Descrição de chapéu Rússia União Europeia

Governo vence sem maioria na Polônia, diz boca de urna

Oposição canta vitória sobre o PiS, que só teria partido de extrema direita para formar aliança

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São Paulo

O partido nacionalista que governa a Polônia desde 2015 foi o vencedor das eleições parlamentares do país do Leste Europeu neste domingo (15), aponta pesquisa de boca de urna, mas não deverá obter maioria para formar um governo.

Assim, é possível que a oposição, que já cantou vitória, lidere o próximo governo e mude a rota autoritária e militarista adotada pela maior economia da região, além de realinhar o país à Ucrânia na guerra contra a Rússia, mas tudo depende de resultados finais.

Já o atual premiê, Mateusz Morawiecki, afirmou que "se o presidente confiar a formação de um governo para o partido vencedor, nós tentaremos formar um governo estável". Ele e o chefe de Estado, Andrzej Duda, são do mesmo PiS (Lei e Justiça, na sigla polonesa). Assim, se o resultado estiver certo na pesquisa, haverá um longo processo pela frente.

É o mais importante pleito no país desde o fim do comunismo, em 1989, com repercussões que vão da Guerra da Ucrânia à União Europeia. Segundo dados do instituto Ipsos para a rede TVN24, o PiS e seu grupo Direita Unida obtiveram 36,8% dos votos, ou cerca de 200 das 460 cadeiras da Sejm, a Câmara dos Deputados local.

Homem vota na eleição parlamentar deste domingo (15) em seção eleitoral de Varsóvia
Homem vota na eleição parlamentar deste domingo (15) em seção eleitoral de Varsóvia - Wojtek Radwanski/AFP

O segundo colocado foi o liberal KO (Coalizão Cívica), do ex-premiê Donald Tusk, que marcou 31,6% na boca de urna. O político celebrou o resultado, afirmando que "acabou o reinado do PiS". Já o líder da sigla governista, Jaroslaw Kaczynski, disse que ainda é incerto o que irá ocorrer.

Com isso, os resultados deverão depender da fragmentada composição abaixo dos dois: O TD (Terceira Via) teve 13% na pesquisa, ante 8,6% do NL (Nova Esquerda) e 6,2%, do Confederação. Tusk cantou vitória, dizendo que terá mais condições de formar um governo.

Isso é verdade teórica, se os números estiverem certos. Tusk foi premiê de 2007 a 2014 e, depois, ficou até 2019 na presidência do Conselho Europeu. Isso aponta uma mudança enorme de perfil ante o nacionalismo do PiS. O TD surgiu como oposição ao PiS e ao KO, mas agora isso pode mudar em favor dos liberais.

Até aqui, as atenções se voltavam para o Confederação, um grupo que reúne diversos integrantes da extrema direita local, incluindo xenófobos e antissemitas, que teve menos votos do que o esperado. De todos os partidos principais, o Confederação era o único que parecia disposto a negociar com o atual governo, que já adernava mais à direita, de olho justamente no eleitorado radicalizado.

Estão em jogo as 460 cadeiras do Sejm, hoje com maioria governista, e 100 do Senado, ora oposicionista.

A campanha eleitoral foi pesada, com diversas acusações de lado a lado. Contra o PiS pesou mais a alegação de que, além de empregar em seu favor a máquina do Estado, como a TV pública, turbinou o nacionalismo militarista que agora caracteriza a Polônia.

Isso teve diversas implicações, a mais imediata relativa à Guerra da Ucrânia. Um dos mais belicistas membro da Otan, a Polônia embarcou em um programa agudo de rearmamento, encomendando de tanques a caças americanos e sul-coreanos, em contratos anunciados de ao menos R$ 325 bilhões. Neste ano, pretende gastar 4% do PIB com defesa, o dobro da meta da aliança militar ocidental.

Mas o apoio irrestrito a Kiev, que incluiu o envio de 240 tanques T-72 e um número incerto de caças MiG-29, esmaeceu ao longo da campanha eleitoral. Tanto o presidente Andrezj Duda, que foi eleito pelo PiS no mesmo 2015, quanto o premiê Mateusz Morawiecki passaram a fazer críticas ao governo de Volodimir Zelenski por suposta ingratidão.

Ao fim, Morawiecki prometeu não mais enviar armas para a Ucrânia. De forma subjacente às críticas, está a resistência polonesa a comprar grãos do vizinho para não alienar a base eleitoral de agricultores —e também um aceno à xenofobia muito forte no país, que recebeu 1 milhão de refugiados da guerra e tem um histórico complexo de relação com Kiev.

Tusk, durante a campanha, prometeu manter todo o suporte atual a Kiev. Mas dificilmente mudará a rota militarista, até porque contratos já estão assinados.

Na vizinha Eslováquia, um partido de centro-esquerda favorável à Rússia venceu a eleição parlamentar há duas semanas, mas, como não teve maioria para formar o governo, aliou-se a uma sigla que, em princípio, quer a manutenção do apoio a Zelenski.

Voltando à Polônia, tão ou mais importante é o impacto da eleição na UE (União Europeia). Com 38 milhões de habitantes, o país é a principal economia do leste do bloco e, desde que o PiS implantou reformas para tolher liberdade do Judiciário, está no alvo de instituições europeias.

A disputa na Corte Europeia de Justiça acerca dessas leis ainda está inconclusa, mas o país periga virar uma nova Hungria, que foi rebaixada na categoria de liberdade política pelos padrões da UE. O iliberalismo parece estar em alta no Leste Europeu, ameaçando os próprios princípios fundadores da união.

O PiS já namorava a xenofobia e esposava práticas de limitação da liberdade de expressão antes mesmo da ascensão da extrema direita. O país, fortemente católico, tem políticas restritivas ao aborto, e os direitos de comunidades LGBTQI+ são questionados.

Há nuances políticas. Na Hungria, o premiê Viktor Orbán é visto como um aliado de Putin, enquanto os poloneses são radicalmente antirrussos, até pelo passado de dominação por Moscou. Aliás, não só: a Alemanha, cujos nazistas promoveram a partilha do país com os soviéticos e provocaram 7 milhões de mortes polonesas na Segunda Guerra Mundial, é alvo de críticas e de pedidos de indenização até hoje.

Um governo liderado pelo KO, partido pró-europeu, poderá mudar esse rumo também. Nada deve mudar, contudo, na relação com a outra agremiação importante do continente, a Otan: a assertividade polonesa já a tornou um fator incontornável nas mesas de discussão, em especial devido à sua posição de anteparo contra as forças de Vladimir Putin.

Com efeito, o país está em processo de certificar um poderoso sistema antimísseis americano e tem forte presença militar dos EUA, que sempre têm estacionados lá cerca de 10 mil soldados. Isso, somado à sua modernização das Forças Armadas, tem lhe valido o apelido de fortaleza da Otan no leste.

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