Rússia faz ataque maciço com mísseis; Ucrânia atinge pontes na Crimeia

Ação de Moscou veio após navios serem atingidos; reunião de paz na Arábia Saudita acaba sem avanços

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São Paulo

A Rússia executou um dos mais elaborados ataques maciços contra alvos ucranianos na madrugada deste domingo (6). A ação envolveu 70 mísseis e drones, e ocorreu após Moscou ter um navio de transporte militar e um petroleiro atingidos por botes kamikaze no mar Negro.

Ao mesmo tempo, Kiev atingiu duas pontes que ligam a península anexada da Crimeia ao território ocupado pelos russos de Kherson com mísseis de cruzeiro britânicos, com danos superficiais. Um drone ucraniano também foi abatido perto de Moscou.

Na Ucrânia, foi uma noite infernal, como demonstravam os alertas nos canais do governo de Kiev sobre lançamentos e áreas de risco sob aviso de ataque. No auge da ação, foram contados 14 bombardeiros estratégicos Tu-95 no ar na Rússia, disparando mísseis de cruzeiro Kh-101 após as primeiras ondas com drones iranianos Shahed-136.

Bombeiros combatem fogo em universidade de Donetsk, cidade controlada pela Rússia na Ucrânia, após bombardeio de forças de Kiev
Bombeiros combatem fogo em universidade de Donetsk, cidade controlada pela Rússia na Ucrânia, após bombardeio de forças de Kiev - Alexander Ermotchenko - 5.ago.2023/Reuters

Este é o padrão adotado pelos russos em sua campanha aérea desde outubro. Drones kamikaze são enviados em maior quantidade, dando trabalho para a defesa aérea. Kiev disse ter derrubado 27 de 30 lançados sobre vários pontos do país, mas seus destroços causaram estragos.

Na sequência vieram os Kh-101, 14 mísseis de cruzeiro Kalibr lançados de navios no mar Negro e, cereja do bolo, pelo menos três modelos hipersônicos Kinjal, disparados de caças MiG-31K. A Ucrânia disse ter derrubado ao todo 57 das 70 ameaças registradas, mas isso é incerto.

Por fim, houve bombardeio com mísseis balísticos lançados do sistema S-300, um modelo de defesa antiaérea que ambos os lados adaptaram para usar como artilharia na guerra. O foco foi Kharkiv, no norte, perto da região em que os russos têm feito progresso nas últimas semanas.

O Ministério da Defesa em Moscou não classificou a ação de retaliação pelos dois ataques no mar Negro, como havia sido prometido pela chancelaria no sábado (5). Isso pode ou não significar que algo mais impactante estará a caminho.

Em seu boletim diário, a pasta afirmou que o foco das ações foram bases aéreas em Starokonstantinov e Dubno, ambas na região oeste do país. As duas instalações sofreram danos grandes, segundo canais militares russos e ucranianos. Distantes das linhas de frente a leste, elas são essenciais para o apoio aéreo de Kiev na guerra.

Simbolicamente, há o fato de que neste domingo a Ucrânia celebra o seu Dia da Força Aérea. Ao todo, morreram no país três pessoas com os bombardeios.

Os ataques na Crimeia ocorreram na tarde deste domingo (manhã no Brasil). Foram alvejadas pontes em Tchongar e Henitatchesk. O governo da Crimeia disse que houve danos superficiais e que o tráfego foi desviado, mas que o caminho usado para suprir tropas não precisou ser fechado.

A primeira obra já havia sido atingida por um míssil britânico Storm Shadow em junho, mas não foi bloqueada. Elas ficam no norte da península e ajudam a ligação terrestre até a Rússia, pelas áreas ocupadas no sul. Não houve ataques registrados à ponte principal da península, em Kertch.

No mar Negro, não houve novos ataques com drones aquáticos, e a Rússia afirmou que tem os meios necessários para anular a ameaça de bloqueio a seus portos na região, feito pela Ucrânia. De fato, Kiev só tem como ameaçar com os sorrateiros drones, o que já é um problema grande para os russos —só do porto de Novorossisk, alvo de um dos ataques na sexta (5), saem 2% da produção mundial de petróleo. A limitada Marinha de Kiev foi arrasada já no começo da guerra, em 2022, e agora a luta é assimétrica e incerta.

