Biden e Xi concordam em retomar contatos militares, combater fentanil e controlar IA

Líderes se encontraram na Califórnia nesta quarta em reunião que durou cerca de quatro horas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Os líderes das duas principais potências do mundo se encontraram na tarde desta quarta-feira (15) para uma reunião sobre a qual a Casa Branca insistiu que não fossem criadas expectativas. Os principais avanços foram no combate ao fentanil, droga no centro de uma crise de saúde pública nos EUA cujos insumos vêm da China, controle da inteligência artificial e retomada das comunicações militares.

Um ano depois de sua última conversa, com direito a uma "crise dos balões" no período, Joe Biden e Xi Jinping apertaram as mãos no início da tarde na Califórnia, com meia hora de atraso em relação ao previsto, por volta das 16h15 (horário de Brasília).

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o dirigente da China, Xi Jinping, apertam as mãos antes de reunião bilateral na Califórnia - Kevin Lamarque - 15.nov.23/Reuters

A reunião durou cerca de duas horas, seguida por um almoço de trabalho entre as duas equipes. No total, os líderes passaram quatro horas juntos. Falando a jornalistas na noite de quarta, após a reunião, Biden disse que foi uma das discussões "mais produtivas e construtivas" entre os dois líderes. Não foi emitido um comunicado conjunto.

Em nota sobre a reunião, a Casa Branca afirmou que o americano "reiterou que o mundo espera que EUA e China gerenciem sua competição responsavelmente para evitar que ela leve a um conflito, confronto, ou uma nova Guerra Fria."

O principal avanço foi a retomada do contato entre o braço militar de cada país e a reabertura para que os dois presidentes voltem a falar diretamente entre si. O fechamento unilateral pela China desses canais, em meio a um aumento de interceptações de navios e aviões americanos em zonas internacionais próximas de Pequim, era uma das maiores preocupações de Washington.

"Erros de cálculo vitais em qualquer um dos lados podem causar problemas reais com um país como a China ou qualquer outra potência", disse Biden.

Em relação ao fentanil, o presidente americano disse que Xi concordou com um controle sobre a produção de insumos para a fabricação da droga, enviados por laboratórios chineses ao México, onde o produto é fabricado e transportado ilegalmente aos EUA. Casos de morte pelo uso da droga, como o de crianças após contato acidental com o produto, têm chocado o país e sido invocados por republicanos em suas críticas a Biden.

O americano, no entanto, fez a ressalva de que a China já havia prometido em 2019 combater a produção desses insumos. Questionado se confia em Xi, ele respondeu: "Confie mas fiscalize, como diz o ditado".

Sobre inteligência artificial, tema em que era esperado o anúncio de algum avanço, dado o interesse comum das potências de que a tecnologia não fuja de controle, a ideia é que experts de ambos os lados trabalhem juntos.

No campo das tensões, Biden reforçou que Washington não quer mudar sua política em relação a Taiwan, mantendo o apoio à visão de uma China. O tema é um dos mais espinhosos na relação entre os países —uma visita da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, à ilha no ano passado foi o estopim para o rompimento das comunicações entre as potências.

Ao mesmo tempo, os EUA deixaram claro que não aceitarão uma interferência chinesa nas eleições em Taiwan, programadas para o início do próximo ano.

Segundo Biden, foram tratados também abusos de direitos humanos em Xinjiang, no Tibet e em Hong Kong, "ações coercitivas" no Mar do Sul da China e americanos detidos por Pequim, passando uma lista dos nomes. "Não houve acordo sobre isso", salientou.

O americano ainda pressionou Xi a usar sua proximidade com o Irã para evitar uma escalada do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

A reunião ocorreu em uma propriedade de luxo em Woodside, a cerca de 40 quilômetros de San Francisco, cuja localização foi mantida em sigilo até o último minuto por autoridades americanas por uma questão de segurança. Em uma longa mesa, as equipes de cada país se distribuíram lado a lado, com Biden e Xi ao meio.

À esquerda do americano, sentou-se o secretário de Estado, Antony Blinken, e, à direita, a secretária do Tesouro, Janet Yellen. No total, 12 pessoas acompanharam o presidente americano, e outras 12, o chinês. "Lá vêm eles", disse Biden rindo, conforme a delegação chinesa entrava na sala.

Como é praxe na diplomacia, as falas iniciais de cada presidente puderam ser acompanhadas pela imprensa. Da sua parte, o americano enfatizou estar satisfeito com o reencontro dos dois, e afirmou que as conversas pessoais entre eles sempre foram "sinceras, objetivas e úteis".

Em alusão à tensão entre as potências após a China cortar os canais de comunicação com Washington em agosto do ano passado, Biden afirmou que a reunião "líder a líder" é essencial para evitar "mal-entendidos".

Falando em seguida, Xi preferiu enfatizar a economia. O chinês disse que o mundo se recupera do impacto da pandemia de coronavírus, mas ainda de modo lento, e cutucou a adoção de medidas protecionistas —os EUA implementaram ao longo do último ano limites a exportações e investimentos em Pequim, alegando defesa de interesses de segurança nacional.

O dirigente disse também que a relação bilateral entre EUA e China é a mais importante do mundo. Reconheceu que há problemas nesse diálogo, mas afirmou que uma potência virar as costas para a outra "não é uma opção". "Conflito e confronto têm consequências intoleráveis para os dois lados."

Times dos dois países passaram as últimas semanas acertando a coreografia da reunião –havia uma forte preocupação para que Xi não fosse visto como submisso ao seu anfitrião.

A principal ambição da Casa Branca era convencer a China a retomar os canais de comunicação com Washington, sobretudo os militares. Do lado chinês, como sinalizado pela fala de Xi, a expectativa era obter avanços no campo econômico, diante das dificuldades enfrentadas em casa.

A bilateral não foi a única aposta do líder chinês para obter algum ganho econômico. Xi participou de um jantar com CEOs à noite –com ingressos a partir de US$ 2.000 (R$ 10 mil).

Segundo a Casa Branca, Biden afirmou que os EUA seguirão comprometidos em evitar que tecnologias avançadas americanas sejam usadas contra seus próprios interesses, "sem limitar indevidamente comércio e investimentos".

Ambos também falaram sobre a crise climática, reconhecendo a importância de as duas potências —as duas maiores emissoras do mundo— em acelerar esforços para combater o problema global.

Na véspera do encontro, o Departamento de Estado americano divulgou um comunicado conjunto registrando as negociações em julho e novembro entre o enviado especial americano para o clima, John Kerry, e seu par chinês, Xie Zhenhua. As conversas sobre o tema haviam sido congeladas pela China, após a visita de Pelosi.

O documento reafirma o compromisso das duas potências com a implementação de acordos sobre o clima, como o de Paris, e destacam a importância da COP28, conferência que acontece no final do mês.

Falando sob condição de anonimato, oficiais do governo Biden dizem que uma dúvida é o quanto o comprometimento demonstrado pela China com a visita de Xi vem de um interesse genuíno em melhorar a relação, ou uma medida tática de curto prazo.

A bilateral aconteceu às margens do encontro anual da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, na sigla em inglês), grupo que reúne 21 economias da região do Pacífico. Delegações dos membros estão desde sábado (11) em San Francisco, para uma programação que vai até sexta (17).

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.