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Netanyahu luta para transformar vexame militar em trunfo

Maior fracasso israelense em anos coloca pressão sobre premiê, mas guerra é fator de união

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São Paulo

No dia seguinte ao 50º aniversário do início da Guerra do Yom Kippur, Israel voltou a ser abalado por um ataque surpreendente de adversários árabes.

Se não chega a ser uma ameaça existencial como a superada em 1973, a infiltração de militantes do Hamas em diversas cidades do sul israelense, somada à chuva de foguetes iranianos à disposição do grupo na Faixa de Gaza, entra para a história como um dos maiores fracassos dos propalados serviços de inteligência do Estado judeu.

Fumaça na cidade de Gaza após um ataque aéreo israelense neste sábado (7)
Fumaça na cidade de Gaza após um ataque aéreo israelense neste sábado (7) - Mahmud Hams/AFP

A imagem da entrada ao vivo de um repórter palestino da TV de Gaza perto de Sderot, em Israel, é tão ou mais desafiadora do que as trilhas de fumaça dos milhares de mísseis lançados na manhã deste sábado (7).

Afinal de contas, o minúsculo território com 2 milhões pessoas sob o comando do grupo extremista islâmico é um dos locais mais vigiados da Terra. Os sistemas de monitoramento de Israel são pervasivos, abarcando comunicações pessoais de forma indistinta.

E não faltaram sinais: os últimos meses têm sido marcados por uma crescente tensão entre palestinos e israelenses. Como disse um diplomata ocidental em Tel Aviv, é quase inacreditável que uma ação desse escopo não tenha sido percebida antes de ocorrer.

Aí a discussão se volta ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, talvez o mais controverso político da história do país. Seu ataque às instituições israelenses, com propostas para domar o Judiciário gerando protestos gigantescos no país há meses, o coloca numa posição dúbia no centro da crise.

Sua reação foi pela cartilha: as Forças de Defesa de Israel iniciaram o bombardeio de posições do Hamas em Gaza e o premiê foi à TV falar que o país está em guerra. Com isso, busca galvanizar o apoio da população, ciosa de seu passado conturbado com os vizinhos.

Bibi, como o premiê é conhecido, terá do seu lado a pressão da direita religiosa israelense, que deseja uma ocupação definitiva do território de Gaza. Ele promoveu duas operações militares grandes na região, em 2012 e 2014, e agora será instado a acabar o serviço.

Para tal, contudo, precisa do apoio de uma sociedade cindida por sua ofensiva contra a democracia que se orgulha de ser uma exceção no Oriente Médio. É duvidoso se terá sucesso, ou mesmo se tentará ir até o fim contra o bem organizado Hamas.

Há fatores adicionais a considerar. Israel está num momento novo de sua história, em termos das relações com a vizinhança historicamente hostil. Após normalizar relações com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos em 2020, o país tem intensificado as conversas para fazer as pazes com o grande ator regional, a Arábia Saudita.

Assim, talvez Bibi modere a mão na sua reação de olho no apoio, ainda que tácito, dos antigos rivais. Com efeito, Riad instou ambos os lados a cessar a violência. A paz dos chamados Acordos de Abraão, patrocinados pelos Estados Unidos, visava isolar o Irã xiita de seus adversários da maioria muçulmana sunita no Oriente Médio.

No caminho, ficaram os palestinos e o menos conhecido conflito do Saara Ocidental, em nome dos grandes negócios potenciais. Nesse sentido, o ataque do Hamas deste sábado também é um grito contra o arranjo.

A situação se adensa também porque China interveio no processo, celebrando a reaproximação entre iranianos e sauditas, um processo com o dedo russo —Vladimir Putin é aliado de Teerã e joga ao lado de Riad na definição de políticas de preços de petróleo.

Assim, o cenário é menos claro para o premiê israelense. Sua aposta na ficha tradicional da ameaça física a Israel pode até dar certo, mas hoje Bibi é um político contestado em casa e com um contexto externo muito mais fluido do que no passado.

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