Javier Milei surpreende e lidera primárias dominadas por direita na Argentina

Patricia Bullrich garante vaga na oposição e peronismo tem seu pior desempenho em mais de uma década

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Deputado ultraliberal Javier Milei comemora resultados nas eleições primárias deste domingo (13) Alejandro Pagni/AFP

Buenos Aires e São Paulo

A Argentina fez jus às expectativas de uma de suas eleições mais incertas das últimas décadas e, contrariando as previsões dominantes nas últimas semanas, teve como principal vencedor de suas primárias o deputado ultraliberal Javier Milei, representante do voto raivoso contra as forças políticas tradicionais.

O autointitulado anarcocapitalista foi o candidato mais votado neste domingo (13), recebendo 30% dos votos com 97% das urnas apuradas. Logo atrás veio a coalizão de oposição Juntos por el Cambio, com 28,3%. A aliança peronista e governista União pela Pátria ficou em terceiro, com 27,3% —pior desempenho do movimento desde que as eleições primárias foram implementadas, há 12 anos.

A guinada à ultradireita no país ficou clara também com a vitória de Patricia Bullrich, mais linha-dura, sobre Horacio Rodriguez Larreta, mais moderado, na disputa interna do Juntos por el Cambio. A ex-ministra da Segurança de Mauricio Macri (2015-2019) garantiu sua vaga no primeiro turno de outubro com 17% dos votos nominais, ante 11,3% do dirigente de Buenos Aires.

O ministro da Economia peronista, Sergio Massa, por sua vez, angariou 21,4% dos votos. Trata-se de um resultado histórico para uma eleição primária presidencial no país, já que desde a implementação das primárias as alianças peronistas acumulavam as maiores porcentagens.

Os números fizeram cair por terra a ideia de que Milei vinha se desidratando nas últimas semanas, após o fracasso dos candidatos de sua coalizão A Liberdade Avança nas eleições locais. O político se apresenta como um candidato da terceira via, "diferente de tudo o que está aí", e tem como principais bandeiras a anticorrupção e um neoliberalismo radical.

"Viva a liberdade", gritou ele ao subir ao palco neste domingo, chorando, enquanto ouvia seus seguidores cantarem "se sente, se sente, Milei presidente". Ele agradeceu aqueles que o ajudaram, palavras dele, a construir uma "alternativa competitiva que dará fim não só ao kirchnerismo, mas também a toda a casta parasitária deste país", expressão que ele usa para se referir à classe política.

A coalizão que ele lidera conquistou sobretudo os municípios cuja população é considerada de classes média e alta, derrotando a Juntos por El Cambio na maior parte deles. Mas o cenário se inverte em municípios em que os ganhos médios são menores que 230 mil pesos, ou R$ 3.200, que em sua maioria viram a esquerda tradicional peronista vencer.

Economista de formação, Milei ganhou fama comentando o tema na imprensa e, em 2021, foi eleito deputado federal por Buenos Aires. Sua atuação na Câmara é mínima, e ele sorteia de tempos em tempos o salário que ganha como parlamentar.

Os posicionamentos e a forma agressiva de falar renderam ao ultradireitista a alcunha de "Bolsonaro argentino", reforçada por sua proximidade com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Na última quinta-feira (10), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um vídeo em apoio ao candidato do país vizinho. "Temos muita coisa em comum", disse.

Suas propostas para a área econômica colaboraram para alavancar sua candidatura, já que ele foi um dos poucos presidenciáveis a abordar diretamente na campanha a inflação anual de 116% e o índice de pobreza próximo aos 40% que tanto afligem a população.

Sua defesa da dolarização da economia da Argentina levou, porém, a uma disparada da moeda americana nos mercados do país nesta segunda-feira (14). O dólar paralelo, chamado de "blue", aumentou 11% depois que o Banco Central do país também subiu os preços do dólar oficial em 22% e elevou a taxa de juros em 21 pontos.

Especialistas advertem que a ideia é no mínimo difícil de ser posta em prática, uma vez que o país sofre uma escassez histórica de reservas de dólares. O governo hoje controla a compra de moeda estrangeira, impondo cerca de dez tipos de cotação diferentes para incentivar ou frear determinados setores, enquanto o câmbio paralelo, praticado em casas de câmbio clandestinas, flutua livremente.

Se só o êxito de Milei nas primárias já fez os mercados entrarem em polvorosa, outras de suas ideias são tão radicais que é quase impossível prever seus efeitos. O ultraliberal já defendeu medidas como a legalização da venda de órgãos e o fim das escolas públicas. Seu programa de governo descreve um projeto com prazo de 35 anos no qual o país se abriria de forma "unilateral ao comércio internacional" e eliminaria os impostos sobre exportações e importações.

Também Bullrich, à frente na coalizão Juntos por el Cambio, aposta no liberalismo como solução para a crise econômica argentina, ainda que com propostas bem menos extremas. Repete que vai reduzir os gastos do Estado e derrubar as restrições à compra de dólares.

Sua campanha ainda tem como foco a violência, segunda maior preocupação dos argentinos, com propostas como a construção de prisões de segurança máxima e punições mais severas para infratores acima de 14 anos.

"Se estivéssemos em um país normal, estaríamos comemorando esta eleição. Mas estamos nesta Argentina, e nós argentinos vivemos com angústia, com medo, sem poder sentir, sonhar, projetar ou viver uma vida normal. Mas também temos motivos para celebrar juntos", discursou ela em meio a gritos de "Patricia presidente". Durante a campanha, ela explorou a ideia de que vai "pôr ordem" no país.

Além dos postulantes à Presidência, os argentinos decidiram os candidatos que concorrerão a um terço do Senado, metade da Câmara dos Deputados e a governos importantes, como o da província e da cidade de Buenos Aires. Seguindo tendências históricas, o peronismo foi a força mais votada na província, e o Juntos por el Cambio venceu na capital.

Na cidade, aliás, as eleições primárias foram marcadas por críticas generalizadas à organização dos centros eleitorais. Os portenhos votaram com cédulas de papel para as eleições nacionais e, em seguida, em urnas eletrônicas para o pleito local, o que causou longas filas, devido às dúvidas sobre como utilizar a máquina e falhas nos equipamentos.

Isso fez o término da votação e a contagem dos resultados atrasarem, com os primeiros números sendo divulgados apenas depois das 22h30. A grande espera e a falta de organização contribuíram para o já temido nível de participação mais baixo desde que as primárias presidenciais foram implementadas: 70% do total de eleitores compareceram às urnas, ou seis pontos percentuais a menos do que os 76% presentes em 2019.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.