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Milei diz em debate que não houve 30 mil desaparecidos na ditadura argentina

Sergio Massa pede desculpas por erros do governo na inflação e afirma que ainda não era ministro quando ocorreram

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Buenos Aires

O primeiro debate televisivo entre candidatos à Presidência da Argentina, neste domingo (1º), já completava quase uma hora em tons mornos quando o ultraliberal Javier Milei pegou o microfone e disse que o número de desaparecidos na ditadura militar do país foi menor do que o estimado por organizações de direitos humanos.

O ultraliberal Javier Milei durante debate presidencial na Argentina neste domingo (2), em Santiago del Estero - Tomas Cuesta/Pool/AFP

"Não foram 30 mil desaparecidos, foram 8.753", disse o candidato que lidera a maioria das pesquisas, subindo o tom de voz pela primeira vez. O número oficial, que até hoje é compilado pelo Registro Unificado de Vítimas do Terrorismo de Estado, é de 8.631 mortos e desaparecidos no período de 1976 a 1983, mas o próprio relatório reconhece que a cifra é subestimada.

Com os cabelos mais penteados que o habitual, Milei também afirmou que há "uma visão torta da história", chamou grupos guerrilheiros de terroristas, declarou que "durante os anos 1970 houve uma guerra e nessa guerra as forças do Estado cometeram excessos" e criticou "aqueles que usaram a ideologia [dos direitos humanos] para ganhar dinheiro e realizar negócios obscuros".

Por outro lado, seu principal rival, o candidato governista Sergio Massa, já começou seu discurso tentando se desvencilhar do impopular presidente Alberto Fernández. "Eu tenho claro que a inflação é um problema enorme na Argentina. Também tenho claro que os erros deste governo causaram danos às pessoas. E por isso, ainda que eu não fosse parte até assumir como ministro da Economia [em agosto de 2022], peço desculpas."

Os dois têm polarizado a reta final das eleições argentinas, que ocorrem no próximo dia 22, por isso foram alvos de grande parte dos ataques no debate ocorrido na cidade de Santiago del Estero, no norte do país. Patricia Bullrich, candidata da oposição macrista e terceira na maioria das pesquisas, tentou mirar os dois, mas enfatizando o antikirchnerismo.

O evento terminou sem um grande vencedor ou perdedor, com trocas de acusações de todos os lados e sem discussões muito longas. A avaliação geral na imprensa argentina foi de que ninguém quis se arriscar muito: Milei se apresentou mais comedido, Massa buscou plantear um governo de coalizão, e Bullrich tentou reforçar a imagem de corajosa e linha-dura.

Um tema que se pensou que tomaria os holofotes, mas foi citado pontualmente, foi um escândalo que atingiu o kirchnerismo nos últimos dias. Imagens do chefe de gabinete do governo de Buenos Aires, Martín Insaurralde, aproveitando as férias com uma modelo num iate na Espanha viralizaram, o que fez com que ele renunciasse ao cargo a pedido de Massa.

O debate argentino, que diferentemente dos brasileiros é organizado pela Justiça Eleitoral e exibido por diversos canais e rádios, teve como eixos os temas economia, educação e direitos humanos e convivência democrática, este último votado pela população. Outra novidade foram os direitos de resposta, que não existiam antes. Um segundo debate ocorre no próximo domingo (8), em Buenos Aires.

A candidata da esquerda, Myriam Bregman, foi a única a contestar as falas de Milei sobre a ditadura. "Eu precisaria de quatro ou cinco horas para responder às barbaridades que ouvi", rebateu ela em tom jocoso, acrescentando que "são 30 mil e foi um genocídio". O termo "foram 30 mil" foi um dos mais comentados no X (antigo Twitter) na Argentina em certos momentos do evento, assim como "#MileiNoPrimeiroTurno".

Também foi da postulante da Frente de Esquerda uma das frases mais replicadas durante o debate: "Não é um leão, é um gatinho mimado do poder econômico", ela atacou Milei, que se compara com o felino. Além dos quatro rivais, participou também o peronista não kirchnerista Juan Schiaretti, governador de Córdoba. Juntos, os dois últimos somaram menos de 7% dos votos nas primárias, em agosto.

Naquele pleito, que não elege ninguém, mas mede a temperatura política do país, Milei surpreendeu ao superar as duas maiores forças políticas históricas. O ultraliberal acumulou 30,04% dos votos válidos, contra 28,27% somados da coalizão macrista Juntos por el Cambio e 27,27% do governista União pela Pátria. Individualmente, ele também foi o mais votado, seguido por Massa e depois Bullrich.

A esquerdista Myriam Bregman, o ministro da Economia Sergio Massa, a macrista Patricia Bulrich, o peronista não kirchnerista Juan Schiaretti e o ultraliberal Javier Milei em debate presidencial na Argentina - Tomas Cuesta/Pool/AFP

Até agora, a maioria das pesquisas mostra Milei rondando os 35% das intenções de voto, o peronista perto dos 30%, e a macrista com cerca de 25%. Uma pesquisa do instituto Atlas Intel divulgada nesta sexta é uma das únicas que indicam um empate técnico com Massa na liderança.

A Argentina vive sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, com um déficit fiscal insistente, alta dívida externa, moeda sem credibilidade e falta de dólares nos cofres públicos. Esses fatores têm feito o país sustentar uma das maiores inflações do mundo.

Os preços em geral subiram 124% nos últimos 12 meses, derretendo o valor dos salários e colocando uma parcela cada vez maior da população abaixo da linha da pobreza. Mesmo com um baixo desemprego, quatro em cada dez argentinos não conseguem pagar as despesas básicas, sendo que um desses é considerado indigente e sequer pode bancar a alimentação.

Por isso, a inflação foi o tema mais presente no debate. Os dois principais candidatos de direita propõem, em diferentes graus, uma dolarização da economia, a forte redução de gastos públicos e a abertura dos mercados, enquanto Massa aposta em investimentos nos setores energético, mineiro e agropecuário para inverter a balança comercial e obter mais dólares com exportações.

Bullrich criticou a promessa de Milei de fechar o Banco Central dizendo que "muito poucos países, como Kiribati, Tuvalu e Micronésia, não têm bancos centrais, e são todos paraísos fiscais", mas desviou de perguntas sobre seu plano econômico, o que foi ressaltado pelo adversário. A ex-ministra de Segurança preferiu defender os militares e policiais e criticou os protestos dos chamados "piqueteiros".

Havia uma expectativa de que Massa revelasse seus nomes cotados para comandar o Ministério da Economia e o Banco Central, o que não se concretizou.

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