Nova York falha em cumprir lei de acolhimento e assiste a enxurrada de imigrantes

Cidade-símbolo dos EUA tem lei que obriga a concessão de asilo a solicitantes, mas abrigos estão sobrecarregados

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Andy Newman
Nova York | The New York Times

Eles chegaram da Colômbia e do Chade, do Burundi, do Peru, assim como da Venezuela ou de Madagascar. Tinham escutado que Nova York era um lugar seguro para imigrantes —um local para viver e para se reerguerem. Ao chegar na cidade mais populosa dos Estados Unidos, descobriram que o que ouviram não era verdade.

Dois, três ou quatro dias mais tarde, ainda estavam enfileirados do lado de fora do centro de recepção de migrantes da cidade, no Roosevelt Hotel, na esquina do Terminal Grand Central. Eram 200 pessoas, quase todas homens dormindo na calçada. Estavam com as cabeças apoiadas sobre mochilas e sacos de lixo contendo seus pertences ao seu lado. Os rostos visíveis de um sistema oficialmente falido.

Há mais de um ano, candidatos a asilo chegam a Nova York em números recordes, oriundos de todas as partes do mundo —o que quase dobrou a população de sem-teto. Hoje, há mais de 100 mil pessoas vivendo em abrigos na cidade.

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Migrantes esperando para serem processados na fila do lado de fora do Roosevelt Hotel em Manhattan - Jeenah Moon - 01.ago.23/The New York Times

Diferentemente de outras cidades dos EUA, especialmente no oeste do país, onde milhares de pessoas vivem nas ruas por falta de outras opções, Nova York tem a obrigação legal de dar abrigo a quem pedir.

Mas os abrigos estão lotados. Com migrantes continuando a chegar, a prefeitura montou barracas, juntou um portfólio imenso de hotéis e prédios comerciais convertidos em espaços habitacionais e entregou passagens a migrantes para irem para outros lugares. Nada disso tem sido suficiente, porém.

O prefeito Eric Adams pediu assistência estadual e federal, dizendo que a cidade está sobrecarregada. E, cada vez mais, autoridades municipais começam a opor resistência à obrigação legal da cidade de abrigar pessoas sem-teto.

Mohammadou Sidiya, 20, da Mauritânia, estava ao lado de um amigo em uma manhã da semana passada. Eles tinham viajado mais de um mês para chegar a Nova York. Em árabe, com a ajuda de tradução digital, Sidiya disse que eles viajaram em busca de segurança —mas fracassaram.

Um cartaz em tom alegre a alguns metros de distância os provocava: "Sejam bem-vindos ao centro de acolhimento! Não temos mais vagas."

De um lugar que estava conseguindo lidar com um fluxo incessante de candidatos a asilo, mesmo que com dificuldade, Nova York se converteu em um lugar que se declarou derrotado.

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Migrantes esperam na fila do lado de fora do Roosevelt Hotel, em Nova York - Jeenah Moon -01.ago.23/The New York Times

Na semana passada ainda havia leitos suficientes para a cidade conseguir honrar sua obrigação legal de oferecer abrigo a todos que o procuravam. Mas, em algum momento do fim de semana, tudo mudou.

Não foi dada nenhuma explicação. Simplesmente, na segunda-feira o prefeito declarou: "Não há mais lugar". E disse também: "Daqui para frente a situação só vai piorar."

Advogado da Sociedade de Assistência Jurídica, Josh Goldfein moveu a ação que levou ao direito a abrigo há mais de 40 anos. Ele acredita que as pessoas dormindo do lado de fora do Roosevelt Hotel estavam ali porque o prefeito estaria tentando pressionar Washington a dar maior assistência e ainda desencorajar mais migrantes de irem à cidade.

"Existem muitas maneiras em que a prefeitura poderia abrigar todos que estão naquela calçada, se ela tivesse a intenção de fazer", opinou Goldfein.

Fabien Levy, um porta-voz do prefeito, argumenta que os 194 locais abertos pela prefeitura para receber migrantes estão lotados. "Nossas equipes veem os locais ficarem lotados diariamente. Fazemos o que podemos para oferecer vagas onde há espaço disponível."

Ele acrescentou que Nova York vai abrir dois grandes centros de assistência humanitária nas próximas semanas, incluindo uma megatenda com espaço para mil pessoas no estacionamento do hospital psiquiátrico estadual em Queens. A prefeitura estima que os migrantes vão custar mais de US$ 4 bilhões (R$ 19 bilhões) à cidade ao longo de dois anos.

Levy também disse que o último domingo (30) foi a primeira noite que o Roosevelt não conseguiu oferecer um espaço a todos os migrantes para passarem a noite —mesmo que sentados em uma cadeira. Segundo ele, alguns haviam sido enviados para outro hotel em noites anteriores, onde puderam dormir numa cama de acampar. Disse que quaisquer migrantes que dormiram na calçada o fizeram por escolha própria e ainda destacou que eles tinham acesso a ônibus com ar condicionado.

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Imigrantes são alimentados em fila de espera para receber asilo em Nova York - David Dee Delgado - 31.jul.23/The New York Times

Atrás de Sidiya na fila estava Erick Marcano, um trabalhador da Venezuela. Ele contou que entrou sábado (29) na espera e que, nos três dias seguintes, ele só conseguiu andar o total de uma quadra, da esquina da rua 46 para a da 45. Usou o tempo para criar um chapéu de sol eficaz, enfiando uma pedaço de caixa de papelão com um buraco cortado nele sobre a aba de seu boné de beisebol.

Marcano atravessara a fronteira alguns dias antes e recebera ajuda de um grupo de defesa de imigrantes. "Nos perguntaram no Texas para onde queríamos ir nos Estados Unidos e disseram que pagariam a passagem. Avisamos que queríamos vir para Nova York", contou.

"Me mandaram ter paciência e aguardar do lado de fora do Roosevelt", disse. Enquanto isso, famílias com crianças têm entrado e saído da entrada do hotel, mais adiante no quarteirão. A prefeitura prioriza o atendimento a elas, de modo que apenas adultos são deixados ao relento.

O governador do Texas, o republicano Greg Abbott, fretou alguns dos ônibus que levaram pessoas a Nova York, no intuito de colocar pressão política sobre líderes democratas. Mas a grande maioria dos migrantes chegou à cidade de outras maneiras.

A Sociedade de Assistência Jurídica ameaçou levar a prefeitura de volta aos tribunais. Goldfein disse que a governadora Kathy Hochul também precisava oferecer mais recursos e ajuda para oferecer alojamento às pessoas em menos tempo.

"Temos a esperança de que o Estado cumpra suas obrigações e que a prefeitura modifique algumas coisas que está fazendo para tirar as pessoas das ruas", frisou Goldfein. "Mas, se não o fizerem, teremos que adotar qualquer ação que for apropriada para proteger nossos clientes."

À medida que a tarde avançava, Ariana Diaz, 34 anos, recém chegada da Venezuela via a Baixa Califórnia, assumiu seu lugar no final da fila. Ela pagara por sua própria passagem de avião da Costa Oeste, contando com uma acolhida mais calorosa em Nova York.

Alguém lhe perguntou onde ela passaria a noite. "Nem sei onde estou agora", ela respondeu.

Tradução de Clara Allain

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