Descrição de chapéu guerra israel-hamas

'Feridos começam a contar o que aconteceu', diz diretor de hospital em Israel

Yoel Har-Even fala da dificuldade mental de lidar com as histórias de vítimas dos ataques terroristas do Hamas

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Luana Lisboa Renata Nagamine
Salvador e São Paulo

Desde que sofreu seu pior ataque em 50 anos, no último sábado (7), Israel contabiliza mais de 1.300 mortos e 3.000 feridos. As principais lesões são causadas por tiros disparados a curta distância, mas também por queimaduras, decorrentes do incêndio de casas pelo grupo terrorista Hamas.

A Folha conversou com Yoel Har-Even, 52, enfermeiro e diretor da Divisão Internacional e Desenvolvimento de Recursos do Hospital Sheba. Localizado em Ramat Gan, distrito de Tel Aviv, o hospital já recebeu mais de 200 feridos após os atentados do Hamas.

Pai de dois filhos convocados para a guerra no domingo (8) e tenente-coronel aposentado das Forças Armadas de Israel, Har-Even diz que a parte mais difícil do trabalho tem sido lidar com a carga mental das histórias contadas por pacientes que começam a se recuperar fisicamente dos atentados.

"Neste momento, as vítimas estão começando a se recuperar, a acordar e contar suas histórias sobre o que aconteceu. São histórias sobre o nosso país, sobre o nosso povo e vão permanecer com eles por muito tempo", diz.

Homem branco de terno com braços cruzados olhar voltado para a câmera
Yoel Har-Even, 52, enfermeiro e diretor da Divisão Internacional e Desenvolvimento de Recursos do Hospital Sheba - Divulgação

Qual é o perfil dos pacientes que estão no hospital?
Desde o início da guerra, o hospital recebeu cerca de 200 feridos. Hoje, temos 86 pacientes vítimas dos ataques. Desses, 33 são civis que vieram de zonas de guerra, dos assentamentos em torno da Faixa de Gaza, e 51 são soldados feridos enquanto protegiam os assentamentos. Dois são estrangeiros; os demais, israelenses. Três dos 86 feridos que estão no hospital são soldados em estado gravíssimo, 40 estão em condição grave, 30 estão estáveis e 14 tiveram ferimentos leves.

Quais os tipos de lesões mais comuns?
Dentre os pacientes que estão no hospital, a maioria foi ferida por arma de fogo. Esta é, de longe, a principal causa de internação, pelo tipo de munição que foi usada e porque os disparos foram feitos a poucos metros [de distância das vítimas]. Também temos pacientes com queimaduras, principalmente porque [os integrantes do Hamas] atearam fogo em suas casas. Mas a maioria dos feridos foi atingida por arma de fogo e estilhaços.

Médicos e enfermeiros são treinados para lidar com essas situações de ataques?
Infelizmente, sim. É importante entender os papéis do hospital no que se refere ao tratamento de mortos e feridos em massa. Infelizmente, vivemos em uma vizinhança difícil. De tempos em tempos, nossos vizinhos nos lembram disso, e temos conflitos a cada poucos meses, com uma combinação de mísseis e artilharia. Mas acho que esta é a primeira vez em um longo período que vemos uma invasão de terroristas da Faixa de Gaza aos assentamentos que a cercam, indo de casa em casa, ateando fogo e atirando em civis. Era dia de Shabbat [dia sagrado para os judeus, que começa com o pôr-do-sol na sexta-feira e termina ao anoitecer do sábado] e feriado em Israel [Dia de Yom Kippur]. Então, agora estamos nos acostumando não só a ataques com mísseis, como também a ataques terroristas com armas de fogo disparadas a curta distância contra civis.

