Descrição de chapéu Financial Times guerra israel-hamas

Israel lida com doloroso dilema de reféns após sequestros do Hamas

Com a captura de dezenas de civis, Estado judeu tem opções arriscadas de retaliar na Faixa de Gaza ou trocar prisioneiros

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Neri Zilber John Reed
Tel Aviv e Jerusalém

O soldado israelense Gilad Shalit foi detido por cinco anos pelo Hamas na Faixa de Gaza antes de ser resgatado em uma troca de prisioneiros em 2011. O preço: mais de mil palestinos presos.

Agora, Israel enfrenta um dilema de reféns de uma magnitude diferente. Durante o ataque surpresa do Hamas a Israel no sábado (7), o grupo que controla Gaza sequestrou pessoas, incluindo mulheres civis, crianças pequenas e idosos. Eles levaram dezenas de reféns de volta a Gaza, segundo o Exército israelense.

O destino dos reféns apresenta ao governo de Binyamin Netanyahu um dos desafios mais agudos da pior guerra em seu território desde a fundação de Israel em 1948.

Foguetes lançados da Faixa de Gaza em direção a Israel
Foguetes lançados da Faixa de Gaza em direção a Israel - Mohammed Salem - 10.out.23/Reuters

Os vídeos dos sequestros horrorizaram o público israelense. As famílias de alguns dos sequestrados apareceram na televisão emocionadas, dizendo que estavam recebendo pouca ou nenhuma informação das autoridades. Os israelenses estão cientes dos riscos potenciais para os sequestrados, diante dos intensos bombardeios em Gaza e de um esperado ataque terrestre.

"Mesmo em nosso pior pesadelo, não poderíamos imaginar que isso fosse possível", disse Adva Adar, cuja avó de 85 anos foi filmada sendo conduzida em um carrinho de golfe por Gaza enquanto a multidão aplaudia. "Estamos arrasados e não temos palavras para imaginar como é ser sequestrado com [mais de] 80 anos."

Os sequestros parecem ter sido um elemento-chave da estratégia do Hamas em seu ataque surpresa. Os militantes ameaçaram transmitir a execução de um civil israelense detido a cada vez que Israel atingisse civis em suas casas em Gaza sem aviso prévio. O Hamas afirmou na segunda-feira (9) que quatro reféns foram mortos em bombardeios israelenses, mas a alegação não pôde ser confirmada de forma independente.

O Qatar realizou conversas com Israel e o Hamas com o objetivo de firmar um acordo no qual o grupo militante liberaria mulheres e crianças detidas, disse uma pessoa informada sobre as discussões. A pessoa disse que, em troca, o Estado judeu poderia liberar mulheres e crianças palestinas detidas em suas prisões, embora as negociações não pareçam ter dado frutos até agora.

No entanto, as trocas de prisioneiros têm seus próprios riscos, e historicamente tais trocas foram assimétricas —o Estado judeu libertou um grande número de palestinos em troca de um punhado de israelenses.

Embora a troca de prisioneiros pelo soldado israelense Gilad Shalit tenha sido popular na época, desde então recebeu duras condenações de políticos de direita e de grupos ultranacionalistas. Autoridades de segurança israelenses afirmam que muitos dos palestinos libertados em 2011 voltaram a atividades militantes: um deles, Yahya Sinwar, é atualmente o líder político do Hamas em Gaza.

"Foi uma escolha terrível e trágica que tivemos que fazer", diz Uzi Arad, que foi conselheiro de segurança nacional de Netanyahu durante as negociações de 2009 a 2011 sobre a libertação de Shalit. "Sabíamos que, com a libertação do pobre homem Shalit —em uma cela em Gaza por anos— o que iríamos dar em troca eram terroristas que não apenas eram culpados de crimes terroristas, mas provavelmente voltariam a essa linha de atividade."

Os líderes militares e civis de Israel não divulgaram o que sabem sobre a localização dos reféns mais recentes ou qualquer plano para tentar mantê-los seguros, muito menos resgatá-los em um momento em que Israel está bombardeando Gaza antes de um possível ataque terrestre.

