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Como a Índia mudou sob Modi, em gráficos

País asiático viu classe média crescer e conectividade aumentar, mas desemprego estagnou e liberdade de imprensa caiu

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John Reed Andy Lin
Nova Délhi, Índia e Hong Kong | Financial Times

Em seu discurso do Dia da Independência do ano passado, no Forte Vermelho, em Nova Déli, o primeiro-ministro Narendra Modi fez uma promessa audaciosa: a Índia se tornaria uma economia desenvolvida até 2047, quando o país celebra cem anos desde sua fundação. Segundo o político, o país asiático tinha três coisas a seu favor: demografia, democracia e diversidade.

A promessa teria parecido inacreditável há uma década. Em 2013, ano que antecede a chegada de Modi ao poder, a Índia foi identificada pela Morgan Stanley, empresa global de serviços financeiros, como parte de um grupo de economias emergentes vulneráveis, chamado de "cinco frágeis", devido à sua dependência de capital estrangeiro para impulsionar a economia e, em muitos casos, grandes déficits na balança comercial.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante sessão plenária da Cúpula Asean-Índia, em Jacarta - Willy Kurniawan - 7.set.2023/AFP

Dez anos depois, o país está no radar de investidores internacionais, consultores e parceiros comerciais como uma das economias de crescimento mais rápido do mundo. Também é uma aposta comum para aqueles que lançam mão do "China Plus One" —estratégia empresarial na qual se evita investir apenas em Pequim.

Nas próximas eleições nacionais da Índia, que devem ocorrer entre abril e maio, Modi ressaltará o histórico econômico de seu partido, BJP, durante seus dez anos no governo, destacando os sucessos em proporcionar crescimento, reduzir a pobreza e construir infraestrutura, incluindo aeroportos, ferrovias e estradas.

Mas o que os números mostram? O jornal britânico Financial Times analisou dados oficiais de crescimento do PIB, desemprego e redução da pobreza, bem como indicadores que acompanham a geração de empregos, examinando como eles se saíram em termos absolutos e comparativamente em relação a outros países.

As estatísticas da Índia são deficientes em muitos casos –o país não realiza um censo desde 2011, por exemplo– ou são alvo de controvérsia, como no caso dos dados de desemprego. Mas os números apontam algumas tendências claras.

Durante os dois mandatos de Modi, a Índia foi uma das economias que teve seu crescimento mais acelerado. Entre 2014 e 2022, seu PIB cresceu em média 5,6% em termos de taxa de crescimento anual composta. Uma média de 14 outras grandes economias em desenvolvimento teve uma taxa de crescimento anual composta de 3,8% no mesmo período.

Mas a taxa de crescimento foi ainda maior de 2000 a 2010, com uma média de mais de 6%. Economistas afirmam que a economia do país precisaria crescer mais rápido do que sua taxa atual de 6-7% para absorver um número crescente de trabalhadores que ingressam na força de trabalho e alcançar o objetivo de Modi de se tornar um país desenvolvido até 2047.

Atualmente, a Índia é o país mais pobre entre as nações do Brics, diz Raghuram Rajan, professor de finanças da Booth School of Business da Universidade de Chicago e ex-presidente do Banco Central indiano. Também "tem uma distância muito maior a percorrer antes de atingir o nível de renda per capita deles", afirma ele. "O crescimento tem sido bom, mas precisa ser posto em perspectiva."

A extrema pobreza continuou a diminuir desde que Modi assumiu o poder. A parcela da população da Índia vivendo em extrema pobreza caiu de 18,7% em 2015 para 12% em 2021, de acordo com dados do Banco Mundial. As regiões urbanas e rurais registraram uma redução na parcela de pessoas vivendo abaixo da linha internacional da pobreza, de US$ 2,15 (R$ 10,65) por dia.

Esses ganhos se devem, em parte, às generosas medidas de assistência social para os mais pobres sob o governo de Modi. Em novembro, a Índia prorrogou por mais cinco anos um dos maiores esquemas desse tipo, lançado durante a pandemia da Covid-19, segundo o qual mais da metade da população se beneficia de grãos alimentícios gratuitos.

"O foco desse governo tem sido a entrega eficiente de muitos programas de bem-estar", diz Krishnamurthy Subramanian, diretor executivo do FMI que já esteve no comando do conselho econômico do governo Modi. O uso de tecnologia, incluindo a criação de mais de 500 milhões de contas bancárias para os pobres, tem "ajudado a direcionar assistências de bem-estar aos beneficiários e eliminar desvios para intermediários", acrescenta ele.

O rápido crescimento econômico também abriu as portas da classe média para dezenas de milhões de pessoas na última década.

De acordo com dados de pesquisas domiciliares realizadas pela People Research on India's Consumer Economy, um think-tank sem fins lucrativos, a classe média –composta por pessoas com renda familiar anual de 500 mil a 3 milhões de rúpias indianas (R$ 30 mil a R$ 180 mil)– está entre os grupos de renda que mais têm crescido desde que Modi assumiu o poder, em 2014.

"O segmento de renda mais alto –os ricos– saltou de 30 milhões para 90 milhões, enquanto 520 milhões estão atualmente na classe média, um aumento em comparação com os 300 milhões em 2014", diz Rajesh Shukla, diretor-executivo e CEO do think-tank.

Desde que Modi assumiu o poder, seu governo tomou medidas para melhorar a saúde pública e a higiene, incluindo uma campanha nacional para construir banheiros públicos. A mortalidade infantil também tem caído de forma constante, embora a melhora seja anterior a seu mandato. Em 2020, a taxa de mortalidade infantil da Índia era menor do que a da África do Sul.

