Descrição de chapéu The New York Times

Judeu escondido na Holanda publicou revista crítica ao nazismo durante 2ª Guerra

'O Cabaré Subaquático' teve 95 edições e mirava alemães e colaboradores holandeses com poesia satírica

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Nina Siegal
The New York Times

Por mais de dois anos, a casa de Curt Bloch era um pequeno espaço abaixo das vigas de uma modesta casa de tijolos em Enschede, uma cidade holandesa perto da fronteira alemã. O sótão tinha uma única janela pequena. Ele compartilhava o espaço com outros dois adultos.

Durante esse tempo, Bloch, um judeu alemão, sobreviveu na Holanda ocupada pelos nazistas contando com uma rede de pessoas que lhe forneciam comida e guardavam seus segredos.

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Uma das capas da revista publicada por Curt Bloch, de teor crítico ao nazismo - Charities Aid Foundation America via The New York Times

Nesse aspecto, ele era como pelo menos 10 mil judeus que se esconderam na Holanda e conseguiram viver fingindo não existir. Pelo menos outros 104 mil —muitos dos quais também buscaram refúgio, mas foram encontrados— acabaram sendo enviados para a morte.

Mas a experiência de Bloch foi diferente porque, além de sustento e cuidado, seus ajudantes lhe traziam canetas, cola, jornais e outros materiais impressos que ele usava para produzir uma publicação surpreendente: seu próprio semanário, uma revista de poesia satírica.

De agosto de 1943 até ser libertado em abril de 1945, Bloch produziu 95 edições de "Het Onderwater Cabaret", ou "O Cabaré Subaquático".

Cada edição incluía arte original, poesia e músicas que frequentemente miravam os nazistas e seus colaboradores holandeses. Bloch, escrevendo em alemão e holandês, zombava da propaganda nazista, respondia às notícias da guerra e oferecia perspectivas pessoais sobre as privações do conflito.

Em um poema, ele sugeria de forma sarcástica como os eventos recentes haviam reordenado o significado de ser uma fera no reino animal: "Hienas e chacais / Olham com inveja / Pois agora parecem coroinhas / Comparados à humanidade."

Bloch compartilhava sua revista escrita à mão com as pessoas com quem vivia, a família que o abrigava e, possivelmente, ajudantes externos e outros judeus escondidos. Após a guerra, à qual Bloch sobreviveu, ele recolheu suas revistas e as levou para casa e, eventualmente, para Nova York, para onde emigrou. Lá, elas ficaram em algumas prateleiras, as criações desconhecidas de um homem que não era treinado como poeta ou artista, mas como advogado.

A filha de Bloch, Simone Bloch, agora com 64 anos, lembra de ver as revistas na casa da família quando era criança. Ela não compreendia totalmente sua importância, nem se importava muito. Uma adolescente rebelde, segundo ela mesma, Simone disse que nunca se conectou muito bem com seu pai, que morreu repentinamente de uma doença no fígado quando ela tinha 15 anos.

"Algumas vezes ele lia trechos delas em jantares", ela conta. "Mas eu não entendia alemão naquela época."

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Curt Bloch em fotografia sem data - Museu Judaico de Berlim via The New York Times

Muitos anos depois, porém, a filha de Simone, Lucy, se interessou pelas revistas, não apenas como lembranças familiares, mas como marcos da história. Ela conseguiu uma bolsa de pesquisa para viajar para a Alemanha, onde pôde estudar mais sobre a história de seu avô. Simone então passou anos procurando uma maneira de aumentar a conscientização pública sobre as revistas, um dos poucos esforços literários previamente desconhecidos que documentam o Holocausto na Europa.

Isso levou à produção de um livro, "O Cabaré Subaquático: A Resistência Satírica de Curt Bloch", de Gerard Groeneveld, que foi publicado na Holanda este ano. Em breve, haverá também uma exposição de museu, "'Meus Versos São Como Dinamite", que está programada para abrir em fevereiro no Museu Judaico de Berlim.

