Hamas diz ter 'guerra permanente' contra Israel como objetivo

Líderes do grupo terrorista afirmam que ataque de 7 de outubro trouxe causa palestina de volta ao centro do debate

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Ben Hubbard Maria Abi-Habib
Doha | The New York Times

Os líderes do Hamas, grupo terrorista por trás do ataque de 7 de outubro que segundo Israel levou à morte de 1.400 de cidadãos e ao sequestro de outros 240, não poupam elogios à operação. Alguns torcem, inclusive, para que ela desencadeie um conflito tão perene que qualquer pretensão de coexistência entre Israel, Gaza e países ao redor seja aniquilada.

"Espero que o estado de guerra com Israel se torne permanente em todas as fronteiras, e que o mundo árabe esteja ao nosso lado", diz Taher El-Nounou, assessor de imprensa da organização. Era necessário "mudar toda a equação e não apenas entrar em confronto", afirma Khalil al-Hayya, da cúpula do Hamas, ao The New York Times, em Doha, capital do Qatar. "Conseguimos trazer a questão palestina de volta à mesa."

Palestinos carregam corpos de crianças mortas em Khan Younis, na Faixa de Gaza, após bombardeio
Palestinos carregam corpos de crianças mortas em Khan Younis, na Faixa de Gaza, após bombardeio - Yousef Masoud -19.out.23/The New York Times

Em semanas de entrevistas, líderes do Hamas, além de autoridades árabes, israelenses e ocidentais que acompanham o grupo, afirmaram que o ataque havia sido planejado e executado por um círculo restrito de comandantes em Gaza que não compartilharam detalhes sobre ele com seus próprios representantes políticos no exterior ou mesmo com aliados regionais, como o Hezbollah. Israel não teria sido, portanto, o único a ser pego de surpresa pelo incidente.

A devastação causada pelos atentados teria servido a um dos principais objetivos daqueles que os planejaram: quebrar o impasse de longa data dentro do Hamas sobre a sua identidade e propósito. Seria ele sobretudo um órgão político —responsável por administrar a vida cotidiana em Gaza— ou, de forma mais fundamental, uma força armada, comprometida com a destruição de Israel?

Com o ataque, os líderes do grupo em Gaza —incluindo Yehia Sinwar, que passou mais de 20 anos em prisões israelenses, e Mohammed Deif, um comandante militar que Israel tentou assassinar várias vezes— responderam à pergunta com a segunda opção.

"O que poderia mudar a equação era um grande ato e, sem dúvida, sabia-se que a reação a isso também seria grande", diz Hayya, acrescentando que "tínhamos que dizer às pessoas que a causa palestina não iria morrer".

Um dos comandantes do grupo em Gaza, Yehia Sinwar, assumiu o comando do Hamas no território em 2017. Firme e sério, com cabelos brancos cortados rente à cabeça e a barba aparada, ele vem da primeira geração do Hamas, fundado durante a Primeira Intifada, no final dos anos 1980, e considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos e outros países.

Sinwar ajudou a criar as Brigadas Al-Qassam, a ala armada do Hamas, que se tornou conhecida por promover ataques suicidas em cidades israelenses e disparar foguetes contra Israel a partir de Gaza. Ele também atuava na contra-inteligência, caçando espiões. Sua brutalidade contra eles lhe rendeu o apelido de "açougueiro de Khan Yunis", cidade de Gaza onde nasceu.

Preso em 1988 em Israel, onde ficou por mais de duas décadas detido, Sinwar retornou a Gaza em 2011 após uma troca de prisioneiros. Então, encontrou o movimento palestino profundamente dividido.

Logo em 2012, ele se tornou o elo entre o braço armado e a liderança política do Hamas, fazendo com que se relacionasse de forma mais íntima com líderes como Deif, o misterioso chefe das Brigadas Al-Qassam. Segundo autoridades árabes e israelenses, os dois homens foram os principais arquitetos do ataque de 7 de outubro.

Antes do atentado, em 2021, o Hamas tinha lançado uma guerra contra Tel Aviv para protestar contra a anuência do governo em relação à retirada de palestinos de suas casas em Jerusalém Oriental e as incursões da polícia israelense à Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, um dos locais mais sagrados do islamismo.

Aquele foi um ponto de virada, afirma Osama Hamdan, líder do Hamas baseado em Beirute, ao New York Times. Em vez de disparar foguetes por causa de questões ligadas à vivência cotidiana em Gaza, o Hamas estava enfim lutando por preocupações importantes para todos os palestinos, incluindo aqueles que vivem fora do território. Os eventos também convenceram muitos no Hamas de que Israel buscava levar o conflito a um ponto de não retorno, de modo a garantir a impossibilidade da fundação de um Estado palestino.

"Os israelenses estavam preocupados apenas com uma coisa: como nos livrarmos da causa palestina?" diz Hamdan. "Eles estavam indo nessa direção e nem sequer pensando nos palestinos. E se os palestinos não resistissem, tudo isso poderia ter acontecido."

Um oficial de segurança regional disse que o Hamas esperava que, uma vez iniciado o ataque do dia 7 de outubro, palestinos em outros lugares se insurgissem contra Israel, com outros povos árabes se revoltando contra seus governos e aliados regionais do grupo, incluindo o Hezbollah, se juntando à luta.

Mesmo assim, pelo menos quatro serviços de inteligência —dois árabes e dois europeus— avaliaram que o Hezbollah não tinha conhecimento prévio do ataque. Também líderes políticos do Hamas fora de Gaza ficaram surpresos com o ataque, segundo vários funcionários árabes e ocidentais que acompanham seus movimentos.

Isso não impediu que os líderes palestinos elogiassem seus correligionários por revitalizar a luta armada contra Israel. "O objetivo do Hamas não é governar Gaza e fornecer água e eletricidade e coisas do tipo", diz al-Hayya, membro do comitê central de decisão do grupo. "O Hamas, [as Brigadas] Qassam e a resistência acordaram o mundo de seu sono profundo e mostraram que essa questão deve permanecer na mesa."

"Essa batalha não se deu porque queríamos combustível ou [vistos para] trabalhadores", acrescenta. "Não buscou melhorar a situação em Gaza. Essa batalha é para mudar totalmente a situação."

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