Embora o político tenha liderado o país em um período de crescimento elevado, a economia não conseguiu criar empregos suficientes. O desemprego, que atingiu especialmente a juventude, a maior população de jovens do mundo, foi destaque nas difíceis eleições estaduais de 2023 e será um ponto de ataque para seus oponentes nas eleições deste ano para o Parlamento.

A taxa de desemprego mal se moveu durante o tempo de Modi no cargo e ultrapassou 10% em outubro pela primeira vez desde a pandemia, de acordo com o Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMEI). Entre os jovens de 15 a 34 anos, os números são ainda piores: o desemprego neste grupo era de 45,4% em 2023.

Alguns economistas –assim como o próprio governo– afirmam que esses dados são inadequados e preferem citar as estatísticas de desemprego da Pesquisa Periódica de Força de Trabalho, coletadas pelo Ministério de Estatísticas da Índia. Os números mostram uma queda nas taxas de desemprego.

Mas em um país onde milhões trabalham de maneira informal, alguns analistas dizem que os números de desemprego podem não ser confiáveis. Ashoka Mody, professor de política econômica internacional na Universidade de Princeton e autor do livro de história econômica "India Is Broken", a Índia está quebrada, chama os números oficiais de desemprego de "uma estatística sem sentido no contexto indiano", argumentando que isso esconde um problema maior de subemprego.

As mulheres representam uma porcentagem menor da força de trabalho em relação a quando Modi assumiu o poder. A taxa de participação feminina na força de trabalho da Índia caiu de 25% em 2014 para 24% em 2022, menor do que os vizinhos Bangladesh, Sri Lanka e Paquistão.

Economistas afirmaram que aumentar a participação feminina no trabalho impulsionaria o crescimento da Índia em até 1,5%, de acordo com uma estimativa do Banco Mundial, mas questões de segurança e pressão social impedem muitas mulheres de fazê-lo.

"Um problema é a disponibilidade de empregos e outro é a disponibilidade de empregos nos quais as mulheres se sintam seguras fora de casa", diz Swati Narayan, professora associada da Universidade Global OP Jindal e autora do livro "Desigual", sobre por que o país fica para trás em relação aos seus vizinhos do sul da Ásia no desenvolvimento social e econômico. "Na Índia, há muitos tabus sobre mulheres e mercado de trabalho."

Os gastos com rodovias, ferrovias e outras infraestruturas aumentaram durante o governo de Modi, o que tem sido um propulsor do crescimento econômico. A Índia planeja gastar 5 trilhões de rúpias (R$ 300 bilhões), ou 1,7% do PIB, em despesas de capital para a construção de estradas e ferrovias.

Os dados compilados pelo CMIE também apontam para um crescimento das construções desde que Modi assumiu o cargo, com a Índia adicionando mais de 10.000 km de estradas por ano desde 2018. "Isso é algo que este governo tem feito muito bem —muita construção de redes rodoviárias e ferroviárias", afirma Rajan, da Universidade de Chicago.

A Índia também tem se vangloriado de seu sucesso em conectar quase 1 bilhão de pessoas, divulgando sua infraestrutura digital pública como um modelo para outros países em desenvolvimento.

O sistema Aadhaar, de números de identidade digitais, teve início com os antecessores de Modi, em um governo liderado pelo Congresso, mas ganhou vida durante seu mandato e foi transformado em um ecossistema completo de pagamentos digitais, apelidado de India Stack.

A iniciativa foi apoiada por uma proliferação de smartphones baratos, em sua maioria fabricados na Índia. De acordo com o governo, o valor das transações digitais cresceu 70% nos últimos cinco anos.

O país ainda se orgulha de seu setor de tecnologia da informação globalmente conectado, com uma série de empresas nacionais e estrangeiras concentradas no sul da nação, especialmente em torno das cidades de Bengaluru e Hyderabad, tornando a nação o "escritório de apoio do mundo".

Mas a Índia está ficando aquém nos gastos com pesquisa e desenvolvimento. A participação desse setor na economia caiu para menos de 0,7% do PIB no governo Modi, uma taxa inferior a de qualquer outro país do Brics e muito abaixo dos cerca de 5% do PIB gastos por alguns dos países que têm os maiores centros de pesquisa e desenvolvimentos do mundo, uma lista liderada por Coreia do Sul e Israel.

Por fim, embora muitos indicadores econômicos tenham melhorado, grupos de defesa da democracia rebaixaram as classificações da Índia em liberdades básicas nos últimos dez anos.

A sede da BBC na Índia e o portal de notícias indiano NewsClick foram invadidos em 2023, e jornalistas de outras organizações enfrentaram acusações criminais ou prisão no que configura uma repressão à liberdade de expressão, segundo organizações do país.

De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a classificação da liberdade de imprensa no país caiu para 161 em 2023, em comparação com 140 em 2014. Hoje, a Índia está apenas três posições acima da Rússia, que, ao contrário daquela, não pode afirmar de forma crível ser uma democracia.

Defensores do governo Modi questionaram a confiabilidade das classificações de direitos humanos e liberdades civis compiladas pela RSF, Freedom House e outros grupos, enquanto entidades da sociedade civil indiana argumentaram que uma imprensa livre é crucial não apenas para proteger a democracia, mas também a economia.

"A razão pela qual você migra para 'China Plus One' é por causa da estrutura de poder antidemocrática da China", diz a diretora-executiva do Centro de Pesquisa Política, Yamini Aiyar, referindo-se à estratégia de minimizar a dependência da cadeia logística de empresas em relação a Pequim com intuito de diversificar os países de onde obtêm suas peças. "Se a Índia perder essa característica, terá grandes consequências a longo prazo."

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