Como Javier Milei, favorito à Presidência da Argentina, clonou seu cachorro

Procedimento deu origem a cinco filhotes, quatro deles batizados em honra a economistas liberais dos EUA

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Jack Nicas
Buenos Aires | The New York Times

Depois de surpreeender analistas ao sair na frente nas primárias para as eleições na Argentina, em agosto, Javier Milei assumiu o microfone em frente a uma multidão barulhenta e agradeceu a Conan, Murray, Milton, Robert e Lucas. "Quem mais?", ele questionou. "Meus filhos de quatro patas."

Milei, um libertário de ultradireita que é o favorito na corrida pela Presidência deste domingo (22), iria para a Casa Rosada não com esposa e filhos, mas com cinco mastins que ele há muito considera sua prole.

Javier Milei está sentado em um sofá branco, ele usa um terno marinho, abraça um cachorro de pelagem clara e tem outros ao seu lado
Javier Milei em casa com seus filhotes de mastins clonados - Marcelo Dubini - Caras via The New York Times

Ele está, é claro, falando figurativamente. Tecnicamente falando, no entanto, esses cinco cães não têm exatamente um pai ou uma mãe. Eles são cópias genéticas do antigo cão de Milei, também chamado Conan, e foram criados em um laboratório no norte do estado de Nova York.

Os cinco cães clonados de Milei se tornaram objetos de fascinação nas eleições presidenciais da Argentina, além de janela para a sua vida pessoal. Por meses, o debate nacional tem girado em torno de sua ascensão, sua personalidade excêntrica e suas propostas econômicas radicais —como eliminar o Banco Central da Argentina e substituir sua moeda pelo dólar americano— para salvar a nação de 46 milhões de habitantes de uma das suas piores crises financeiras em décadas.

Milei fez de seu cachorro original, Conan —batizado em homenagem ao filme "Conan, o Bárbaro"—, um ator central em sua história, dizendo que o animal salvou sua vida e passou vários Natais sozinho com ele quando ele se sentiu abandonado por outras pessoas.

Ele transformou os cães clonados em símbolos de seus ideais libertários, nomeando quatro deles em homenagem a três economistas conservadores americanos: Murray Rothbard, Milton Friedman e Robert Lucas.

Em seus comícios, o candidato exibe pinturas de seus cães e as distribui para a multidão antes de pegar uma motosserra rugindo, sua metáfora preferida para os cortes profundos que pretende fazer no governo argentino.

Milei já sinalizou que a clonagem poderia encontrar um lugar em seu governo. No mês passado, ele disse que, se eleito, nomearia um cientista argentino que dedicou sua carreira à clonagem de animais para a chefia de um influente conselho científico nacional.

"Ele é considerado o clonador nacional", disse Milei sobre o pesquisador, Daniel Salamone. "Este é o futuro." As crenças científicas de Milei, incluindo a negação do papel dos humanos nas mudanças climáticas, têm preocupado a comunidade acadêmica.

Os cães clonados de Milei são um exemplo de uma tendência que, crescente entre alguns donos de animais de estimação, tem levantado questões éticas complexas. Algumas empresas nos Estados Unidos, China e Coreia do Sul clonaram centenas de cães desde que o primeiro exemplar da espécie foi submetido ao procedimento, em 2005. Barbra Streisand possui dois clones de seu Coton de Tulear, enquanto Barry Diller e Diane von Furstenberg possuem três clones de seus Jack Russell terriers.

Para clonar seus cães, Milei contratou a PerPETuate, uma empresa administrada por Ron Gillespie, 75, que começou no mundo da inseminação de gado e agora administra uma empresa do que chama de "preservação genética" no Havaí.

Gillespie disse que recebeu um e-mail de Milei em 2014. Nele, o agora presidenciável afirmava estar interessado em clonar Conan. "Ele disse que aquele cachorro era sua vida." Por US$ 1.200 (cerca de R$ 6.000 na cotação atual), Milei enviou uma amostra genética de Conan para os parceiros comerciais de Gillespie, cientistas do Instituto Politécnico de Worcester em Worcester, Massachusetts. O grupo usou a amostra para cultivar células cheias de DNA de Conan e depois congelá-las criogenicamente. (Algumas células continuam até hoje congeladas em Worcester.)

Em 2018, depois que Conan morreu, Milei entrou em contato com Gillespie novamente. Ele estava pronto para pagar US$ 50 mil (R$ 250 mil na cotação atual) para realizar o procedimento que lhe garantiria pelo menos um clone.

