Israel tenta montar 'quebra-cabeças' da violência sexual da qual acusa o Hamas

Denúncias de estupros e abusos sexuais cometidos pelo grupo terrorista durante invasão em 7 de Outubro ganham força

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Claire Gounon
Jerusalém | AFP

Mais de dois meses depois do ataque do Hamas em Israel, aumentam as denúncias de estupros e agressões sexuais cometidos durante a ofensiva. Mas a magnitude dessas ações é difícil de precisar, devido à escassez de testemunhas e à falta de provas periciais.

Manifestantes seguram cartazes de mulheres e meninas feitas reféns pelo Hamas durante protesto em Londres que também questionou silêncio sobre violência sexual cometida em 7 de outubro no sul de Israel
Manifestantes seguram cartazes de mulheres e meninas feitas reféns pelo Hamas durante protesto em Londres que também questionou silêncio sobre violência sexual cometida em 7 de outubro no sul de Israel - Henry Nicholls - 3.dez.23/AFP

"O Hamas utilizou estupro e violência sexual como armas de guerra", disse no início do mês o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan.

Nas últimas semanas, aumentaram as denúncias de que os membros da facção terrorista cometeram estupros coletivos, atos de necrofilia e mutilações de genitais dos corpos. O Hamas nega as acusações e afirma que a intenção das denúncias é "demonizar" o grupo que governa Gaza.

Testemunhas e especialistas entrevistados pela agência AFP indicaram que não é possível ter um panorama completo das atrocidades cometidas durante o ataque devido ao caos posterior à ofensiva.

O ataque deixou cerca de 1.200 mortos, segundo balanço de Tel Aviv. Nos dias seguintes, centenas de corpos chegaram à base militar de Shura, no centro de Israel. Muitos estavam carbonizados e mutilados a ponto de dificultar o trabalho dos especialistas.

Mirit Ben Mayor, porta-voz da polícia, informou que não há laudos periciais sobre violência sexual. "Não foi comprovado se os corpos foram estuprados", indicou. Segundo as normas tradicionais do judaísmo, o enterro deve ocorrer rapidamente após a morte.

A AFP entrevistou uma reservista que se encarregou de identificar e lavar os cadáveres das militares mortas no ataque. "Ficamos chocadas", relatou Shari, que não informou o sobrenome. Os corpos de "muitas mulheres jovens chegaram enrolados em panos ensanguentados", contou. "A comandante de nosso grupo viu [os corpos de] várias militares com disparos na virilha, vagina e seios."

O ataque de 7 de outubro foi o mais mortal contra civis em território israelense desde a criação do Estado em 1948. Em resposta, Israel lançou uma ofensiva aérea e terrestre que deixou ao menos 20 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, segundo o Hamas.

Eli Hazen, da organização Zaka, especializada na identificação de vítimas de desastres para um enterro segundo as tradições judaicas, afirmou que houve "problemas de comunicação" e de coordenação entre socorristas, Exército e polícia.

Segundo Hazen, o corpo de uma mulher seminua, com tiro na nuca e em posição que sugere agressão sexual foi encontrado no kibutz Beeri. Na mesma comunidade agrícola, acrescentou o voluntário, o corpo de uma jovem foi encontrado embaixo do cadáver de um combatente e ambos seminus.

Simcha Greiniman, também voluntário da Zaka, contou que em outro kibutz uma mulher morta foi encontrada com objetos cortantes na vagina.

Nos casos de estupro, a situação é mais complexa. Especialistas afirmam que a maioria das possíveis vítimas está morta, e a exumação é proibida no judaísmo.

Há relatos de testemunhas, especialmente de sobreviventes do Festival Supernova, que reuniu 3.000 pessoas a 10 quilômetros de Gaza, onde 364 morreram. "Havia três garotas jovens, despidas da cintura para baixo, com as pernas abertas. Uma tinha o rosto queimado", contou Rami Shmuel, um dos organizadores do evento.

O Exército israelense divulgou documentos encontrados, segundo os militares, nos corpos de combatentes do Hamas, entre eles, um livro de instruções com frases como "tirem-lhes as calças", "tirem-lhe as roupas".

Diplomatas israelenses contatados pela AFP classificaram a investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU como "tendenciosa" e acusaram seus membros de serem "antissemitas" e "anti-israelenses".

O Tribunal Penal Internacional (TPI), cujo procurador Karim Khan visitou a região após a eclosão do conflito, pode decidir se iniciará uma investigação.

Cochav Elkayam-Lévy, professora de direito que fundou a "Comissão Civil sobre os Crimes que o Hamas cometeu contra Mulheres e Crianças", com o objetivo de documentar relatos e provas dessas agressões, diz que uma investigação pode levar anos e, muitas vezes, as vítimas demoram a falar.

"Nunca saberemos o que aconteceu com essas mulheres, mas estamos montando este quebra-cabeças, peça por peça."


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