Entenda como funcionam as Paso, as eleições primárias na Argentina

Votação em que população ajuda partidos a escolher seus candidatos serve de prévia para o pleito geral

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São Paulo

Neste domingo (13), os argentinos saíram de suas casas em direção à escola onde estão suas seções eleitorais, identificaram-se aos fiscais da mesa e seguiram para uma sala chamada de "quarto escuro". Lá, selecionaram seus candidatos favoritos para uma série de cargos do Executivo e do Legislativo, incluindo a Presidência.

Eleitora deposita seu voto em urna em Buenos Aires durante eleições presidenciais do país de 2015 - Agustin Marcarian - 25.out.15/Reuters

Trata-se de exatamente o mesmo roteiro que eles seguirão em 22 de outubro, quando acontece o primeiro turno das eleições gerais no país. Mas seus votos não elegeram ninguém. Os argentinos participaram das primárias nacionais, as Paso, em que são convocados a escolher os políticos que concorrerão nas eleições de fato.

"A única diferença é que, em vez de as cédulas dizerem ‘candidato’, dizem ‘pré-candidato’", resume o cientista político argentino Federico Rossi, atualmente professor da Universidade Nacional de Educação à Distância (Uned) em Madri.

Para além do ensaio geral, porém, as primárias têm uma importância estratégica no cenário eleitoral argentino, fornecendo uma prévia das preferências do eleitorado especialmente valiosa em um momento de incerteza em relação à confiabilidade das previsões das pesquisas de intenção de voto.

O que são as Paso?

Acrônimo de "Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias", as Paso são uma etapa prévia das eleições gerais da Argentina. Elas têm dois propósitos: solucionar eventuais disputas internas entre pré-candidatos dentro dos partidos antes do pleito oficial, e eliminar as legendas nanicas, já que as siglas que registram menos de 1,5% dos votos são impedidas de concorrer no primeiro turno.

Federico Rossi, o professor, afirma que as Paso são uma espécie de imitação das primárias americanas. Mas se nos Estados Unidos só os filiados dos partidos Democrata e Republicano escolhem quem representará a legenda na corrida presidencial, na Argentina, toda a população de 18 a 70 anos é obrigada a ir às urnas. Eleitores de 16 e 17 anos e maiores de 70 anos também podem participar.

Quando e por que elas surgiram?

O mecanismo foi criado em 2009, durante o primeiro mandato de Cristina Kirchner, e implementado pela primeira vez em 2011. Na época, seus principais objetivos eram diminuir o total de candidaturas nas eleições e "terceirizar" para a população a resolução de eventuais disputas internas, já que as legendas não tinham filiados suficientes.

Quais os cargos em disputa nesta votação?

  • Presidente e vice-presidente
  • Deputados (metade dos assentos, ou 130 de 260)
  • Senadores (um terço dos assentos, ou 24 de 72, representando oito províncias)
  • Deputados do Parlasul, o Parlamento do Mercosul (19 por distrito nacional e 24 por distrito regional)

O que as pesquisas de intenção de voto indicavam?

No total havia 22 "listas", ou chapas, de presidentes e vice-presidentes, pertencentes a 15 alianças. Três delas concentravam cerca de três quartos das intenções de votos, segundo as pesquisas: a peronista União pela Pátria, a direitista Juntos pela Mudança, e a ultradireitista A Liberdade Avança. Destas, só a última não teve disputa interna, tendo apresentado apenas um candidato, Javier Milei. Ele era o escolhido de 11% a 27% dos eleitores entrevistados por pesquisas.

A competição mais acirrada estava na frente Juntos pela Mudança. Tanto Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança que aposta em uma imagem de linha-dura, quanto Horacio Larreta, chefe do governo de Buenos Aires que se vende como um "dialoguista" mais ao centro, tinham chances de avançarem para o primeiro turno —ambos flutuavam entre 15% a 17% das intenções de voto.

o União pela Pátria havia decidido levar um candidato único às urnas, o atual ministro da economia Sergio Massa, para concentrar os esforços de campanha e dividir o mínimo possível os votos de centro-esquerda e esquerda, ameaçados por um antikirchnerismo crescente. Mas o sindicalista Juan Grabois se candidatou de forma independente, mesmo tendo poucas chances de vitória. A aliança tinha entre 19% e 34% das intenções de voto.

Quem eram os principais pré-candidatos à Presidência e quais foram os resultados?

A Liberdade Avança

Javier Milei, 52 (Lista Liberdade para Sempre)

Vice-presidente: Victoria Villarruel

Economista e professor, foi eleito deputado federal em 2021 e, contra a maioria das análises, liderou as primárias, conquistando 30% dos votos com 97,4% das urnas apuradas. É líder de sua coalizão e também do Partido Libertário. Ganhou fama a partir de 2018, quando chamou uma jornalista de "burra" e teve que pedir desculpas na Justiça. Desde então, chama a atenção por suas críticas contundentes às gestões de Cristina Kirchner, Macri e Fernández e por seu modo agressivo de falar.

Define-se como "anarcocapitalista" e tem como principal proposta a dolarização da economia argentina. Costuma atrair principalmente o eleitorado jovem.

