Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Crianças são um terço das vítimas da guerra em Gaza, afirmam palestinos

Perfil demográfico e infraestrutura precária do território adjacente a Israel agravam impactos do conflito na infância

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Uma das regiões mais densamente povoadas do planeta —são 6.000 habitantes por quilômetro quadrado, enquanto no Brasil, para comparação, 23— e com um alto percentual de crianças —menores de 14 anos são 40% da população—, a Faixa de Gaza é uma bomba-relógio para impactos de um conflito armado na infância.

Homem carrega menina palestina ferida durante bombardeio na cidade de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza
Homem carrega menina palestina ferida durante bombardeio na cidade de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza - Ibraheem Abu Mustafa - 11.out.23/Reuters

Ao longo de 16 anos, de janeiro de 2008 a setembro passado (pouco antes, portanto, de eclodir a atual guerra no Oriente Médio), o conflito entre palestinos e israelenses matou mais de 5.300 pessoas neste estreito pedaço de terra na costa com o Mediterrâneo, segundo dados da ONU. Mais de 1.200, ou 23%, eram crianças —que as Nações Unidas compreendem como todos aqueles menores de 18 anos.

Na atual guerra entre Tel Aviv e o Hamas, a facção terrorista que controla Gaza, as cifras percentuais são ainda mais expressivas. Em menos de uma semana, morreram ao menos 1.900 pessoas na região, sendo 614 deles (33%) crianças, segundo balanço do Ministério da Saúde palestino divulgado na tarde desta sexta-feira (13).

"Quando existe conflito em um país, as crianças são sempre as que pagam o preço mais pesado", diz Ricardo Pires, porta-voz do Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, em Nova York.

"Quando casas começam a ser destruídas, elas veem o trauma de uma guerra que nem um adulto teria condições de lidar. Isso para uma criança define o desenvolvimento dela por décadas."

Gaza, assim, não é exceção —todo conflito armado crava consequências na infância. Mas o território adjacente a Israel e fronteiriço com o Egito conta com os agravantes de sua pirâmide etária jovem e de sua infraestrutura deficiente.

A região só tem metade de sua demanda elétrica atendida e, frente ao bloqueio terrestre, aéreo e marítimo decretado por Tel Aviv, viu desaparecer a pouca eletricidade existente —o que abastece, por exemplo, hospitais com unidades de tratamento intensivo.

Segundo levantamento feito pelo Unicef, desde 2008 foram identificadas, em diferentes momentos, 816 mil crianças que necessitavam de atendimento voltado para saúde mental devido a fatores relacionados ao conflito regional.

"Os hospitais em Gaza estão lotados, não têm mais capacidade de responder à demanda. A situação é caótica e catastrófica, e essa matança de crianças precisa parar", diz o porta-voz. "Crianças israelenses mantidas reféns [pelo Hamas] também devem ser imediatamente reunidas com seus familiares. A compaixão e o direito internacional devem prevalecer."

Do lado israelense, o conflito prolongado com os palestinos também vitima os mais jovens. Tel Aviv não tem divulgado o número de crianças entre suas vítimas. Mas, segundo o mesmo levantamento da ONU, de 2008 até antes do início desta guerra morreram 25 crianças em Israel como consequência direta das hostilidades.

Tel Aviv também afirma haver crianças mortas nas primeiras comunidades agrícolas atacadas pelo Hamas desde o último sábado (7). Fotos divulgadas pelo governo mostram bebês degolados e carbonizados.

Antigo porto comercial e marítimo, a Faixa de Gaza foi densamente povoada a partir de 1948, ano de formação do Estado de Israel, quando milhares de aldeões árabes, expulsos das áreas que ocupavam, foram para a região costeira. Desde então, estão ali também os campos de refugiados palestinos —são ao menos oito em toda Gaza, que reúnem no total cerca de 1,5 milhão de pessoas.

A região que hoje soma 2,2 milhões de pessoas tem ainda uma alta taxa de fecundidade: 3,3 nascidos vivos por mulher. A média global é de 2,3.

"Cada vez mais crianças estão pagando um preço muito caro", afirma Pires, do Unicef. Traçando um paralelo com a Guerra da Ucrânia, ele lembra que o caso no Oriente Médio é muito mais complexo: a nação do Leste Europeu viu as fronteiras de vários países vizinhos, como Polônia, abrirem-se para seus refugiados, muitos deles menores de idade. Gaza, não. E a negociação sobre a abertura de um corredor humanitário para retirada de civis parece bloqueada.

No caso ucraniano, onde a guerra passa de dois anos e meio, ao menos 1.741 crianças morreram, segundo dados do próprio Unicef. Outros 4,1 milhões de crianças precisam de ajuda humanitária dentro do país.

Neste conflito, a infância também esteve no centro do debate em março passado, quando o TPI (Tribunal Penal Internacional) emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, por supostamente ser o responsável pela deportação de crianças ucranianas de áreas ocupadas por Moscou no país vizinho.

Ricardo Pires lembra que também são as crianças as mais atingidas em conflitos por toda a África, um continente majoritariamente jovem e cujos países, em especial na porção Subsaariana, têm altas taxas de fecundidade. No Sudão, hoje em guerra civil, por exemplo, metade da população tem menos de 18 anos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.