Podcast explica como influência dos EUA sobre Coreia do Sul moldou o k-pop

NPR traça origem de gênero à penetração histórica de paladar artístico americano na península

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São Paulo

A Coreia do Sul exportou no ano passado US$ 13 bilhões (R$ 65 bilhões, na cotação atual) em filmes e músicas, consolidando sua posição como um dos gigantes desse mercado. É o que mostra detalhadamente um podcast recente da NPR, a rádio pública dos Estados Unidos, cujo tema é como a cultura coreana se globalizou.

Grupo de k-pop NCT Dream faz show no Estádio de Beisebol Jamsil, em Seul - Jung Yeon-je - 18.jun.2022/AFP

Não se trata de um desempenho notável que partiu apenas de um grupo dinâmico de empresários. O mergulho sul-coreano no entretenimento fez parte de um projeto em que o Estado entrou de modo pesado com estímulos e financiamento, seguindo a ideia de deixar definitivamente para trás aquele país empobrecido de meados dos anos 1950, que havia sobrevivido a uma guerra de três anos com a comunista Coreia do Norte e que na época sofria os efeitos políticos de uma ditadura militar.

As entrevistas reunidas pela NPR demonstram que a responsabilidade das empresas sul-coreanas sobre o domínio de sua produção no mercado asiático de telenovelas ou sobre o peso mundial da música chamada genericamente de k-pop é bem relativa. Por trás do sucesso comercial, há a estratégia de projeção da marca do país (um "soft power") por meio, repito, de um pesado apoio oficial.

O entretenimento se tornou um dos três pés de um aparelho industrial que também reúne os setores eletrônico e automobilístico. A Coreia do Sul se tornou um produtor importante do último em 1976. Foi quando a Hyundai lançou o Pony, desenhado por estilistas italianos e com o qual o país começou a disputar mercado com as montadoras japonesas. O automóvel e o computador seriam, assim, ramificações do mesmo tronco do qual nasceu a música k-pop.

Pode-se perguntar de que maneira surgiu um conjunto de gêneros musicais ocidentalizados em termos de harmonia e que têm pouco a ver com a tradição oriental. A resposta, diz de maneira tortuosa a NPR, está na penetração muito antiga do paladar artístico dos EUA na península coreana.

Na década de 1930, por exemplo, salas de cinema e revistas tinham como modelo Hollywood, apesar de a península estar sob controle político do Japão (e assim permaneceu até 1945). Foi apenas depois de Pearl Harbour, em 1941, que os japoneses levaram a Coreia a romper com o mercado cultural americano.

Mas a península voltou a se ligar a ele no pós-guerra, sobretudo quando, antes e depois da Guerra da Coreia, os EUA passaram a ter no país uma pesada presença militar. Ainda hoje há 30 mil militares americanos em bases coreanas. Sua permanência ali faz com que os EUA tenham uma razão para dar uma resposta imediata caso a Coreia do Norte ou a China penetrem no pequeno e próspero país capitalista.

Ao mesmo tempo, a presença dos militares também foi responsável pelas operações da emissora de rádio e TV do Pentágono no território. Na Coreia do Sul, ela se chamava AFKN. E transmitia os programas mais populares do mercado americano de maneira aberta. Qualquer cidadão coreano poderia assistir, e crianças da nação acompanhavam os desenhos animados exibidos pela rede militar.

Foi assim que a música americana entrou na Coreia do Sul pela porta da frente. Nesse sentido, era quase possível prever o surgimento do k-pop, em que frases inteiras são cantadas em inglês e no qual músicos e dançarinos desenvolvem coreografias que dão ao gênero uma dimensão visual muito intensa.

Quando essa espécie de pop coreano começou a nascer nos anos 1980, outros modismos ocidentalizados apareceram no mercado local, como roupas coloridas com modelagem coreanas, e também um setor de cosméticos que cresceu tão rapidamente quanto a nova música.

A cereja no bolo foi a adesão da Coreia do Sul à moda das cirurgias plásticas, tornando o país um importante e confiável centro desse mercado delicado na Ásia. Um subúrbio de Seul com cerca de 20 km² abriga 500 clínicas de cirurgia plástica, diz a NPR. E a maioria dos clientes, homens e mulheres, chegam de outros países da região.

Uma visão mais heterodoxa também colocaria entre os modismos sul-coreanos a feição que vem assumindo a sua indústria gastronômica, que exporta seus produtos para os vizinhos asiáticos. Uma propaganda que a NPR reproduz afirma, por exemplo, que o frango frito sul-coreano é incomparavelmente melhor em razão do tempero usado por seus fabricantes.

Estamos, de certa forma, observando uma linha de sucessão inaugurada pelo general Park Chung-hee, ditador assassinado em 1979 que inspirou um culto ao estudo e ao trabalho que permitiu, com os subsídios do Estado, que a Coreia do Sul registrasse períodos de crescimento anual da ordem de 10%. Os sul-coreanos gostaram de prosperar materialmente, sobretudo depois de 1987, quando o militarismo e a ditadura ficaram para trás.

How Korean Culture Went Global

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