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Paradoxo da trégua se apresenta para Israel e Hamas

Com soltura de reféns civis chegando ao fim, divergências de interesses devem se impor

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São Paulo

A trégua entre Israel e o Hamas está assentada sobre uma fundação precária que as sucessivas extensões negociadas por atores com interesses divergentes não têm como consertar sem que haja uma mudança tectônica em Tel Aviv —e aqui se fala de ideias em um país traumatizado, não de governos.

O paradoxo pode ser simplificado assim: você convida seu inimigo para negociar uma trégua, mas avisa desde o começo que ele será morto assim que seus termos estiverem satisfeitos.

Soldados israelenses reunidos junto a seus tanques durante a trégua com o Hamas, ao sul da Faixa de Gaza
Soldados israelenses reunidos junto a seus tanques durante a trégua com o Hamas, ao sul de Gaza - Menahem Kahana - 29.nov.2023/AFP

A moeda de troca são os reféns tomados pelo Hamas em seu brutal ataque de 7 de outubro, evento fulcral na tumultuada história de 75 anos do Estado judeu. O grupo terrorista tem recebido 3 palestinos soltos de cadeias israelenses para cada sequestrado que liberta.

O problema para o Hamas é que, das mais de 200 pessoas que sequestrou, um número incerto delas já mortas, o estoque de crianças, mães, idosas e doentes parece estar perto do fim.

Nada indica que o Hamas soltará esses talvez 100 militares/homens aptos a lutar, dado que são a única garantia que o grupo terá para futuras negociações, uma vez que o governo de Binyamin Netanyahu promete dia sim, dia sim, que a guerra recomeça assim que a trégua acabar. Como fará isso no ora superpovoado sul de Gaza, essa é outra história.

O premiê está numa situação miserável. Perderia qualquer eleição hoje, segundo pesquisas, não menos pelo seu papel na tentativa de dividir os palestinos deixando o Hamas correr solto —e ignorando alertas de uma inteligência falha. E Bibi, como é conhecido, já dividia a sociedade israelense com seus ataques ao Judiciário.

O experiente político sabe que está diante de um beco sem saída. Precisa seguir com sua campanha visando desabilitar militarmente o Hamas porque o público não aceitará um novo 7 de outubro, mas também porque sem isso perde apoio da direita religiosa de sua coalizão e cai antes do provável.

Por outro lado, isso significa entregar à sorte os reféns remanescentes. A violência da operação militar israelense no norte de Gaza não deixa dúvidas de que, se quiser de fato quebrar as pernas (e os túneis) do Hamas, os danos colaterais são inevitáveis. Se boa parte de Israel tolera que eles sejam civis palestinos, o mesmo não pode ser dito de reféns judeus.

Aí entram os atores externos. Em um ato de claro desespero, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, correu a Tel Aviv para tentar descobrir como fazer a trégua perdurar mais do que as 24 horas adicionais anunciadas nesta quinta (30). Com a ajuda de Egito e Qatar, deverá conseguir mais algum tempo.

O governo de Joe Biden agiu de forma decisiva para apoiar a guerra israelense, dissuadindo o Irã, o Hezbollah e outros de escalar o conflito. Mas o preço das mortes civis palestinas pesa, em particular no Partido Democrata do presidente, e tudo o que ele gostaria seria um fim para a crise antes do começo da campanha pela reeleição de 2024.

Mas uma hora o paradoxo se imporá, assim como os interesses divergentes se chocarão com a realidade em campo. Países árabes moderados, como o Egito, condenam a guerra de Israel, mas querem ver o Hamas acabado para evitar que o grupo vire um farol para fatias de sua própria população e que seu patrono, o Irã, ganhe cacife.

O Qatar, um camaleão que tem apoio do Irã, abriga o Hamas e sedia a maior base americana no Oriente Médio, quer o grupo de Gaza vivo, dado que investiu bilhões de dólares nele e na região com a complacência de Bibi. Se possível, como força militar, o que Israel não aceita.

Mesmo como grupo meramente político, é difícil: governará o quê? Disputará eleições com o Fatah que comanda a carcomida Autoridade Nacional Palestina? O exemplo de 2006, quando o Hamas ganhou eleições legislativas palestinas que acabaram ignoradas, mostra o limite da ideia.

O tempo então corre em favor de mais um ciclo de violência, que os renovados episódios desta quinta em Jerusalém, Cisjordânia e fronteira libanesa parecem antecipar. Exceto que haja uma ruptura política em Israel, e não se fala de Bibi no cargo ou não, e sim de aceitar os carrascos do 7 de outubro como atores políticos. Não parece factível.

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