Turba queima igrejas após insulto ao Alcorão, e tropas cercam bairro no Paquistão

Centenas de cristãos fogem de casa em Jaranwala; polícia diz ter detido suspeitos de suposta blasfêmia, cuja pena é a morte

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Lahore (Paquistão) | Reuters

A polícia e paramilitares cercaram nesta quinta-feira (17) uma colônia cristã em Jaranwala, no leste do Paquistão, onde muçulmanos incendiaram igrejas e dezenas de casas após dois homens que viviam no local serem acusados de profanar o Alcorão. Centenas fugiram durante e após a destruição.

O ataque aconteceu na quarta (16) e continuou por mais de dez horas sem qualquer intervenção da polícia que estava no distrito industrial de Faisalabad, segundo moradores e líderes comunitários. A polícia nega a acusação, afirmando que as forças de segurança evitaram que a situação piorasse.

Policiais e residentes em meio a destroços ao lado de igreja em Jarawanla, distrito da cidade de Faisalabad, no leste do Paquistão
Policiais e residentes em meio a destroços ao lado de igreja em Jarawanla, distrito da cidade de Faisalabad, no leste do Paquistão - Aamir Qureshi/AFP

Os vândalos exigiam que os dois homens acusados, que haviam fugido de suas casas, fossem entregues a eles. Moradores afirmam que, durante os tumultos, milhares de pessoas lideradas por clérigos locais carregavam barras de ferro, paus, facas e punhais.

Um comunicado do governo provincial informa que paramilitares foram enviados para ajudar a polícia a controlar a situação. As tropas cercaram a comunidade cristã utilizando arame farpado em bloqueios constituídos em todos os pontos de entrada e saída, de acordo com um jornalista da agência Reuters.

Centenas de cristãos buscaram refúgio em um distrito próximo, segundo o líder comunitário Akmal Bhatti. Ele afirma que quatro pastores haviam retornado às igrejas, que ainda estavam em chamas, e que pelo menos 50 casas estão completamente destruídas.

"Os vândalos arrastaram objetos pesados das casas, os incendiaram nas ruas e levaram pequenos objetos de valor que conseguiam carregar facilmente", diz Bhatti.

O líder do governo provincial, Mohsi Naqvi, afirma que levará de três a quatro dias para restaurar a ordem completa na área e prometeu compensar as perdas, dizendo que isso é "responsabilidade do governo". Ainda não há estimativas de qual será o custo.

Naqvi também compartilhou uma publicação na qual, segundo a polícia da província de Punjab, "os dois principais acusados do incidente foram presos, e a investigação, iniciada". "Insultar livros e lugares sagrados é ilegal no islã e em nossa lei e não será tolerado em nenhuma circunstância", escreveu nas redes sociais o perfil da polícia.

O pastor Javed Bhatti ao lado de sua casa queimada na colônia cristã de Jaranwala, em Faisalabad, no Paquistão
O pastor Javed Bhatti (esq.) ao lado de sua casa queimada na colônia cristã de Jaranwala, em Faisalabad, no Paquistão - Aamir Qureshi/AFP

A ONG de direitos humanos Anistia Internacional pediu às autoridades paquistanesas que garantam a proteção de minorias. "A violência cruel da multidão é só a última manifestação da ameaça da violência de vigilantes que qualquer pessoa pode enfrentar no Paquistão após uma acusação de blasfêmia."

O governo relatou que a polícia prendeu mais de cem suspeitos por tumultos e depredações e ordenou uma apuração sobre o incidente, segundo a Reuters. A rede Al Jazeera afirma que já são 146 presos.

A blasfêmia é punível com a morte no Paquistão e, embora ninguém tenha sido executado pelo crime no país, muitos acusados foram linchados por multidões indignadas após a disseminação de boatos. Um ex-governador provincial e um ministro das minorias foram mortos a tiros devido a acusações do tipo.

Grupos de direitos humanos afirmam que denúncias de blasfêmia são por vezes usadas como acerto de contas. Centenas de pessoas estão presas depois de serem acusadas do crime no Paquistão, em um contexto em que juízes não raro adiam julgamentos sob temor de retaliação caso sejam considerados muito lenientes, ainda de acordo com organizações de direitos humanos.

"Violência ou ameaça de violência nunca são formas aceitáveis de expressão, e pedimos a autoridades paquistanesas que conduzam uma investigação completa sobre as alegações feitas e peçam calma aos envolvidos", afirmou Vedant Patel, porta-voz adjunto do Departamento de Estado dos EUA, na quarta. "Estamos profundamente preocupados com o fato de igrejas e casas terem sido alvo."

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