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China 'apaga' chanceler sumido e evita perguntas sobre demissão

Porta-voz de ministério desvia de questões sobre saída, e site da pasta não traz mais resultados para buscas sobre Qin Gang

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David Pierson
The New York Times

A súbita remoção de Qin Gang do cargo de ministro das Relações Exteriores da China não deteve as perguntas que perseguiram as autoridades do país asiático desde que ele desapareceu da vista do público: onde está Qin? Ele tem problemas de saúde? Está sendo investigado?

Representantes do ministério têm dificuldade para responder quando pressionados por repórteres, dizendo repetidamente não ter informações a dar. Depois que Pequim o substituiu, na terça-feira (25), quase todas as referências a Qin foram apagadas do site do ministério, um cancelamento incomum que apenas aprofundou os rumores. Na quinta (27), questionada por um repórter se a China havia sido transparente sobre a demissão de Qin, uma porta-voz criticou o que chamou de "exagero malicioso".

O ex-chanceler da China Qin Gang durante encontro no Cairo, no Egito
O ex-chanceler da China Qin Gang durante encontro no Cairo, no Egito - Mohamed Abd El Ghany - 15.jan.23/Reuters

Para um departamento encarregado de falar com o mundo exterior, a resposta hesitante da chancelaria ao desaparecimento de seu principal funcionário destaca a fragilidade do aparato diplomático da China sob Xi Jinping. Líder mais poderoso desde Mao Tse-tung, ele concentrou o poder e reforçou o sigilo num sistema já altamente opaco, sem se importar com o custo para a imagem internacional do país.

Xi diminuiu a autoridade do ministério, dizem analistas, ao seguir uma política externa cada vez mais assertiva e, segundo alguns, arriscada. "A burocracia da pasta tem perdido sua influência sobre a política externa durante a maior parte da era Xi, com decisões sobre questões-chave como Taiwan ou EUA sendo tomadas dentro do Partido Comunista e dominadas por Xi", disse Jude Blanchette, que detém a Cátedra Freeman de Estudos da China no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington.

Xi presidiu o pior relacionamento bilateral de Pequim com Washington em décadas; reforçou agressivamente a reivindicação da China sobre a ilha autônoma de Taiwan; e, diante de críticas generalizadas, continua comprometido a apoiar a Rússia, apesar da invasão da Ucrânia.

Xi também é considerado o responsável pela ascensão meteórica de Qin, permitindo-lhe ultrapassar diplomatas mais experientes ao ser nomeado ministro das Relações Exteriores no final do ano passado, depois de servir apenas 17 meses como embaixador em Washington. "Os parâmetros básicos da política externa de Pequim estão muito bem definidos e, portanto, uma única mudança de pessoal, especialmente a de Qin Gang, não modificará essa trajetória", disse Blanchette. "Qin Gang não é Henry Kissinger."

Salientando as bizarras circunstâncias do afastamento de Qin, a página do chanceler no site do ministério diz apenas: "Atualizando informações…". As buscas por seu nome não oferecem resultados, como se ele nunca tivesse existido no serviço público. Isso significa que não há referências a seus encontros anteriores com colegas estrangeiros nem a seus discursos ou visitas oficiais ao exterior.

O apagamento remonta aos dias de Mao, quando os inimigos políticos foram eliminados de fotos e documentos oficiais. Também sugere que ele inesperadamente entrou em conflito com a liderança do partido e não sofreu um problema de saúde, como havia sugerido o ministério no início deste mês, ao ser questionado por que Qin não participou de uma reunião de países do Sudeste Asiático na Indonésia.

Na quarta (26), a pasta pareceu novamente surpresa quando sua porta-voz, Mao Ning, não conseguiu responder a pelo menos 20 perguntas sobre Qin em uma entrevista coletiva em Pequim. Mao disse repetidamente aos repórteres que eles deveriam consultar a mídia estatal para obter mais informações e riu brevemente quando um deles pareceu surpreso com a insistência de que a situação era "muito clara".

A transcrição oficial do briefing omitiu as questões sobre Qin, aumentando o sabor orwelliano do caso. A resposta desajeitada reflete em parte como o ministério é encarregado de explicar e implementar os amplos objetivos da liderança do partido, sem necessariamente ter acesso ao seu pensamento.

Às vezes, a mensagem da liderança é clara. A adoção pelo Ministério das Relações Exteriores nos últimos anos de uma conduta agressiva conhecida como "diplomacia do lobo guerreiro" refletiu os apelos de Xi para que a China seja mais assertiva no cenário global. Em outras, diplomatas tiveram que se proteger.

Joseph Torigian, professor assistente da American University e pesquisador da elite política na China, narrou um caso que lhe foi contado por um historiador do partido: nos anos 1980, um membro da chancelaria responsável por analisar se a China deveria retomar os elos com a União Soviética escreveu dois relatórios com posições opostas, porque ainda não sabia qual seria a preferida do líder chinês de fato na época, Deng Xiaoping. "Todo o jogo é aderir o mais próximo possível ao que o líder deseja. Nesse sentido, o ministério sempre foi uma organização que executa políticas, não uma que delibera."

Qin foi substituído por seu antecessor, Wang Yi, diplomata sênior que passou as últimas semanas realizando reuniões com altos funcionários estrangeiros, incluindo John Kerry, enviado do presidente Joe Biden para mudanças climáticas, e Josep Borrell, principal diplomata da União Europeia.

Como membro do Politburo, o conselho das 24 autoridades mais graduadas da China, Wang deveria ter mais acesso a Xi do que os chanceleres anteriores, embora isso não garanta mais influência na formulação de políticas. Ainda não se sabe se Wang é só um substituto –outra questão que a porta-voz se recusou a esclarecer. Seja como for, ele retorna à posição anterior, já que a China tenta desempenhar um papel maior do que nunca nos assuntos globais, com Xi, não diplomatas, no centro desses esforços.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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