Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Família busca contato com brasileira em Gaza que não dá notícias há 2 semanas

Umm Abdo, 40, vive na Cidade de Gaza e tem sete filhos; ela era casada com o filho de um dos fundadores do Hamas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Uma família busca informações sobre uma brasileira de 40 anos e seus sete filhos que vivem em Gaza. Os parentes, que moram em Goiás, perderam o contato com eles há mais de duas semanas. As autoridades brasileiras também não têm notícias.

O território está sob ofensiva israelense, com mais de 14,5 mil mortos, em resposta aos ataques terroristas cometidos pelo Hamas em 7 de outubro que deixaram 1.200 vítimas. Dada a delicadeza da situação, a brasileira aparece nesta reportagem apenas como Umm Abdo, que em árabe quer dizer "mãe do Abdo". Revelar seu nome verdadeiro agora poderia colocá-la em risco. Ela era casada com o filho de um dos fundadores da facção terrorista, de quem se separou recentemente, alegando violência doméstica.

A família mantinha contato com Umm Abdo por meio das redes sociais e de um número de telefone palestino. A brasileira, porém, não dá notícias nem retorna mensagens desde o último dia 7. A publicação mais recente de uma de suas filhas foi feita no dia 5 de novembro.

Após bombardeio, moradores da Cidade de Gaza usam carroça para fugir em direção ao sul do território palestino
Após bombardeio, moradores da Cidade de Gaza usam carroça para fugir em direção ao sul do território palestino - Rizek Abdeljawad - 18.nov.23/Xinhua

Não é incomum passar algum tempo sem receber comunicação de alguém em Gaza. O acesso à eletricidade, à cobertura telefônica e à internet é irregular. Palestinos que moram no exterior relatam, desde o começo da guerra, uma rotina de desespero à espera de qualquer informação de seus familiares dentro do território.

O silêncio de Umm Abdo, porém, é mais longo do que o habitual. No último contato com a Folha, ela seguia na Cidade de Gaza, em meio a frequentes bombardeios. Chegou a compartilhar vídeos do que seriam ataques aéreos israelenses, filmados de dentro da escada de um prédio. "É um pouquinho do que vivemos diariamente aqui", escreveu.

Umm Abdo nasceu em Santa Catarina e cresceu no Rio Grande do Sul. De família católica, começou a ler sobre o islã quando era criança e se tornou muçulmana aos 18 anos, em Brasília. Foi quando conheceu o marido, Said Dukhan, pela internet.

A família brasileira diz que Umm Abdo não sabia naquele momento que Said era filho de um dos fundadores do Hamas. Não há indício de que ela tivesse contato direto com a facção ou que estivesse a par de suas operações.

Seu sogro, Abd al-Fattah, morreu aos 87 anos nos primeiros dias da atual guerra com Israel. Segundo os relatos de pessoas próximas à família, devido a causas naturais.

O anúncio em um canal oficial do Hamas ressaltou as contribuições de Abd al-Fattah à luta contra Israel. Outro de seus filhos, Tariq, foi membro da Brigada Izz al-Din al-Qassam, braço armado do Hamas. Ele morreu em 1992.

Abd al-Fatah Dukhan (esq.), um dos fundadores do Hamas, ao lado de Mahmoud al-Zahar, em 2006; morto há um mês,
Abd al-Fatah Dukhan (esq.), um dos fundadores do Hamas, ao lado de Mahmoud al-Zahar, em 2006; Abd al-Fatah era sogro de Umm Abdo - Mohammed Salem - 17.fev.2006/Reuters

Umm Abdo se mudou para Gaza em 2005, onde teve sete filhos. A mais velha é uma menina de 17 anos. O mais novo, um menino de quatro. A família recentemente mostrou à reportagem uma fotografia de todos os seus filhos —exceto o caçula— sorrindo e mostrando o passaporte brasileiro para a câmera, ao lado de um diplomata.

Ela já testemunhou uma série de guerras nestas quase duas décadas em Gaza. Em 2014, quando recebeu a Folha em sua casa, tinha inclusive acabado de sobreviver a um conflito entre o Hamas e Israel. Dizia que seguiria ali, apesar de tudo.

Em todos os contatos recentes, Umm Abdo se mostrou bastante receosa de dar qualquer informação pessoal. Disse diversas vezes que não queria ser famosa e que sua vida não merecia mais atenção do que a dos demais 2 milhões de pessoas que moram dentro da Faixa de Gaza.

A brasileira viveu também dificuldades domésticas. Deixou o marido e se abrigou em uma organização de caridade. Ficou, porém, sem a guarda dos filhos. Foi para cuidar deles que decidiu ficar em Gaza, em vez de se unir ao grupo de 32 resgatados neste mês. Mas, até onde se sabia, ela queria levá-los para o Brasil, longe das guerras que viu em sua vida em Gaza.

Hoje, só é possível sair do território palestino pela passagem de Rafah, rumo ao Egito, mas há diversos entraves. A retirada da primeira leva de brasileiros levou semanas e exigiu uma ação coordenada entre autoridades do Brasil, da Palestina, do Egito e de Israel. O governo brasileiro trabalha agora com uma segunda lista de repatriação, no momento com 86 nomes. O Itamaraty não deu detalhes, mas é provável que haja brasileiros e parentes palestinos nesta relação.

A família de Umm Abdo acompanha a guerra de longe, em Alto Paraíso (GO). Afirmam que já estão em contato com diplomatas brasileiros. Na hipótese de que algo tenha acontecido com Umm Abdo, os parentes gostariam de trazer os filhos dela para o Brasil. A guarda, porém, segue sendo um desafio já que, até onde a família sabe, eles vivem com o pai, Said, na Cidade de Gaza.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.