Clonar um cão geralmente requer mais de cem óvulos —ou cerca de um ano da produção de óvulos de cinco a dez cães— que são colhidos cirurgicamente de cães doadores, segundo Gillespie.

A tecnologia de clonagem de cães é em grande parte a mesma desde que a ovelha Dolly se tornou o primeiro clone de mamífero em 1997. Os cientistas removem o núcleo de cada célula do óvulo doador, limpando-as de todo o seu DNA. Nesses óvulos vazios, os cientistas inserem as células cheias de DNA do animal a ser clonado.

"Então estimulamos a célula do óvulo com uma descarga elétrica, e isso forma um embrião de uma célula que imediatamente começa a se multiplicar", explica Gillespie. Entre dez e 15 desses embriões —baseados totalmente no DNA do cão clonado— são então implantados no útero de uma cadela.

Alguns especialistas em ética na biologia e grupos de bem-estar animal criticam a clonagem de animais de estimação, tanto porque o procedimento exige que outros animais doem óvulos e carreguem fetos clonados, quanto pelo fato de já existirem milhões de animais de estimação indesejados no mundo.

Jessica Pierce, uma bioeticista que estuda a relação entre humanos e cães, disse que a clonagem contribui para a criação de "uma subclasse canina" de substitutos para produzir os clones. "Não acho que seja exagero chamar o que fazemos com o trabalho reprodutivo dos cães de uma forma de encarceramento", afirma ela.

As empresas de clonagem de animais de estimação rejeitam essa caracterização, e alegam que muitos cães substitutos são adotados por famílias amorosas.

Pierce afirma que a clonagem também destrói mais embriões do que as gestações típicas de cães. Ela diz que isso aparentemente entra em conflito com as crenças de Milei, que prometeu tentar proibir o aborto porque ele diz que a vida começa na fertilização.

A campanha de Milei se recusou a comentar a reportagem ou disponibilizá-lo para uma entrevista.

Para clonar os cães de Milei, Gillespie contratou a ViaGen Pets, com sede fora de Austin, no Texas, a única empresa americana que clona cães. A ViaGen se recusou a dizer quantos óvulos foram usados para clonar Conan. A ViaGen disse que em quase três em cada quatro casos, a clonagem de um cão gera apenas um clone. No caso de Milei, em 2018, foram cinco.

"Ele estava extasiado", conta Gillespie. Uma vez que os clones chegaram à Argentina, um deles começou a responder a "Conan" e parecia gostar do mesmo programa de televisão que o cão anterior de Milei, então Milei batizou o clone de Conan, segundo Gillespie.

Conan "é literalmente um filho para mim", Milei disse a um site de notícias argentino em 2018. Os outros quatro clones "são como meus netos". Ele também disse que os cães dão trabalho. "Minha casa é como o Kosovo", afirmou em um programa de televisão em 2018. "Em duas semanas, eles comeram quase quatro poltronas." Cinco anos depois, ele disse que o maior do grupo pesava quase cem quilos.

Na campanha eleitoral, Milei manteve os cães em uma creche, fora de vista. Mas eles continuaram a ser fonte de controvérsia.

Sergio Massa, ministro da economia que está atrás de Milei nas pesquisas para as eleições no domingo, criticou a negação de Milei do aquecimento global, dizendo que os pais estão preocupados com o futuro do planeta, ao contrário daqueles "que conversam com seus cães como se fossem seus filhos".

Veículos de notícias argentinos relatam que, em conversas particulares, Milei já disse ter recebido conselhos estratégicos de seus cães. Quando perguntado se isso de fato aconteceu pelo jornal espanhol El País, ele desconversou. "O que faço dentro de casa é meu problema", retrucou. No evento de encerramento de sua campanha na quarta-feira (18) à noite, ele chamou seus cães de "os melhores estrategistas do mundo".

Celia Melamed, uma argentina que ministra um workshop sobre comunicação com animais, afirma que uma de suas alunas foi Karina Milei, irmã de Milei e gerente de campanha. Melamed diz que consegue sentir as emoções dos animais por meio de uma espécie de conexão metafísica. "Se eu me conectar com um animal e ele estiver com medo, sinto o medo em meu corpo", conta ela. "Parece esotérico, e talvez seja, porque até agora a ciência não lidou com isso."

Gillespie, o empreendedor da clonagem no Havaí, afirma que desde que descobriu no Facebook que seu cliente era um político, tem acompanhado o crescimento de Milei com fascinação. "Como digo à minha esposa", ele diz, "não tenho direito a voto na eleição argentina, mas tenho cinco cães na disputa".

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