Descrição de chapéu Financial Times China forças armadas

Xi mira corrupção militar ao ver frustradas suas reformas nas Forças Armadas

Grupo responsável por dissuasão nuclear em terra é alvo de investigações que lembram caso do agora ex-chanceler Qin Gang

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Kathrin Hille e Edward White
Taipé e Seul | Financial Times

Xi Jinping lançou uma nova campanha para impor a disciplina do Partido Comunista e combater a corrupção nas Forças Armadas da China. É um sinal de que o esforço que o líder chinês vem fazendo há uma década para exercer controle rígido sobre os militares não tem surtido o efeito desejado.

Em duas reuniões de alto nível em Pequim neste mês, Xi disse a líderes militares que eles precisam "se concentrar em resolver os maiores problemas que persistem nas organizações partidárias em todos os níveis, visando a impor a liderança absoluta sobre as Forças Armadas".

A Comissão Militar Central (CMC), o órgão superior de liderança militar presidido por Xi, pediu neste mês o estabelecimento de "um sistema de aviso precoce de riscos à integridade nas Forças Armadas". O órgão ainda anunciou uma investigação sobre corrupção na aquisição de equipamentos nos últimos seis anos.

Telão exibe o líder Xi Jinping no Museu Militar da Revolução do Povo, em Pequim
Telão exibe o líder Xi Jinping no Museu Militar da Revolução do Povo, em Pequim - Florence Lo - 8.out.22/Reuters

A renovação da campanha para implementar a disciplina partidária ocorre no momento em que vários oficiais de alta patente da Força de Foguetes do Exército de Libertação Popular (ELP), responsável pelos arsenais chineses de mísseis nucleares e convencionais, desapareceram das vistas públicas, muitas vezes um sinal de uma investigação. O ex-chanceler Qin Gang se ausentou de compromissos públicos por um mês até ser substituído na semana passada por seu predecessor, Wang Yi.

Comandante da Força de Foguetes do ELP, Li Yuchao não foi citado em relatórios oficiais da promoção feita por Xi de generais seniores em junho. Uma pessoa que recebeu um relato sobre a cerimônia disse que Li também faltou a esse evento, uma situação que especialistas consideraram "altamente anômala".

Segundo a consultoria canadense Cercius, que acompanha a política chinesa, a situação de cerca de dez oficiais atuais e anteriores da Força de Foguetes é incerta. Entre eles figuram Li e seu vice, Liu Guangbin.

"Pode ser que alguns ou mesmo todos os indivíduos em questão, incluindo atuais e antigos comandantes, tenham sido detidos por disciplina ou corrupção", diz Rod Lee, diretor de pesquisas do Instituto de Estudos Aeroespaciais da China na Universidade da Força Aérea americana e um dos maiores especialistas na Força de Foguetes.

O jornal South China Morning Post divulgou na última sexta que vários oficiais da Força de Foguetes do ELP, incluindo Li Yuchao e seu vice Liu, foram investigados. O inquérito não foi anunciado oficialmente, e o Financial Times não conseguiu confirmar independentemente quais seriam os alvos da apuração.

Mas a Cercius apontou para prisões no final do ano passado de oficiais de patente inferior com elos com a Força de Foguetes, dizendo serem indícios de uma apuração mais ampla. É comum que a averiguação de funcionários de nível inferior seja seguida pela prisão por corrupção de nomes de escalão mais alto.

No início de junho, a Comissão Central de Inspeção Disciplinar, poderoso órgão de vigilância interna do partido, anunciou que mais de 39 oficiais militares seniores e funcionários políticos de alto escalão foram presos desde o 20º congresso do partido, em outubro. Mas os nomes de todos não foram divulgados.

Sob Xi, o líder chinês mais poderoso desde Mao Tse-Tung, uma cruzada anticorrupção tem servido para eliminar rivais e punir a corrupção endêmica. Desde 2012, quase 5 milhões de funcionários de nível mais baixo e milhares de chamados "tigres" —de nível mais alto— foram capturados, além de executivos nas indústrias de tecnologia, finanças e energia e até mesmo membros de órgãos de vigilância anticorrupção.

Não está claro ainda se a atenção renovada de Xi sobre os militares se deveu a um caso específico ou a preocupações maiores com lealdade política. A Força de Foguetes é um dos ramos de maior importância estratégica do ELP, responsável pelo dissuasão nuclear em terra chinesa, em rápida expansão, e também pelos sistemas de mísseis que serão cruciais para um potencial ataque a Taiwan e para os esforços de negar às forças dos EUA a liberdade de acesso ao Pacífico.

Dois funcionários estrangeiros de alto escalão a par de inteligência relacionada ao tema disseram que os líderes da Força de Foguetes estão sendo investigados pelo vazamento de informações militares. "O que provocou a investigação foi o fato de que nós, fora da China, já conhecemos com detalhes a estrutura da Força de Foguetes", disse um deles. "O que está sendo investigado é a divulgação de segredos."

Segundo Phillip Saunders, diretor do Centro para o Estudo de Questões Militares Chinesas na Universidade Nacional de Defesa americana, as Forças Armadas foram um dos primeiros alvos de Xi depois de ele chegar ao poder, quando lançou uma revisão para afirmar sua autoridade sobre um órgão que ele julgou que havia começado a decair e a sair do controle do Partido Comunista. Dois ex-vice-diretores da Comissão Militar Central foram processados por corrupção em 2014.

"Passados dez anos, há uma nova geração de líderes e um pouco daquele medo da campanha anticorrupção desapareceu", diz Saunders. "É preciso periodicamente voltar a enfatizar a campanha contra a corrupção e reenfatizar politicamente o tema da lealdade ao partido."

Antes do Dia do ELP, em 1º de agosto, data que marca a fundação das Forças Armadas do Partido Comunista, a imprensa oficial publicou artigos exortando os quadros partidários a "fortalecer a governança militar". "O fato de voltarem a falar desses problemas é uma maneira codificada de dizer que a lealdade absoluta ao partido ainda não foi alcançada", diz Lyle Morris, do Centro de Análises da China do Asia Society Policy Institute e ex-diretor da área da China no gabinete do secretário de Defesa dos EUA.

"Xi consolidou seu controle do ELP de forma inusitada. Mas não significa que exerça controle absoluto."

Nos últimos dez anos, Xi transferiu organizações de vigilância militar como o grupo de auditoria e a comissão de inspeção disciplinar para a Comissão Militar Central, para evitar conluios com outros departamentos. Ele revigorou os órgãos do partido nas Forças Armadas e criou um conjunto de regulações que visam a limitar a margem de manobra que os comandantes têm para praticar a corrupção.

O mais importante, porém, é que ele concentrou o controle dos militares em suas próprias mãos, elevando os poderes do presidente do CMC e consagrando essas modificações na carta do Partido Comunista.

Alguns especialistas disseram que a investigação mais recente é indício de que essas reformas não surtiram efeito. "É óbvio que algumas pontas foram deixadas soltas na seleção dos líderes da Força de Foguetes. Como Xi escolheu essas pessoas, sua liderança está comprometida", diz Andrew Yang, ex-ministro da Defesa de Taiwan. "Agora ele precisa neutralizar o impacto negativo sobre os militares."

Tradução de Clara Allain

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