Ao longo da frente de batalha, novos combates ocorreram no sul e no leste, com tentativas frustradas dos ucranianos de romper de forma decisiva as posições russas. Essa é uma dificuldade recorrente até aqui na contraofensiva iniciada por Volodimir Zelenski em junho, que vem gerando questionamentos e temores entre seus apoiadores no Ocidente.

Em Donetsk, cidade que desde 2014 está na mão de separatistas pró-Rússia, uma universidade foi atingida por bombardeio ucraniano com, segundo a prefeitura local, bombas de fragmentação fornecidas pelos EUA. Parte do prédio pegou fogo. O envio das armas foi condenado por aliados de Washington signatários do acordo que as bane, por deixarem pequenas bombas não explodidas como rastro por anos.

Reunião sobre paz acaba sem avanços

Politicamente, Kiev tentou cantar vitória diplomática neste fim de semana com a realização de uma conferência de paz em Jedá, na Arábia Saudita, com 42 países —incluindo a aliada russa China, nações não alinhadas que condenaram a invasão, como o Brasil, ou que nem isso fizeram, como a Índia. A Rússia não foi convidada.

Zelenski esteve presente, sendo recebido pelo príncipe Mohammed bin Salman, o verdadeiro líder do reino. Se houve o sucesso do evento em si, ele serviu para todos concordarem em suas discordâncias.

Elas ficaram claras na fala do enviado chinês, Li Hui, a repórteres. "Nós temos muitas desavenças e ouvimos posições diferentes, mas é importante que nossos princípios sejam compartilhados", afirmou, dando o caráter da inocuidade neste momento do evento, o segundo do tipo. Uma terceira reunião ficou combinada.

Celso Amorim, assessor diplomático do governo Lula, presente via videoconferência, resumiu a posição brasileira, dizendo que ambos os lados precisam ter suas preocupações ouvidas, repetindo a neutralidade do país —o presidente brasileiro se envolveu em diversas polêmicas por criticar tanto Zelenski quanto Vladimir Putin pela guerra iniciada pelo russo.

"Isso não é apenas um conflito entre Rússia e Ucrânia. É também um capítulo da longa rivalidade entre a Rússia e Ocidente", afirmou, defendendo ser necessário entender o contexto histórico da crise. Para o Ocidente liderado pelos EUA e para Kiev, a frase óbvia é vista como herética.

A grande ausente, a Rússia, tripudiou. "O encentro reflete a tentativa continuada, fútil e condenada do Ocidente de mobilizar a comunidade internacional, mais precisamente o Sul Global, se não toda ela, para apoiar a chamada fórmula Zelenski, que está condenada e é inalcançável desde o começo", afirmou neste domingo o vice-chanceler Serguei Riabkov.

Sul Global é o jargão diplomático para países não alinhados com o conglomerado formado por EUA e seus aliados, como o Brasil, a Índia, a Indonésia e, em menor medida dado seu peso relativo maior, a China. Já a fórmula Zelenski é o plano de dez pontos de Kiev, que basicamente exige a devolução de todo o território tomado pelos russos, incluindo a Crimeia anexada em 2014, e garantias de segurança.

Já em uma entrevista ao jornal The New York Times, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, voltou a dizer que a Rússia não tem interesse em conquistar toda a Ucrânia. Talvez da forma mais clara até aqui, o que não quer dizer muito dado que promessas semelhantes já foram feitas antes, ele afirmou: "Nós só queremos controlar a terra que está agora inscrita na Constituição como nossa", afirmou.

Em outras palavras, os cerca de 20% do território anexado de forma ilegal em 2014, caso da Crimeia, e em setembro passado, caso de Zaporíjia e Kherson, ao sul, e Donetsk e Lugansk, ao leste.

Riabkov disse que discutiria a reunião de Jedá com os membros do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na reunião do bloco no fim deste mês, na África do Sul. "Mas não há espaço para negociação agora. A operação militar especial [eufemismo russo para a guerra] continuará no futuro visível", afirmou à agência Tass.

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