira (18). Há relatos também nas províncias de Neuquén e Río Negro, no sul.

Forças policiais protegem os arredores de uma área após moradores tentarem saquear um supermercado na cidade de Bariloche, no sul da Patagônia - Carlos Barria/Reuters

A situação gerou uma crise no governo do presidente Alberto Fernández e virou arma na mão dos opositores. O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, alega que muitos dos ataques foram mobilizados na internet, até mesmo por contas oficiais de políticos. "Houve uma campanha e uma preparação dos acontecimentos. Circularam nas redes denúncias falsas de coisas que não estavam acontecendo", afirmou nesta quarta.

A porta-voz da Presidência, Gabriela Cerruti, foi além e afirmou que perfis ligados a Javier Milei e Patricia Bullrich, os dois presidenciáveis da oposição mais votados nas primárias argentinas do último dia 22, incentivaram os saques. "O clima nas redes sociais foi gerado por contas ligadas à [coalizão de Milei] A Liberdade Avança e a grupos de Bullrich. Havia grupos de WhatsApp incentivando", afirmou.

O ministro de Segurança do governo, Aníbal Fernández, disse, porém, que o acontecido "não pode ser atribuído a fulano ou beltrano".

O ultraliberal Milei, controverso candidato que liderou as primárias, fez uma série de publicações sobre o tema nas redes sociais. "É trágico voltar a ver, depois de 20 anos, as mesmas imagens que víamos em 2001", escreveu no X, antigo Twitter, em referência à onda de saques que tomaram a Argentina na sequência do Corralito, como ficou conhecida a política de confisco bancário que sucedeu a crise econômica da época. "Pobreza e saques são duas faces da mesma moeda."

Assim como ele, Bullrich, que foi ministra de Segurança do ex-presidente Mauricio Macri, aproveitou o caso para divulgar a sua principal bandeira. "Não podemos ceder nem um milímetro ante os criminosos. Precisamos de firmeza e de lei e ordem para sair desse inferno", escreveu. "Como sempre, diante de uma situação trágica ou de desordem, o presidente Fernández e [a vice-presidente] Cristina Kirchner brilham por sua ausência."

Em um evento de entrega de casas em Neuquén, Fernández pediu aos argentinos que cuidassem da democracia e preservassem a paz e a tranquilidade social. "Vimos eventos nos últimos dias que evidentemente foram organizados", afirmou o presidente.

Um dos ataques mais comentados foi o que aconteceu nesta terça na cidade de Moreno, na província de Buenos Aires. No início da noite, um grupo formado por cerca de 20 pessoas, incluindo crianças, invadiu um supermercado de uma família de origem chinesa, ateou fogo em um depósito e depredou o local, enquanto tomava mercadorias.

À emissora Todo Noticias, a proprietária do estabelecimento, Elena, disse que sentiu muito medo. "Vim para cá há 15 anos e é a primeira vez que isso acontece. Primeiro atiraram pedras, depois atearam fogo e depois quebraram as janelas. Levaram tudo", afirmou. Joana, uma das atendentes, disse que os saqueadores eram conhecidos. "Vinham comprar todos os dias aqui e agora roubaram tudo. Quando viam a gente, abaixavam a cabeça."

Embora a polícia tenha confirmado diversos saques, o serviço de checagem de informações da AFP detectou a circulação de vídeos antigos nas redes sociais. Além disso, o líder de um movimento nacionalista de direita, Raúl Castells, disse à emissora TV Crónica que as pessoas estão saindo em busca de comida e que o grupo está incentivando as ações. "Se não encontram comida, nós, que estamos convocando tudo isso, estamos orientando a, sem roubar dinheiro nem quebrar nada, levarem o que conseguirem para trocar por comida", afirmou.

Os saques acontecem em um contexto de crise econômica na Argentina. Com uma inflação anual que supera os 100%, o índice de aumento de preços no país é um dos mais altos do mundo. Após as eleições primárias, o ministro da Economia e candidato presidencial apoiado pelo governo Sergio Massa anunciou uma desvalorização de 21% do dólar no câmbio oficial, em um acordo com o Fundo Monetário Internacional para desbloquear o empréstimo de US$ 44 bilhões.

A decisão, porém, gerou uma enxurrada de comentários negativos por parte da população. Os consultores esperam um aumento de dois dígitos no custo de vida em agosto e setembro, enquanto a pobreza atinge quase 40% da população.

Com AFP

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