Como é o treinamento que os profissionais de saúde fazem?
Em Israel, todo hospital precisa passar por um ciclo de treinamento de três anos. Quando ele termina, começa outro. No primeiro ano do ciclo, somos treinados a atuar em eventos com mortos e feridos em massa, o que acontece às vezes. No ano seguinte, o treinamento é para CBRN [defesa contra armas químicas, biológicas, radiológicas e nucleares]. O terceiro ano é contra terremotos. O que é diferente neste ataque é o número alto de mortos e feridos. Havia um festival grande no mesmo dia do Shabbat, com cerca de 3.000 pessoas celebrando, e terroristas vieram e as atacaram. Então os números foram maiores do que esperávamos.

Quais os maiores desafios para médicos e enfermeiros no momento?
O maior desafio no momento não é profissional. Não é saber como operar, nem como lidar com queimaduras. A maior carga sobre os ombros da equipe é mental, porque agora os feridos começam a se recuperar, a acordar das operações, e começam a falar, a contar suas histórias. Os profissionais não podem ficar impassíveis. É preciso se envolver. É seu país. É seu povo. O maior desafio, hoje, é apoiar as famílias e os feridos considerando sua história, que permanecerá com eles por um longo, longo tempo.

Qual a história mais difícil que o senhor ouviu até agora?
Cada soldado, cada família que está hospitalizada aqui no Sheba tem uma história única. A maioria tem uma história de bravura, uma história de proteção das suas famílias com as próprias mãos, de impedir terroristas de entrar em casa segurando a porta por horas, e então ser alvejado nas mãos, porque elas eram o primeiro obstáculo anteposto à arma. Vemos muitos, principalmente maridos, que protegeram sua família com seu corpo. Mas não vou contar uma história só porque há centenas, talvez milhares que precisam ser contadas. E, quando o momento chegar, elas serão contadas e recontadas.

Com a escalada do conflito, vocês esperam receber palestinos no hospital?
Não há problemas quanto a isso. Há agora mais de 120 palestinos no Sheba, 61 pacientes que deram entrada antes e depois do conflito e 63 familiares deles. Rotineiramente e em tempos de guerra, o Sheba atende palestinos todos os dias. Atende qualquer pessoa que entra no hospital, de modo que palestinos, tanto da Cisjordânia quanto de Gaza, têm se tratado aqui há muito tempo e continuamos tratando deles todos os dias.

O senhor acredita que haverá mudanças em protocolos hoje aplicados em Israel por causa dos ataques recentes?
Nós infelizmente lidamos com mortos e feridos em massa. A atual combinação entre civis e soldados faz desta uma situação única, mas hoje não consigo vislumbrar mudanças relacionadas com o preparo ou equipamentos médicos. Meus dois filhos mais velhos estão no Exército. Foram convocados domingo de manhã. Quase toda família em Israel tem um filho ou uma filha que foi chamado. E quase toda família em Israel conhece alguém ou tem algum membro da família que foi atingido, morto ou capturado. Ainda há dezenas, talvez 100 ou mais civis e soldados israelenses capturados. Eles estão sendo levados para Gaza. Crianças, idosos e soldados foram levados e são mantidos reféns. Precisamos fazer de tudo para trazê-los de volta, salvos, para Israel.

Além de servir ao Exército, há outros meios pelos quais cidadãos comuns têm participado nesses esforços?
Certamente. Em tempo de guerra, Israel se torna um só. Se alguém circulasse por hospitais nos últimos dias, veria três israelenses que voluntariamente, do início da manhã à meia-noite, trazem comida para as famílias dos soldados e civis que esperam do lado de fora da emergência e das unidades de terapia intensiva. Trazem material de uso pessoal, cobertores. As pessoas estão hospedando outras nas suas casas. A maioria dos assentamentos que circundam Gaza foram queimados e destruídos. Essas pessoas não têm para onde ir. Nós abrimos nossas casas. Os hotéis as hospedam de graça. As pessoas se voluntariam para guardar os pertences das outras e para fazer o mais sagrado dos trabalhos de guerra, que é identificar os corpos e trazê-los para serem enterrados. Então, no momento, posso dizer que toda a sociedade, das pessoas religiosas às seculares, nós estamos unidos, e todo mundo está dando o seu melhor para fazer esses dias horríveis passarem o mais rápido possível.

Esta reportagem foi produzida durante o 8º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

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