"Sempre que uma obra quase completamente desconhecida desse calibre vem à tona, é muito significativo", diz Aubrey Pomerance, curador da exposição do museu de Berlim. "A esmagadora maioria dos escritos criados em esconderijos foi destruída. Se não foram, já chamaram a atenção pública antes. Então, é tremendamente emocionante."

A pesquisa de Pomerance e Groeneveld para a exposição e o livro ajudou a iluminar muitos aspectos da vida de Bloch, que anteriormente não haviam recebido muita atenção. Nascido em Dortmund, uma cidade industrial no oeste da Alemanha, Bloch tinha 22 anos e trabalhava em seu primeiro emprego como secretário jurídico quando Adolf Hitler se tornou líder da Alemanha, em 1933. A violência antissemita na cidade natal de Bloch aumentou mesmo antes de medidas antijudaicas oficiais serem instituídas.

Após um colega ameaçar sua vida no mesmo ano, Bloch fugiu para Amsterdã, onde conseguiu um emprego com um importador e negociador de tapetes persas. Ele esperava encontrar refúgio lá antes de escapar mais a oeste, porém seus planos foram frustrados quando os alemães invadiram a Holanda em 1940, as fronteiras foram fechadas e o pesadelo se expandiu também para os judeus no país.

A empresa de Bloch o transferiu para Haia, mas quando os judeus não holandeses foram forçados a sair das províncias ocidentais holandesas por decreto do ocupante, ele foi enviado para trabalhar em uma filial em Enschede.

Lá, ele conseguiu um emprego no Conselho Judaico local, uma organização instalada pelos supervisores alemães para implementar os decretos antissemitas nazistas. Os judeus que trabalhavam para o conselho tinham a garantia de que estavam seguros contra deportação.

Tecnicamente, Bloch era um conselheiro de "assuntos de imigrantes", embora não houvesse oportunidades de imigração —apenas transporte para um campo de concentração. O conselho de Enschede entendia os perigos e alertava seus membros para se esconderem.

Foi ajudado por um influente pastor da Igreja Reformada Holandesa, Leendert Overduin, que secretamente dirigia uma organização de resistência que ajudou cerca de mil judeus a encontrarem lugares para se esconder. Conhecido como Grupo Overduin, era composto por cerca de 50 pessoas, incluindo as duas irmãs de Overduin.

O Grupo Overduin encontrou um esconderijo para Bloch na casa de Bertus Menneken, um agente funerário, e sua esposa, Aleida Menneken, uma governanta. Sua casa de tijolos de dois andares na Plataanstraat 15 estava em um bairro de classe média no oeste de Enschede.

Bloch batizou sua revista em resposta a um programa de rádio em alemão que tocava no rádio holandês durante a ocupação, o "Sunday Afternoon Cabaret" (cabaré de domingo à tarde). Mas este, explicou Groeneveld, era o "Cabaré Subaquático", cujo título foi tirado de um termo único em holandês para o ato de se esconder: "onderduiken".

A tradução literal é "mergulhar", mas uma tradução comum é "escapar da vista do público". Uma pessoa que estava se escondendo era um "onderduiker", que havia "mergulhado na água" ou estava submerso.

Groeneveld disse que as capas de Bloch, que eram fotomontagens estilizadas, inspiravam-se em revistas satíricas antifascistas da era pré-guerra, como a francesa "Marianne", conhecida por suas ilustrações antinazistas, e a revista dos trabalhadores alemães "Arbeiter-Illustrierte-Zeitung".

"Seu principal alvo era Joseph Goebbels, o ministro da propaganda nazista", diz Pomerance. "Ele sempre se refere a artigos que falam sobre uma 'vitória final dos nazistas' e zomba dessa noção, chamando-os de assassinos e mentirosos. Ele sempre teve certeza de que a Alemanha não venceria a guerra."

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