O major Nir Dinar, porta-voz das Forças de Defesa de Israel, disse na terça-feira: "Quando você enfrenta esse tipo de situação, existem duas opções. Primeiro, você coloca pressão suficiente nas organizações terroristas para [devolver] as pessoas sequestradas. Segundo, você as traz de volta à força".

"Agora, na maioria dos dias, eu recomendaria a primeira opção. Mas depois de ver o que vi, nas comunidades civis israelenses no sul de Israel, a forma como os corpos foram tratados, não acho que tenhamos alguém com quem falar." O Hamas disse nesta terça que não negociaria uma troca de prisioneiros enquanto estivesse sob fogo.

Dinar disse que os detidos eram pelo menos 50, mas que poderia haver mais, pois era difícil determinar se algumas pessoas foram mortas ou sequestradas. Outros relatos sugeriram que eles podem chegar a 150.

Alguns detidos possuem passaportes de países que não são Israel. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse na segunda que é "provável" que cidadãos americanos estejam entre os prisioneiros, enquanto a França e a Tailândia estão entre os países que disseram acreditar que seus cidadãos foram capturados.

Após os ataques de sábado, Netanyahu disse que responsabilizaria o Hamas pelo bem-estar dos detidos. "Israel acertará as contas com qualquer pessoa que prejudique um fio de cabelo em suas cabeças", disse.

O líder israelense disse que nomeou Gal Hirsch, um confidente e ex-comandante militar durante a guerra do Líbano em 2006, como seu "coordenador para os detidos e desaparecidos". Netanyahu disse que estava "formulando uma avaliação completa da situação" e "agindo com toda a força" para ajudar as famílias dos reféns.

No entanto, as famílias afirmam que foram deixadas em grande parte no escuro. "Não recebemos nenhuma informação —zero— das autoridades israelenses", disse Yossi Schneider, parente de outra família de Nir Oz que foi feita refém. São seis detidos: Margit e Yossi Silverman, na casa dos 60 anos, sua filha e genro Shiri e Yarden Bibas, ambos na casa dos 30 anos, e seu filho de quatro anos Ariel e o bebê de nove meses Kfir.

Israel por décadas se orgulhou de não negociar com grupos militantes pela libertação de reféns, preferindo usar a força —seja dentro de Israel ou famosamente em Uganda durante o sequestro de um avião da Air France para Entebbe em 1976. O irmão mais velho de Netanyahu, o oficial militar Yonatan Netanyahu, foi morto durante uma operação israelense bem-sucedida para resgatar esses reféns.

A política de Israel mudou drasticamente na década de 1980, quando o país começou a realizar trocas de prisioneiros. Autoridades militares também implementaram o "protocolo Hannibal", uma diretriz que permite às forças israelenses tomar medidas extremas, incluindo colocar em perigo a vida de um soldado, para evitar sua captura.

Em 1985, Israel trocou mais de 1.100 militantes presos por três soldados detidos por uma facção palestina de esquerda no Líbano. Em 2004, libertou mais de 400 prisioneiros em troca de um coronel israelense capturado pelo grupo militante Hezbollah em Dubai.

Arad, ex-conselheiro de segurança nacional, disse que a atual crise de reféns o lembrou do ataque a Entebbe devido ao grande número de reféns envolvidos e à ameaça às suas vidas. Na crise em andamento, ele acrescentou, o Hamas não apenas capturou combatentes, mas também civis: "Isso é uma ordem de magnitude completamente diferente: tanto um ultraje quanto um ato de atrocidade".

Com poucas informações disponíveis, parentes e amigos de pessoas desaparecidas estão vasculhando as redes sociais em busca de notícias. Schneider, parente da família de seis pessoas que está desaparecida, disse que soube do sequestro por meio de um vídeo nas redes sociais de Shiri em Gaza. Ela aparecia petrificada e cercada por militantes, segurando seus dois filhos no peito.

Adva Adar, cuja avó está desaparecida, disse: "Só espero que eles encontrem um lugar em seus corações para mantê-los seguros e trazê-los de volta para casa... Não sei se há alguém ouvindo".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.