Juntos por el Cambio

Patricia Bullrich, 67 (Lista A Força da Mudança)

Vice-presidente: Luis Petri

Considerada mais "linha dura", foi ministra da Segurança de Macri (2015-2019) e deputada federal por Buenos Aires (2007-2015). Antes, atuou como ministra do Trabalho e Segurança Social na gestão de Fernando de la Rúa (1999-2001). Tem se movimentado para se aproximar do concorrente Javier Milei, dizendo que atuará junto com ele em propostas se ganhar, de olho nos eleitores de direita do rival. Teve 17% dos votos nas primárias.

Horacio Larreta, 57 (Lista A Mudança de Nossas Vidas)

Vice-presidente: Gerardo Morales

Termina seu segundo mandato como chefe de governo da cidade de Buenos Aires. Formado em economia, foi chefe de gabinete de Maurício Macri quando ele ocupou o mesmo cargo no passado, de 2008 a 2015, e fundou com ele o partido Proposta Republicana (PRO). Na votação de domingo, chegou a 11,3% dos votos.

União pela Pátria

Sergio Massa, 51 (Lista Azul-Clara e Branca)

Vice-presidente: Agustín Rossi

Ministro da Economia do governo de Alberto Fernández, liderava as pesquisas de intenções de voto embora a inflação tenha atingido 116% durante sua gestão, mas ficou em terceiro nas primárias, com 21,4% dos votos. É conhecido por ser objetivo e diplomático e representa a ala centrista do peronismo, principal força política da Argentina por décadas, e tem uma relação ambígua com a poderosa ala esquerdista do partido, embora tenha ganhado seu apoio nestas primárias.

Não se sabe se Massa seguirá no governo. Fontes próximas do ministro afirmaram recentemente ao El Cronista que a expectativa é de que ele continue, sim, no cargo.

Juan Grabois, 40 (Lista Justa e Soberana)

Vice-presidente: Paula Abal Medina

Líder sindical de muita popularidade, tem como principal reivindicação um salário mínimo universal e integra o La Cámpora, ala mais radical do peronismo. É um aliado importante de Cristina Kirchner, embora tenha protagonizado algumas desavenças com o governo, participando de uma manifestação contra ele, por exemplo. Católico, é próximo do papa Francisco. Alcançou apenas 5,9% dos votos nas primárias.

Como é o processo de votação?

Alguns distritos usam urnas eletrônicas mas, na maior parte deles, vota-se por meio de cédulas de papel. Estas lembram os nossos "santinhos" de propaganda eleitoral, com retratos e nomes dos políticos em disputa impressos em tinta colorida.

4 flyers com nomes e retratos de candidatos
Cédulas de votação da coligação de esquerda União pela Pátria que serão usadas nas primárias na Argentina, as Paso - Reprodução

Se um eleitor quiser votar em uma chapa para presidente, por exemplo, e em outra para deputado, terá de cortar a cédula. No passado, isso era feito com tesoura ou régua. Hoje, os papéis já vêm com uma linha pontilhada para facilitar o rasgo. Os pedaços de papel são então inseridos no envelope e depositados em uma urna do corredor, nesta etapa à vista de todos.

Como são as coligações políticas que imprimem as cédulas, com dinheiro do Estado, são elas as responsáveis por monitorar o número de cédulas nas seções para garantir que elas não faltem.

Em quais horários ocorreu a votação?

As seções eleitorais funcionaram das 8h às 18h. Depois desse horário, as portas dos centros de votação foram fechadas e os presidentes das mesas esperaram até que todas as pessoas nas filas depositassem seu voto para dar início ao processo de apuração. Dúvidas sobre como utilizar as máquinas e falhas nos equipamentos, porém, fizeram as filas se estenderem em alguns lugares.

Só por volta das 20h30, mais de duas horas após o fim do horário de votação, autoridades argentinas anunciaram que 69% da população votaram nas primárias. Trata-se do nível de participação eleitoral mais baixo desde que as Paso foram implementadas.

O que acontece agora?

Os candidatos das coligações que venceram as primárias estarão habilitados a concorrer nas eleições presidenciais de 22 de outubro. Presidenciáveis podem vencer em primeiro turno de duas maneiras: obtendo mais de 45% dos votos ou, alternativamente, mais de 40% dos votos desde que a porcentagem seja dez pontos percentuais maior do que aquela do segundo colocado. Se nenhuma dessas condições for atendida, um segundo turno é marcado para dali a 30 dias. Neste ano, um eventual segundo turno cairia em 19 de novembro.

Qual é a relação dos argentinos com as Paso?

As primárias não são unânimes no país. Alguns afirmam que ela tornou o processo eleitoral mais democrático, uma vez que a escolha dos candidatos das eleições gerais é feita diretamente pela população. Outros dizem que, como muitos dos partidos apresentam só um candidato nas primárias, seu objetivo inicial é distorcido, e elas acabam se tornando uma espécie de pesquisa eleitoral mais confiável do que qualquer levantamento por amostragem.

Outra crítica frequente é que as Paso acabam estendendo o período eleitoral por muito mais tempo do que o necessário. As campanhas para as primárias não diferem muito daquelas para as eleições de primeiro turno, com comícios que reúnem multidões, discursos inflamados, cidades cobertas de propaganda política e cobertura jornalística intensa.

Por fim, Federico Rossi ainda observa que, como as primárias são abertas à toda a população, isso abre espaço para que eleitores votem estrategicamente em um candidato de um partido rival que considerem mais fraco para que ele concorra nas eleições gerais e, assim, as chances da sua própria sigla aumentem no pleito em si.

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