Católicas negras cobram de papa Francisco 'mais que palavras' em luta contra racismo

Fiéis brasileiras apontam falta de representatividade na Jornada Mundial da Juventude

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São Paulo

Após o papa Francisco dar suas bênçãos aos fiéis e encerrar a última missa da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, neste domingo (6), católicas negras disseram se sentir sub-representadas na igreja e, em conversas com jornalistas, pediram que o pontífice faça mais do que discursos para aumentar a parcela negra no catolicismo.

"Quando o papa disse que a Igreja era para todos, sentimos o impacto, mas queremos mais do que palavras", disse a brasileira Adani, 27, uma mulher trans negra e quilombola que acompanhou todo o evento católico nos últimos dias.

Fiéis assistem à missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), ministrada pelo papa Francisco no Parque do Tejo, em Lisboa - Miguel Riopa/AFP

Entre 1,5 milhão de jovens que assistiram ao papa neste domingo, a grande maioria era branca. Tamara Braga, 29, que nasceu em uma favela do Rio de Janeiro, disse ser importante trazer diversidade para o evento. "A igreja tem grande poder para virar o jogo", disse. Na noite de sábado (5), ela participou da missa vestindo uma camiseta com a frase "Jesus era negro".

Desde o início de seu papado, Francisco nomeou mais cardeais da Ásia e da África e deu menos importância do que seus antecessores a países da Europa. No início de julho, por exemplo, ele nomeou 21 cardeais, sendo alguns da Colômbia, Tanzânia, Sudão do Sul, Malásia e Hong Kong.

Neste ano, o pontífice também fez um giro por países africanos e, em um discurso político, incitou a África a "ser protagonista de seu destino". " Tirem as mãos da África! Parem de asfixiar a África! Ela não é uma mina ou um terreno a ser explorado", afirmou na República Democrática do Congo em janeiro.

No início deste ano, o Vaticano reconheceu que documentos papais do século 15 foram usados por potências coloniais para dar legitimidade a suas ações, incluindo a escravidão. Do século 15 ao 19, pelo menos 12,5 milhões de africanos foram sequestrados e transportados à força por navios e mercadores europeus e vendidos como escravos. Os que sobreviveram à viagem acabaram trabalhando em plantações ou garimpos nas Américas, principalmente no Brasil e no Caribe.

O passado influencia o presente. Em um país onde 56% da população se declara negra (preta ou parda), segundo o IBGE, a Pastoral Afro-Brasileira da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) estima que apenas 2,7% dos padres sejam negros. Os dados são de 2020.

Isso quer dizer que, dos 14 mil padres no Brasil naquela época, os negros somavam 380. A situação se repete entre os prelados negros, que são 7,6%, ou 37 de 483. Prelados são autoridades da Igreja, como cardeais, bispos e arcebispos. No Brasil, segundo o diretório da CNBB, há apenas três arcebispos negros. Não há nenhum cardeal negro. Questionada pela Folha, a CNBB disse que não existe nenhum censo que tenha esse dado atualizado.

No Brasil, segundo o censo do IBGE de 2010, católicos somam 64,6% da população. Dentre eles, metade são negros. O órgão ainda não divulgou os dados referentes ao censo de 2022.

"Nossos ancestrais construíram esses espaços e hoje somos uma minoria aqui", disse a fiel e ativista Vanessa Pitangui, referindo-se às igrejas construídas por escravos negros. Ela disse que é crucial envolver o clero na luta contra o racismo para que os negros de todos os lugares possam se sentir pertencentes à Igreja. "Não merecemos nada menos".

Com Reuters

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