E a Guerra da Ucrânia, acabou? Veja como estão outros conflitos além de Israel

Eclosão da crise no Oriente Médio ofusca embates que dominavam o noticiário internacional

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São Paulo

"E a Guerra da Ucrânia, acabou?". A questão está presente, usualmente de forma irônica, em diversas postagens nas redes sociais desde que o Oriente Médio retomou seu lugar de protagonista no infame mundo dos conflitos com repercussão global.

A irrupção do conflito entre Israel e o Hamas, decorrente do inaudito ataque terrorista do grupo palestino que governa a Faixa de Gaza no dia 7 passado, de fato eclipsou outras guerras e embates com potencial violento mundo a afora.

Soldados ucranianos em treinamento contra a invasão russa na região de Tchernihiv, norte do país
Soldados ucranianos em treinamento contra a invasão russa na região de Tchernihiv, norte do país - Gleb Garanitch - 13.out.2023/Reuters

Não há mensuração comparativa e, ao menos no Ocidente, a grande maioria dos veículos de mídia segue dando atenção relativa à invasão da Ucrânia, não menos porque a Rússia é ator relevante também no conflito do Oriente Médio, como antípoda dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU e ao fazer ameaças mais ou menos veladas à dissuasão militar de Washington contra seu aliado Irã.

Em uma semana, Vladimir Putin ameaçou os porta-aviões enviados pelos EUA em apoio a Israel com mísseis hipersônicos, e promoveu um exercício de retaliação nuclear maciça contra a Otan (aliança militar ocidental), que por sua vez fazia seu treino anual de empregar bombas atômicas contra alvos russos.

Tudo em tese rotineiro, noves fora o fato das duas guerras e de que a Rússia saiu de um acordo que visava coibir testes nucleares. Enquanto isso, os EUA veem suas bases no Oriente Médio serem atacadas por aliados do Irã e do Hamas, e seus navios de guerra interceptando mísseis contra Israel.

Com tudo isso, é inescapável apontar a queda no destaque àquela que é a maior guerra em solo europeu desde o segundo conflito mundial (1939-45), mas não só: há alguns outros conflitos importantes em curso no mundo, nem todos ativos do ponto de vista militar, ofuscados pelas chamas israelo-palestinas. A Folha apresenta a seguir uma atualização da situação em alguns deles.

Guerra da Ucrânia

Nas três últimas semanas, a situação em campo na Ucrânia mudou. A já claudicante contraofensiva de Kiev, que enfrentava dificuldades ao não apresentar resultados concretos, passou a ser desafiada por um ataque maciço da Rússia contra a cidade de Avdiivka, ponto estratégico de Donetsk (leste do país).

Quase cercada por separatistas pró-Rússia desde 2014, a cidade está sendo alvo de uma das maiores operações russas desde a eclosão do conflito, em fevereiro de 2022. Não houve, contudo, uma derrocada: segundo o Estado-Maior ucraniano, Moscou mudou de tática ante perdas pesadas e passou a empregar de forma mais intensa ataques de aviação tática.

A batalha ainda está longe de acabar e, como no caso da contraofensiva, logo enfrentará as dificuldades impostas pelo clima invernal do fim do ano europeu.

No campo político, o presidente Volodimir Zelenski passou recibo mais de uma vez sobre o temor de perder apoio ocidental de forma acelerada devido ao foco em Israel. Mas pôde celebrar o primeiro emprego, ainda limitado, de um mortífero míssil americano no conflito.

Na vizinhança, Zelenski viu a Polônia votar em favor da mudança no pleito parlamentar de 15 de outubro, o que é boa notícia para a Ucrânia —o atual governo está crescentemente hostil a Kiev, mas a formação de um novo gabinete ainda é novela em curso. Já na também vizinha Eslováquia, venceu o pleito de 30 de setembro um partido pró-Rússia, mas ele virou premiê nesta quarta (25) numa coalizão que deverá conter seus ímpetos mais antiucranianos.

Conflito Azerbaijão-Armênia

Parece notícia antiga, mas há pouco mais de um mês um grande fato geopolítico girava em torno de Nagorno-Karabakh, o enclave armênio que o Azerbaijão tomou para si em uma blitzkrieg de 24 horas no fim de setembro.

