Cartéis no México transformam caminhões em tanques de guerra

Grupos criminosos equipam veículos com torres para disparar metralhadoras e confrontam polícia e gangues rivais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Simon Romero Emiliano Rodríguez Mega
Cidade do México | The New York Times

Nos Estados Unidos, alguns proprietários de caminhonetes adoram modificar seus veículos com rodas superdimensionadas, kits de suspensão reforçados e sistemas de escapamento que cospem fuligem, transformando-os em "monster trucks" que frequentam concursos de demolição e pântanos enlameados.

No México, os cartéis de drogas estão levando o conceito de "monster truck" a outro nível aterrorizante, equipando picapes populares com aríetes, placas de aço de 10 cm de espessura soldadas em seus chassis e torres para disparar metralhadoras.

Veículo blindado destruído
Veículo blindado que havia sido usado pelo Cartel de Jalisco Nova Geração, poderoso grupo criminoso mexicano - Daniel Berehulak - 24.fev.22/The New York Times

Alguns dos grupos criminosos mais temidos do México, como o cartel Jalisco Nova Geração, estão usando os veículos em confrontos armados com a polícia. Outras organizações, como o cartel do Golfo e o cartel do Nordeste, usam as picapes blindadas para lutar entre si.

As forças de segurança mexicanas chamam esses veículos de monstros, mas eles também são conhecidos como rinocerontes e narcotanques. As gangues adornam a carroceria com suas iniciais ou os mais recentes padrões de camuflagem, às vezes tornando difícil distingui-los de veículos militares oficiais.

Os interiores chamativos das caminhonetes maiores têm assentos dianteiros com diversos botões e luzes, como num cockpit de avião, assentos metálicos de onde as pessoas podem apontar seus rifles por buracos e, no meio, uma escotilha semelhante à de um tanque.

Os veículos servem como um prisma para ver a evolução da sangrenta guerra das drogas no país –seja pelo medo de os cartéis superarem os esforços das autoridades para impor a ordem ou pelo reconhecimento sombrio da estética pós-apocalíptica dos veículos, como em "Mad Max".

A disseminação dos gigantes é mais uma evidência de que os cartéis farão qualquer coisa "para tentar impor, por meios violentos, seu domínio contra gangues rivais e contra a autoridade", disse o especialista em balística e armamentos Jorge Septién, na Cidade do México. Eles também salientam os esforços contra grupos criminosos brutais que operam com aparente impunidade em muitas partes do país.

As picapes blindadas estão entre os aprimoramentos mais visíveis e intimidantes do arsenal letal ao alcance dos cartéis mais poderosos do México, segundo o analista de segurança Romain Le Cour.

Outras armas incluem rifles de precisão Barrett calibre.50, que perfuram aço, lançadores de foguetes e granadas capazes de derrubar helicópteros militares, drones com explosivos detonados remotamente e minas antitanque —usadas num ataque que matou seis pessoas no mês passado em Jalisco.

"Os monstros são a maneira de enviar a mensagem: 'Estou no comando e quero que todos vejam que estou no comando'", disse Le Cour, especialista sênior da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, com sede na Suíça. "São grupos no estilo comando, que procuram replicar as forças especiais em seu armamento, como são treinadas, como se parecem."

Embora se pense que essas picapes tenham surgido no México há pouco mais de uma década, elas parecem estar se multiplicando e ficando mais sofisticadas, da mesma forma que os narcossubmarinos construídos por grupos criminosos para transportar drogas se adaptaram para escapar da captura.

A progressão das caminhonetes blindadas seguiu o fluxo dos soldados de elite para os cartéis, começando com o recrutamento, na década de 1990, das forças especiais do Exército mexicano para uma operação paramilitar que se tornou o cartel Zetas. Das armas que usam aos veículos que dirigem, o envolvimento de membros de unidades militares especializadas em organizações criminosas fez com que esses grupos emulassem e competissem com as forças de elite do país.

A apreensão de caminhonetes blindadas ajuda a esclarecer as regiões onde as operações do cartel estão florescendo ou ressurgindo, como nos estados de Michoacán e Jalisco, na costa mexicana do Pacífico ou ao longo da fronteira com os EUA. Em junho, o gabinete do procurador-geral federal no estado de Tamaulipas, que faz fronteira com o Texas, anunciou que havia capturado 14 "monster trucks", após a destruição de outros 11 veículos semelhantes em fevereiro.

A promotoria estadual de Tamaulipas citou, em uma nota no ano passado, o "perigo para a segurança da comunidade" representado pelos veículos modificados, que grupos criminosos costumam usar para vigiar suas atividades ilegais, principalmente perto da fronteira.

Só em Tamaulipas, mais de 260 picapes blindadas foram destruídas pelas autoridades desde 2019. É difícil dar um número nacional, porque vários órgãos federais e estaduais as confiscam e destroem.

A montagem dos veículos, muitas vezes em oficinas rurais, baseia-se na habilidade dos mecânicos do cartel, que há muito se dedicam a modificar carros para contrabandear carregamentos de drogas.

Blindar uma caminhonete com o básico, como chapas de aço, leva de 60 a 70 dias, trabalho de cinco a seis soldadores e mecânicos e custa cerca de 2 milhões de pesos (R$ 550 mil), segundo especialistas em segurança. (Recursos extras, como torretas, pneus à prova de balas e aríetes, aumentam a conta.)

Apesar da reputação assustadora, as caminhonetes têm desvantagens. Ao contrário das ágeis picapes Toyota Hilux montadas com metralhadoras, usadas por grupos armados em muitos países, os "monster trucks" com chapas de aço podem ser lentos e difíceis de manobrar, em especial em ambientes urbanos.

"Eles são muito lentos, muito pesados", disse Alexei Chévez, analista de segurança baseado em Cuernavaca, no México. Além disso, a adaptação dos veículos faz com que algumas de suas peças não funcionem muito bem. "Nós os vemos constantemente quebrando e sendo abandonados", disse Chávez.

Ainda assim, sua importância estratégica ressoa num país que presenciou anos de violência terrível perpetrada por grupos criminosos. As caminhonetes costumam aparecer no TikTok e em outras redes sociais, acompanhadas de canções de narco rap ou baladas folclóricas exaltando as façanhas do cartel.

"Elas são um símbolo de status", disse Septién. "As primeiras que vimos estavam praticamente queimadas e soldadas de maneira muito precária." Hoje em dia, acrescentou ele, "parecem veículos militares".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.