Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Israel deixa Gaza à beira da fome, diz África do Sul em início de audiência em Haia

Denúncia de Pretória tem apoio do Brasil; chanceler israelense diz que país africano é 'braço jurídico' do Hamas

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São Paulo

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais conhecida como Corte de Haia, deu início nesta quinta-feira (11) às audiências para apurar uma denúncia da África do Sul que acusa Israel de descumprir a Convenção Internacional contra o Genocídio em sua campanha militar na Faixa de Gaza.

O ministro da Justiça da África do Sul, Ronald Lamola (à esq.), e o embaixador do país na Holanda, Vusimuzi Madonsela, em audiência na Corte de Haia
O ministro da Justiça da África do Sul, Ronald Lamola (à esq.), e o embaixador do país na Holanda, Vusimuzi Madonsela, em audiência na Corte de Haia - Thilo Schmuelgen/Reuters

Pretória pede que o tribunal internacional pressione Tel Aviv a suspender imediatamente a ofensiva no território palestino. Quase cem dias após a eclosão da guerra, quase 24 mil pessoas, civis em sua maioria, foram mortas na faixa. As ações são uma resposta do Estado judeu a uma incursão do Hamas ao sul israelense em 7 de outubro na qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e mais de 200, sequestradas.

"Nenhum ataque armado ao território de um Estado, por mais grave que seja [...], justifica a violação da convenção [Internacional contra o Genocídio de 1948]", disse o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, aos juízes do tribunal.

A advogada Adila Hassim, da acusação, acrescentou que a ofensiva israelense pôs a população palestina "à beira da fome". "A situação é tal que os especialistas preveem que mais pessoas poderão morrer em Gaza de fome e doenças [do que em consequência das ações militares]", disse ela.

Critério estabelecidos na Convenção Internacional contra o Genocídio para definir o crime

  • Matar membros de um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso;

  • Causar danos físicos ou mentais graves;

  • Infligir condições de vida que destruam a capacidade de sobrevivência;

  • Impedir a proliferação de um determinado grupo;

  • Transferir crianças de um grupo para outro local de forma forçada;

A África do Sul acusa Israel de ter "motivação genocida" contra a população de Gaza, impondo condições que segundo o país provocam a morte de palestinos e a destruição de seu território. Ainda responsabilizam o Estado judeu por promover um apartheid.

As acusações foram rechaçadas por Tel Aviv em várias ocasiões ao longo do conflito, sempre sob a alegação de que o país apenas exerce seu direito a autodefesa. O argumento foi novamente invocado nesta quinta pelo primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, que chamou Pretória de "hipócrita" e disse que ela "representa monstros". Na quarta (10), ele havia reiterado que Israel "não tem intenção de ocupar permanentemente Gaza ou de deslocar a população civil" em vídeo divulgado nas redes sociais.

"Uma organização terrorista comete o pior crime contra o povo judeu desde o Holocausto e agora aparece alguém para defendê-la em nome do Holocausto", disse ele segundo relato do jornal The Times of Israel.
"Onde vocês estavam, África do Sul, quando milhões de pessoas foram mortas ou deslocadas de suas casas na Síria e no Iêmen?", questionou, referindo-se às guerras civis que irromperam nos dois países do Oriente Médio em 2011 e 2014, respectivamente. "E por quem? Pelos parceiros do Hamas", emendou.

Netanyahu ainda descreveu a denúncia feita por Pretória —à qual o Brasil manifestou apoio na quarta— de "chutzpah". O termo de origem iídiche é usado para se referir a situações em que há um atrevimento desproporcional, que ultrapassa limites.

Antes disso, membros de sua administração haviam feito declarações tão duras quanto a do premiê. O porta-voz da chancelaria, Lior Haiat, afirmou que Pretória age como um "braço jurídico" do Hamas, enquanto o representante do governo, Eylon Levy, comparou o processo judicial a uma teoria de conspiração antissemita que acusa falsamente os judeus de matarem bebês para rituais.

