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Super-heróis e atrocidades se cruzam no museu do Holocausto em videogame

Alternativa de memorial no jogo Fortnite ganha elogios cautelosos diante de polêmicas e obstáculos

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Zachary Small
The New York Times

Havia uma lista de precauções que Luc Bernard teve que tomar antes de abrir as portas de seu museu virtual do Holocausto no videogame Fornite. Nada de tiros, nada de gritos, nada de breakdance.

Essas ausências desafiam as regras usuais de um dos games mais populares do mundo, em que os jogadores podem se vestir de hambúrgueres de olhos esbugalhados para trocar tiros com John Wick e Batman. Mas a Epic Games, ansiosa para manter as pessoas em seus servidores pelo máximo de tempo possível, agora abriu terrenos em seus mundos para praticamente qualquer pessoa que tenha uma ideia.

Museu do Holocausto montado dentro do jogo Fornite por Luc Bernard
Museu do Holocausto montado dentro do jogo Fornite por Luc Bernard - Epic Games/The New York Times

Agora o publisher do jogo, que não participou do desenvolvimento do museu do Holocausto mas orientou Bernard sobre como seguir suas diretrizes, está tendo que avaliar tópicos sensíveis que podem virar fiascos de relações públicas se houver um passo em falso. O risco de propagar imprecisões históricas também preocupa os educadores sobre o Holocausto, embora vários deles vejam com bons olhos o esforço para alcançar públicos mais jovens. "Com a ascensão da negação do Holocausto e outras formas de antissemitismo, é importante que novas gerações pelo mundo aprendam a verdade sobre o Holocausto", disse Sara J. Bloomfield, diretora do Museu Memorial do Holocausto americano.

"Oportunidades online podem ajudar a promover esse objetivo. Num momento em que a confiança vem caindo de maneira geral, os museus, por exporem artefatos autênticos, ainda são fontes em que as pessoas confiam. Para conservar essa confiança, é necessária a adesão rigorosa à precisão histórica."

Depois que seu museu virtual abriu as portas ao público, Bernard recebeu o New York Times em uma tour no museu Voices of the Forgotten (vozes dos esquecidos), que promete ensinar "sobre os heróis que salvaram vidas de judeus no Holocausto e os membros judeus da Resistência". Seu avatar estava vestido de Homem-Aranha, e alguns jogadores curiosos percorreram as galerias com suas próprias fantasias e usando nomes como DoctorLlamaLord.

A arquitetura do museu se assemelha a uma mansão moderna nos arredores de Miami com janelas grandes e piso de mármore reflexivo. Depois de um pequeno saguão, a exposição começa com informação sobre a Noite dos Cristais, os ataques de 1938 contra judeus na Alemanha nazista que são vistos como o início do Holocausto.

"O ódio está em ascensão em todo o mundo, e acho que precisamos de ferramentas para tornar as pessoas mais empáticas", disse Bernard em uma chamada pelo Zoom, usando óculos de sol e fumando um cigarro eletrônico. Ele observou que centenas de milhões de dólares já foram gastos com museus do Holocausto, mas que apenas 20% dos americanos já foram a um deles.

A maioria das imagens e dos cartazes no museu do Fortnite aborda aspectos menos conhecidos do Holocausto, em que cerca de 6 milhões de judeus foram massacrados, além de figuras que podem escapar do olhar de uma instituição tradicional. Bernard, 37, dedicou seções ao pogrom de Tripolitânia (um dos ataques mais sanguinários contra judeus no norte da África) e a Willem Arondéus (membro da resistência holandesa contra os nazistas).

Mas a informação no museu é restrita a algumas frases curtas sobre cada tópico, e alguns dos textos, incluindo o resumo sobre Arondéus, foram copiados de verbetes da Wikipedia.

Bernard, que trabalha na indústria de videogames há mais de uma década, confirmou que usou a Wikipedia e disse, sem dar maiores detalhes, que cruzou as informações com outras fontes. Neste ano, ele também lançou um game intitulado "The Light in the Darkness" (a luz nas trevas), que procura educar adolescentes e jovens sobre o Holocausto.

Alan Cooper, um porta-voz da Epic, disse que todos os projetos feitos no Fortnite –que incluem mapas com um dragão de gelo e uma fuga da prisão— são sujeitos às regras aplicadas a criadores e às diretrizes. A empresa ajudou Bernard a avaliar o conteúdo legalmente –não pode ser sanguinário ou perturbador—, mas ele é o responsável pelas afirmações apresentadas no museu. "Revemos e atualizamos essas regras regularmente com base no crescimento e desenvolvimento contínuo de nosso ecossistema", disse Cooper.

A decisão da Epic de cooperar estreitamente com Bernard foi tomada alguns meses depois de a ONG judaica Liga Antidifamação (ADL) ter dito que as políticas da empresa em relação aos negacionistas do Holocausto merecem nota "F" devido aos nomes de usuários de temática nazista.

Uma porta-voz da Epic disse que a nota não reflete o trabalho empreendido pela empresa para remover nomes de usuário que violam suas regras e destacou que a Epic usa ferramentas automatizadas e moderadores humanos para prevenir discursos de ódio e linguagem depreciativa.

Em comunicado sobre o museu dentro do game, Jonathan Greenblatt, executivo-chefe da ADL, disse que, "enquanto a indústria de games não puder mudar as normas sobre ódio e ataques em games online de múltiplos jogadores, não poderemos encarar experiências como essas como uma verdadeira alternativa às formas mais tradicionais de educação sobre o Holocausto".

Alguns museus tradicionais do Holocausto vêm manifestando apoio cauteloso a Bernard, atacado nas redes sociais por negadores do Holocausto e o supremacista branco Nick Fuentes depois de anunciar seu projeto no Fortnite. Outros especialistas apontaram para polêmicas passadas quando temas sérios foram discutidos no Fortnite.

Um evento oficial lembrando o reverendo Martin Luther King Jr. em 2020 permitiu que usuários vissem imagens da era da luta pelos direitos civis e assistissem ao discurso "Eu tenho um sonho". Mas a mensagem dele foi justaposta com telas de carregamento padrão para todos os jogadores de Fortnite que incluíam a mensagem "mire na cabeça!", e os jogadores puderam usar emotes que lhes permitiam dançar e estalar um chicote (a capacidade de emote foi desativada pela Epic mais tarde na experiência de King).

A Epic disse que mais de 8 milhões de jogadores assistiram ao evento. O memorial real a Martin Luther King, em Washington, recebe cerca de 3,3 milhões de visitantes por ano.

O Fortnite tem 70 milhões de jogadores ativos por mês, e alguns educadores do Holocausto estão otimistas quanto às chances de o Voices of the Forgotten servir de modelo de como se comunicar com jovens onde eles estão: no mundo dos games.

Sem os números de público, ainda é cedo para dizer qual será o impacto do museu, mas Bernard diz que alguns museus do Holocausto o procuraram para parabenizá-lo por seu esforço.

"Precisamos pensar nos jovens", disse ele. "Eu quis mostrar histórias positivas sobre líderes da resistência, para que eles tivessem alguém para admirar."

Tradução de Clara Allain

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