Ultraliberal Javier Milei suaviza discurso na Argentina em busca de eleitores

Equipe do candidato abaixa o tom em propostas como dolarização, eliminação do Banco Central e saída do Mercosul

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Buenos Aires

Na Argentina, existe um conceito chamado Teorema de Baglini, que diz que o grau de responsabilidade das propostas de um candidato é diretamente proporcional às suas possibilidades de chegar ao poder. Ou seja: quanto mais longe se está do comando, mais irresponsáveis são os discursos políticos; quanto mais perto, mais sensatos eles se tornam.

Segundo o economista argentino Ignacio Galará, do Centro de Estudos Monetários e Financeiros de Madri, a teoria se aplica de forma precisa às mais recentes mudanças no tom do ultraliberal Javier Milei, que em poucos anos passou de comentarista antissistema a deputado federal e agora a favorito à Presidência.

O deputado Javier Milei, candidato presidencial na Argentina, volta a fazer campanha em La Plata, vizinha à cidade de Buenos Aires, nesta terça (12) - Agustin Marcarian -12.set.23/Reuters

Depois de conseguir um resultado surpreendente nas eleições primárias, há um mês, o economista de cabelos desgrenhados, e principalmente seus assessores, começaram a suavizar certas promessas como a dolarização da economia, a eliminação do Banco Central e a saída do Mercosul, numa tentativa de aumentar seu teto de votos e acalmar os mercados.

As ideias anarcocapitalistas e radicais, porém, seguem ali e continuam gerando temor em parte da população argentina, servindo como munição à imagem de "louco" que tentam construir seus adversários. São eles Sergio Massa, atual ministro da Economia pelo peronismo, e Patricia Bullrich, candidata linha-dura da aliança de direita Juntos por el Cambio.

As três forças políticas reuniram basicamente um terço dos votos cada uma em agosto —numa votação que não elege ninguém, mas serve para medir a temperatura até o primeiro turno, em 22 de outubro. Milei, porém, surpreendeu ao superar os dois grupos tradicionais e pintar o mapa pela primeira vez com as cores da sua coalizão A Liberdade Avança, angariando principalmente o voto de protesto.

Agora, o economista aparece em primeiro lugar em diversas pesquisas eleitorais, que indicam um segundo turno contra o governista Massa. Por isso, além dos indecisos, ele tem tentado captar o eleitor mais de centro que votou no peronista e também em Horacio Larreta, chefe de governo de Buenos Aires que acabou fora da disputa.

A maior moderação tem ficado a cargo de seus assessores próximos. O economista Darío Epstein gerou barulho ao dizer na semana passada, num evento do jornal Clarín, que "Javier Milei tem uma proposta de dolarização muito concreta. Tão concreta que não vamos dolarizar se não houver dólares", acrescentando que "o mais importante é não haver déficit fiscal".

A principal bandeira do libertário é substituir os desvalorizados pesos argentinos pelo dólar americano nas ruas, por meio de um sistema de livre concorrência entre as moedas, mas a crítica central a isso é que o país não tem reservas suficientes do dinheiro estrangeiro, o que seu assessor acabou admitindo.

Depois de dolarizar, a ideia seria "dinamitar" o Banco Central, palavra que sumiu do vocabulário de Milei nos últimos tempos. "O que eu entendo como eliminar o Banco Central é a função de política monetária. Eu vejo isso como uma regulação, o que não significa que se queira eliminá-lo", disse recentemente o candidato a senador Juan Nápoli, responsável pelos laços da campanha com o setor financeiro, à rádio El Observador.

Os dois economistas da equipe do candidato viajaram a Nova York nesta semana para conversar com cerca de 60 banqueiros e investidores e diminuir a desconfiança em Wall Street. Depois das primárias, o próprio Milei também já havia tentado apaziguar diretores do FMI (Fundo Monetário Internacional), a quem a Argentina deve o maior valor já emprestado pelo órgão.

"Um Milei que em 2016 tinha um discurso muito combativo contra o sistema, hoje está perto de fazer parte da elite política e necessitar desse mesmo sistema. Ele terá não só que negociar com a política tradicional que ele repudia, mas também com o empresariado, meios de comunicação, sindicatos. Invariavelmente terá que moderar-se", diz o pesquisador Galará.

Ele cita outros temas ainda mais polêmicos que o ultraliberal já havia deixado de lado nos últimos meses, como a liberação da venda de órgãos —"um mercado a mais", como afirmou em meados de 2022— e até de crianças. "Depende", ele respondeu na época ao ser questionado se era a favor da última medida, acrescentando que "se tivesse um filho, não o venderia".

"Quando Milei para de falar sobre esses assuntos, incluindo a venda de armas, sua imagem começa a melhorar até as primárias. Ele deixa de tocar em temas extremamente polêmicos, mas segue conservando o tom agressivo contra a política tradicional", diz a cientista política Paola Zuban, cofundadora da empresa de pesquisas Zuban Córdoba e Associados.

Ela, porém, diz não acreditar que o candidato tenha mudado tanto assim depois de vencer as eleições prévias. "Em relação à forma, sim, ele suavizou um pouco suas convicções sobre as propostas e a velocidade com que pretende aplicá-las. Mas ele segue tendo uma fala muito opositora, e está mais empoderado discursivamente", opina.

Sinal disso é que, apenas três dias após as primárias, o libertário afirmou à agência Bloomberg News que, se for presidente, sairá do Mercosul, uma "união aduaneira defeituosa", nas palavras dele. "Nosso alinhamento geopolítico é com os EUA e Israel [...] Não vamos nos alinhar com comunistas", declarou também ao rechaçar a entrada da Argentina no Brics (hoje com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Dez dias depois, sua possível futura chanceler, a também economista Diana Mondino, relativizou as falas e disse que, caso Milei seja eleito, "de nenhuma maneira" a Argentina vai parar de fazer negócios com a China ou com o Mercosul, principais parceiros comerciais da nação vizinha.

"A gente precisa aprofundar e modificar a relação 100%. [...] Em muitos casos, os países [do Mercosul] produzem a mesma coisa e não vendemos uns para os outros, mas para o mundo. Um quilo de carne do país A é igual a um quilo do país B, que não é vendido, e há uma competição de preços para vender no exterior", afirmou ela no evento do Clarín.

Do lado brasileiro, aposta-se em certa medida nessa possibilidade de moderação, mas o clima geral ainda é de profunda incerteza.

"A própria equipe de Milei tem opiniões distintas sobre alguns temas, então não se sabe efetivamente que medidas ele vai tomar até que defina seu ministro da Economia e que passe pelas eleições", diz Zuban.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.