A ação encerrou mais de 30 anos de disputas entre o país e a Armênia, que, bancada pela Rússia, sustentava o governo autônomo durante duas guerras desde 1992. Mais importante, encerrou 200 anos de mando de jogo de Moscou no sul do Cáucaso, uma jogada combinada entre Putin e o líder turco, Recep Tayyip Erdogan, o fiador de Baku.

O que aconteceu desde então? A Armênia vive dificuldades para a absorção das mais de 100 mil pessoas que deixaram Nagorno-Karabakh e procuraram refúgio em seu território, uma das ações de limpeza étnica por medo mais eficazes da história por parte dos azeris.

Nesta semana, Teerã sediou uma reunião para tentar acomodar os ânimos regionais, com a presença de enviados armênios, azeris, russos e turcos. Na mesa, a tentativa de estabelecer uma nova ordem local e evitar que Baku vá às vias de fato para tomar Nakhchivan, exclave azeri entre Armênia, Turquia e Irã que o Azerbaijão quer ver conectado com seu território.

Gasoduto e bombardeiros no Báltico

Desde que a Rússia anexou a Crimeia em 2014 e, principalmente, depois da guerra de 2022, o mar Báltico se firmou como um dos pontos de atrito principais entre Moscou e o Ocidente. Neste ano, a Finlândia ingressou na Otan (aliança militar ocidental), e em breve deve ser a vez da Suécia.

Exercícios militares de lado a lado passaram a exacerbar riscos já percebidos em interceptações aéreas constantes na região.

Isso dito, o incidente há duas semanas em que foi danificado o sistema Balticconnector, um gasoduto pareado com linha de transmissão de dados de 77 km entre Finlândia e Estônia, elevou ainda mais a tensão regional. Helsinque primeiro apontou o dedo para a Rússia, que negou, e agora diz que uma âncora de um navio chinês é a provável culpada. Sugere dolo da aliada da Rússia, mas sem provas ainda.

Para completar o roteiro, dois bombardeiros estratégicos americanos B-1B foram interceptados rumo à Rússia na terça (24), um raro evento duplo —no mesmo dia, um drone dos EUA também foi afastado do espaço aéreo russo no mar Negro.

Tensão no mar do Sul da China

As tensões territoriais no mar do Sul da China, corpo d'água que Pequim diz ser 85% seu, sempre estiveram no topo das preocupações do governo de Xi Jinping. Desde 2014, dois anos depois de o líder assumir comando da ditadura comunista asiática, os chineses passaram a construir postos militares em atóis e ilhotas, visando asseverar controle sobre a região.

Um dos diversos países que não concordaram com isso foram as Filipinas. Desde que assumiu o governo em 2022, o presidente Ferdinando Marcos Jr. tem buscado uma política de maior confrontação, apoiada no estreitamento de laços com os EUA.

Isso tem levado a meses de incidentes nas rotas marítimas da região. Um dos mais graves ocorreu nesta semana, quando um navio da Guarda Costeira da China abalroou uma embarcação filipina que levava materiais para a construção de uma base militar de Manila em uma ilhota da região.

A crise Taiwan-China

Um dos mais especulados assuntos após a invasão russa da Ucrânia, a tomada de Taiwan por Pequim segue num inquieto banho-maria. Não houve incidentes de maior monta nas últimas semanas, mas a presença militar chinesa segue intensa, com incursões aéreas semanais para testar a prontidão das defesas da ilha autônoma que Pequim diz ser sua.

A queda do ministro da Defesa chinês, Li Shangfu, contudo deverá deixar qualquer escalada mais séria para segundo plano nos próximos meses. O governo de Xi busca está em um claro rearranjo interno, e a prioridade é a retomada econômica e a solução de problemas como a crise no mercado imobiliário. O que não impede o risco de algum acidente disparar uma crise.

Kim e seus mísseis

Desde que encontrou-se com Putin para uma suposta troca de munição pesada por tecnologia espacial russa, reafirmada pelo Kremlin nesta quinta (26), o ditador Kim Jong-un baixou a bola em sua campanha de intimidação dos vizinhos no sul da península coreana. Deram certa folga ao noticiário os lançamentos de mísseis e ameaças nucleares.

Já Seul dobrou a aposta militar. Na semana passada, recebeu pela primeira vez em um pouso no seu território um bombardeiro americano B-52H, e não um qualquer: o modelo tinha as marcações que designam aeronaves capazes de empregar armas nucleares. O avião participou de exercícios conjuntos com a Coreia do Sul.

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