A África do Sul solicitou na audiência a suspensão imediata das operações israelenses contra Gaza, o fim do "assassinato" e deslocamento da população palestina, além da normalização da entrada de alimentos, água e medicamentos na faixa. Também pediu que Israel tome "todas as medidas razoáveis ao seu alcance" para prevenir um genocídio no território.

Os juízes da CIJ devem ouvir formalmente as respostas de Israel nesta sexta (12). Uma decisão sobre medidas de emergência a serem implementadas em Gaza deve ser proferida ainda neste mês. Mas o tribunal, por ora, não deve se pronunciar sobre as acusações de genocídio —um julgamento sobre o tema pode se arrastar por anos.

Israel havia emitido comunicado a suas representações diplomáticas ao redor do mundo instruindo que elas pedissem a políticos e outros líderes para denunciar de forma inequívoca as acusações sul-africanas até a audiência em Haia. "Uma decisão da corte pode ter implicações significativas não só no universo jurídico, mas ramificações práticas de segurança, econômicas, multilaterais e bilaterais", dizia a nota obtida pelo site Axios.

Amer Salah, 23, que está abrigado em uma escola da ONU no sul de Gaza depois de fugir de casa, disse à agência de notícias Reuters que os moradores da faixa esperam que a denúncia faça crescer a pressão internacional sobre Israel, forçando-o a interromper a guerra.

A denúncia do país africano foi apresentada ao tribunal no último dia 29. O documento acusa o Estado judeu de descumprir a Convenção Internacional contra o Genocídio, que define o termo como a "motivação para destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso". Nesses casos, a "motivação" costuma ser o elemento mais difícil para os tribunais internacionais provarem.

Os mais de três meses de bombardeios israelenses devastaram grande parte da Faixa de Gaza, matando quase 24 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde local, e expulsando quase toda a população de 2,3 milhões de palestinos de suas casas. Um "bloqueio total" imposto por Tel Aviv restringiu o fornecimento de alimentos, combustível e medicamentos à Faixa, criando o que as Nações Unidas descrevem como uma catástrofe humanitária.

Israel diz que erradicar o Hamas é sua única opção de defesa. Os militares do Estado judeu acusam os integrantes da facção de usarem a população como escudo humano e atribuem a eles todos os danos causados aos civis no território.

A África do Sul condenou os ataques do Hamas em 7 de outubro, mas, ao criticar a resposta de Israel, ressaltou que a organização não se trata de um Estado. Após a denúncia, autoridades israelenses criticaram o fato de que o entrincheiramento do Hamas na vida civil de Gaza não havia sido mencionado na audiência.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quarta apoio à denúncia da África do Sul. O posicionamento foi divulgado horas depois de o presidente ter se reunido com o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben.

"À luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados", diz a nota do governo brasileiro.

A declaração destoa da tradição diplomática brasileira de buscar equilíbrio entre partes em conflito e, assim, legitimidade para atuar como interlocutor —papel que Lula tentou assumir durante o primeiro ano de seu terceiro mandato tanto no Oriente Médio, como na Guerra da Ucrânia.

A Conib (Confederação Israelita do Brasil) condenou a posição brasileira. Em nota, disse que o governo diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa do país. A organização argumenta que Tel Aviv apenas respondeu ao ataque realizado pelo grupo terrorista Hamas. "A ação sul-africana é uma inversão da realidade", afirma a entidade.

Outros países além do Brasil já manifestaram publicamente apoio à denúncia sul-africana, como Turquia, Jordânia, Malásia, Bolívia e Venezuela. O governo de Gabriel Boric no Chile, por sua vez, disse nesta quarta-feira que em breve também apresentará uma denúncia contra Israel em fóruns internacionais.

Com Reuters e AFP

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava incorretamente que os atentados do ​Hamas em 7 de Outubro mataram cerca de 1.200 pessoas na Faixa de Gaza. As mortes ocorreram em Israel.

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